quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

"DO MEU CORAÇÃO NU": ZÉ MANOEL ESBANJA DELICADEZAS EM DISCO QUE EXALTA NEGRITUDE

Cantor e compositor pernambucano dá voz a histórias de racismo e violência, em álbum de onze faixas disponível nas plataformas digitais

Por Germana Macambira




Em meio ao caos, respiros sonoros são sempre bem-vindos, inclusive os que traduzem vivências (dolorosas) mas chegam tomadas por beleza e empatia. Um contrassenso, “Quando 80 tiros carregaram para sempre, da mulher, o seu marido. O seu melhor amigo”.

É o que diz a letra de “História Antiga”, faixa que abre “Do Meu Coração Nu” (Joia Moderna), o mais recente trabalho do cantor, compositor e pianista Zé Manoel disponível nas plataformas digitais e em breve em mídia física pela Passa Disco e em edição de luxo em vinil.


“É um processo difícil, transformar esse tipo de coisa em música. Não há beleza, só tristeza e raiva”, reforça o artista petrolinense, há algum tempo em São Paulo, por onde tem ancorado seus versos e musicado realidades, embora o álbum tenha percorrido muitas geografias. “

O disco é feito em várias cidades”, complementa Zé que ativa por meio das canções que compõem o álbum, o amor e a delicadeza a temas como racismo e violência.

“Quando você conta algo que emociona a você primeiro, a comunicação acontece em níveis mais profundos. Tem uma coisa nesta primeira faixa, por exemplo, que foi dita pela esposa do músico Evaldo Rosa, morto dentro do carro por militares, no Rio de Janeiro, com mais de 80 tiros. Num vídeo ela falava que mataram o marido e o melhor amigo dela. Eu chorei copiosamente ouvindo essa fala. Mais uma família foi desfeita pelo simples fato de viverem num país racista e violento”, ressalta.

Com parcerias que permeiam a diversidade na música e exalta a cultura preta, Zé Manoel abraçou Pernambuco, passou pela Bahia e circundou por França e EUA, quando trouxe à tona respectivamente a percussão do Grupo Bongar em “No Rio das Lembranças” e se espalhou pela poesia de Bell Puã em “Prelúdio pra Iluminar o Rolê” - um exórdio para a canção seguinte "Pra Iluminar o Rolê".

Já em “Notre Histoire” ele se aliou ao cantor e compositor francês Stephane San Juan e com a americana Gabriela Riley compôs “Wake Up My Divine”. 

Com a assinatura do preto baiano Luisão Pereira, o disco foi produzido. “Ele é produtor, músico, compositor, trabalhou em projetos importantes, vem de uma família de músicos - é sobrinho do sambista baiano Ederaldo Gentil e irmão do compositor bossa novista Antônio Carlos Tatau - além de ser vizinho de cidade, já que é baiano de Juazeiro e eu pernambucano de Petrolina. Tudo nesse disco está interligado”, explica. 

“Não Negue Ternura”, com Luedji Luna completa o rol de parcerias, que trouxe também os arranjos pernambucanos de Rafael Marques e Alexandre Rodrigues. “Canto pra Subir” e “Adupé Obaluauê” dão sequência às faixas – esta última, inclusive, encerra o disco e não por acaso evoca a cura por meio da dança.

Mas afinal, Zé, dá para te chamar de ativista musical? “O que tenho de especial para oferecer é a minha música. Sem ela, meu texto não tem força, chega a meia dúzia de pessoas. Tanto que as falas do disco são todas de outras pessoas e na maioria mulheres pretas.

Precisamos ouvir essas pessoas cheias de assunto. Tocar piano para chamar atenção à fala da historiadora Beatriz Nascimento, foi uma das coisas que mais me trouxeram alegria em toda a minha carreira”, conclui ele sobre a escuta literal feita na faixa instrumental que leva o nome da historiadora sergipana. 

É dela a fala que exalta o povo preto e indígena, sob o dedilhar de Zé Manoel, em um trabalho que se propõe, segundo ele, a “acrescentar uma pequena estrofe (...) de forma afetiva, com um irmão contando para o outro”.

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