Por Joaquim Macedo Junior
Caymmi: para o Recife, ‘Dora’
Quantos mineiros cantaram o Rio de Janeiro; quantos cariocas e paulistas cantaram a Bahia; e quantos de outros cantos cantaram o Recife, Olinda, Pernambuco?
A primeira preciosidade que me veio à cabeça foi “Dora”. Por quê? Fácil, fácil, é simplesmente uma obra-prima. Mas tenho mil motivos para dizer que “Dora” talvez simbolize a mais bela tradução de canção enviada como carta de amor de um baiano extraordinário e fundador da canção praieira à nossa terra, tão praieira e tão malemolente quanto a dele. Quer mais um motivo? Do próprio repertório de Caymmi “Dora” caminha sozinha – a rainha do frevo e do maracatu. Era solicitada em qualquer show que Caymmi fizesse, e hoje a quem canta o seu repertório, incluindo, é claro, seus três talentosíssimos filhos: Dory, Danilo e Nana.
Dora – Dorival Caymmi – 1960:
Dora, rainha do frevo e do maracatu
Dora, rainha cafuza de um maracatu
Te conheci no Recife
Dos rios cortados de pontes
Dos bairros, das fontes coloniais
Dora, chamei
Ò Dora! . . .Ò Dora!
Eu vim à cidade
Pra ver você passar
Ò Dora …
Agora no meu pensamento eu te vejo requebrando
Pra cá,ora prá lá
Meu bem! ….
Os clarins da banda militar, tocam para anunciar
Sua Dora, agora vai passar.
Venham ver o que é bom
Ò Dora, rainha do frevo e do maracatu
Ninguém requebra, nem dança, melhor que tu!
O pretexto:
Consta que durante o carnaval de 1942, Dorival Caymmi estava hospedado no Grande Hotel do Recife. De repente, um bloco passou em frente ao hotel e uma mulata que dançava descalça chamou a atenção do mestre baiano. Teria sido a inspiração dele para mais este clássico da MPB, que lançou, originalmente, em 1945. A presente regravação é do LP “Eu não tenho onde morar” (Odeon, 1960). A citação, no início da música do lendário “Meu Maracatu é da Coroa Imperial, é de Pernambuco, ele é, da Casa Real” é coisa de quem sabia onde estava metendo o bedelho.
Grande Hotel do Recife
Brevíssimo Perfil:
Dorival Caymmi, cantor, compositor, violonista, pintor e ator brasileiro, nasceu em Salvador, em 30 de abril de 1914 (este, portanto, é o ano de seu centenário) e morreu no Rio, em 16 de agosto de 2008, aos 94 anos.
Compôs inspirado pelos hábitos, costumes e as tradições do povo baiano. Tendo como forte influência a música negra, desenvolveu um estilo pessoal de compor e cantar, demonstrando espontaneidade nos versos, sensualidade e riqueza melódica.
Poeta popular, produziu obras como ‘Saudade da Bahia’, ‘Samba da Minha Terra’, ‘Dora’, ‘Marina’, ‘Modinha para Gabriela’, ‘Maracangalha, ‘Saudade de Itapuã’, ‘O Dengo que a Nega Tem’, ‘Rosa Morena’entre tantas outras.
Unanimidade nacional, Caymmi já esteve na mira dos críticos de ocasião, que rotularam sua música de simplista. O que esses moços não souberam foi discernir que o compositor era a expressão da síntese, que retirava da simplicidade sua obra-prima, muitas vezes dita em um verso – “é doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar”. Certa vez, Caetano Veloso disse sobre o conterrâneo: “eu fiz mais de 400 músicas, Caymmi só 70, mas todas perfeitas”.
0 comentários:
Postar um comentário