Por Abílio Neto
Passeava eu alegremente pelo YouTube quando me deparei com o belo vídeo de Zezé Motta cantando o bonito frevo de Caetano Veloso chamado “Três Travestis”. Eu pesquisava o tema em função de todo o espalhafate produzido nas redes sociais por conta das torturas sofridas pelo travesti Verônica Bolina cometidas pelos agentes da Polícia de São Paulo, fato acontecido em abril deste ano. As pessoas se jogam de cabeça nesses movimentos da internet sem procurarem conhecer a folha corrida dessas vítimas da violência. Os jornais publicaram que o tal travesti (ninguém diz “a travesti”, já notaram?) tentou matar uma pessoa idosa e por isso foi preso. Na delegacia, ao ficar isolado em uma cela, começou a se masturbar às vistas dos outros presos que protestaram. Quando o carcereiro entrou na cela para acalmar o rapaz, levou uma mordida tão danada que lhe arrancou um pedaço da orelha. Foi aí que começou o cacete. Como se vê, o traveco é uma espécie de Luizito Suárez piorado. O famoso jogador uruguaio, pelo que me consta, nunca arrancou pedaço de ninguém. A Polícia já não é flor que se cheire e provocada desse jeito, reagiu. Em excesso, pelo que se percebe nas imagens que chocaram as redes.
Mas, voltando a Caetano Veloso, não é de hoje que ele tem admiração por esses seres carnais que são metade homem e metade mulher. É por isso que tenho medo deles. Os meus neurônios não estão configurados para aceitar tamanha alteração da natureza. Acho até que essa coexistência de elementos masculinos e femininos num só corpo arranhou de vez a imagem do macho. Mas é preciso ficar atento a isso, primeiro para não parecer preconceituoso, e segundo porque conforme Severo Sarduy, o macho é, no fundo, um “travesti ao contrário”. Além disso, já soube de histórias tenebrosas envolvendo travestis. Uma delas atingiu o futebolista Ronaldo Nazário, conhecido por “fenômeno”. Quanto aos demais citados no título, faço minhas as palavras de Sérgio Sampaio na música “Polícia, bandido, cachorro e dentista” que coloco abaixo na interpretação de Sergio Sampaio.
Os calos dos meus pés que caminham muito pelas ruas do passado (perdão, Alceu) revelaram que lá no remoto 1973, antes de Ney Matogrosso surgir para o cenário musical brasileiro com o grupo “Secos e Molhados”, Caetano subiu ao palco do MAM/RJ com uma roupa muito mais instigante do que as vestimentas de palco de Ney naquela época. Após voltar do exílio londrino, Caetano quis homenagear o saudoso cantor pernambucano Orlando Dias, cujo nome de registro era Adauto Michilles, tio do famoso compositor de frevo J. Michilles. Dias fizera muito sucesso com “Tenho Ciúme de Tudo”, bolero de Waldir Machado que compôs seu disco “Obrigado Minhas Fãs”, lançado no início da década de 70.
Com seu figurino extravagante, Caetano deu chance para que o travesti Ditinha subisse ao palco com ele e também fizesse o seu show particular. Esteticamente, achei aquilo de mau gosto. Vejam a imagem de Ditinha no vídeo. Numa boa, sem preconceito algum, mas não gostei. A dança do travesti não tem graça alguma! Na época até falaram que aquilo era para chocar a ditadura numa espécie de protesto estético-visual. O coronel do Exército chamado Gabriel Ribeiro certa vez disse que protesto mesmo quem fez foi Chico Buarque e Geraldo Vandré. O que Caetano e Ney faziam, no seu entender, era frescura sem tirar nem por. Tenho minhas dúvidas. Às vezes os recados indiretos funcionam bem melhor que os diretos.
Quando houve aquela confusão de Ronaldo com os três travestis, no final de abril de 2008, no Rio de Janeiro, poucos dias depois, em 14 de maio, Caetano fez um show no Rio e disse o seguinte no palco:
“Quando vi a entrevista do meu amigo Ronaldo na TV, lembrei de uma música que fiz cheia de carinho para os travestis. Música é poesia, assim como Ronaldo é para o futebol, e cantá-la agora seria uma forma de expressar o que senti sobre esse caso. O que eu entendi é que ele não quis dar aquele dinheiro e foi ameaçado. A parte íntima da vida dele não interessa a ninguém, e ele não nos deve satisfação. A vida é assim: complexa e bonita, como os travestis”.
Ouçamos Caetano cantando “Tenho Ciúme de Tudo”, em 1973, e em seguida o áudio com Sergio Sampaio.
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