No Mercado da Madalena, conversando com Rodrigues Lima, encontro o poeta Chico Pedrosa que em prantos me comunica o falecimento do também poeta Ronaldo da Cunha Lima, seu conterrâneo.
Muito triste, confidenciou baixinho que não estava pra conversa. Sentou, pegou um pedaço de papel, desses que fazem chamadas para shows, e começou a escrever. Sempre de cabeça baixa, os óculos embaçados pelas lágrimas, providencialmente limpos por Sávio Pires, para que o poeta pudesse ler. Levantou a cabeça e com a voz embargada, porém, firme, disse: Vou ler estes versos que fiz para Ronaldo. No final o experiente declamador não conteve o choro ao recitar uma poesia de Ronaldo. A emoção tomou conta dos presentes. Salve os poetas, o que foi e o que fica para em versos contar sua história.
Habeas Corpus do Violão (Habeas Pinho)
Ronaldo da Cunha Lima
O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção,
Não é faca, revólver ou pistola.
É simplesmente, Doutor, um violão…
Um violão, Doutor, que em verdade
Não matou, nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão!
Um violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
O crime a ele nunca se mistura,
Entre ambos inexiste afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas que povoam a vida,
E sufocam as suas próprias dores!
O violão é música e é canção.
É sentimento, é vida, é alegria.
É pureza e néctar que extasia.
É a dor espiritual do coração!
Seu viver, como o nosso, é transitório,
Mas seu destino, não! Se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não pra ser arquivo de cartório!
Mande soltá-lo pelo amor da noite,
Que se sente vazia em suas horas,
Pra que volte a sentir o terno açoite
De suas notas leves e sonoras!
Libere o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua o desgraçado
Derramando na praça suas dores?
Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua),
Não sufoque o cantor que vem da rua,
Que vem da noite pra saudar o dia.
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento,
Juntada desta aos autos nós pedimos,
E pedimos, também, DEFERIMENTO…
* * *
O despacho do Juiz:
ARTHUR MOURA
Juiz da 2ª Comarca de Campina Grande
Para que eu não carregue
Remorsos no coração,
Determino que se entregue
A seu dono o violão!
* * *
Segunda versão do despacho:
AFONSO NUNES DE SENA
Juiz de Direito
Recebo a petição escrita em verso,
E despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no cartório, um violão.
Emudecer a prima e o bordão
Nos confins de um arquivo, em sobra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo o que há de belo no universo.
Que seja solto, ainda que a desoras,
E volte à rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso, ao que lhe fiz,
Noite de lua, plena madrugada,
Venha tocar à porta do juiz.
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