Em comemoração aos 80 anos do cantor e compositor o Musicaria Brasil relembra algumas de suas histórias
BRUXO
Todo mundo sabe que Hermeto Paschoal é um dos maiores músicos do planeta e uma personalidade completamente fora do comum.
O que pouca gente sabe é que ele é um ser humano simples e carinhoso.
Tive com ele algumas experiências enriquecedoras.
Quando fui a São Paulo assistir a um festival de jazz, do qual ele participaria, o encontrei nos bastidores e perguntei a ele se eu poderia colocar letra no “Chorinho pra Ele”- uma das poucas composições do Hermeto que as pessoas normais podiam compreender.
Perguntei quem era “Ele” e o Hermeto, disfarçando, disse que era um músico amigo seu já falecido.
Nessa ocasião, Hermeto me fez um dos maiores elogios que eu já recebi.
Olhando nos meus olhos, disse: “Eu deixo você colocar letra na minha música porque considero você um músico”.
Eu, sem jeito, rebati: “mas eu não sei tocar nenhum instrumento!”
E ele: “A voz é um instrumento”.
Esta foi a primeira lição que ele me deu.
Outras viriam.
( O Esdras de Souza, produtor da CID a tudo assistiu )
Nesse show aconteceu um fato inesquecível, que vale a pena relembrar:
Quando o Hermeto se apresentou, todos os músicos do festival se aglomeraram nos cantos do palco para assisti-lo.
E olha que lá estavam Chick Corea, John McLaughlin, George Duke e muitos outros.
Todos, músicos consagrados internacionalmente.
No meio de sua apresentação, Hermeto improvisa:
“Soube que tem um tal de Francisco Correa aí querendo falar comigo.
Manda ele entrar".
Um Chick Corea, encabulado e aplaudidíssimo, sobe no palco.
Hermeto senta ao piano e diz: “Aqui pra você!”
E improvisa um tema complicadíssimo de jazz.
Chick não se intimida: “Ah...É?”
Senta ao lado do Hermeto e desenvolve um tema ainda mais complicado.
E os dois ficaram ali num “desafio” musical indescritível.
Até hoje fico imaginando se aquilo foi expontâneo ou preparado.
Não importa. Foi um momento inesquecível e quem o presenciou, viveu momentos emocionantes, proporcionados por dois dos maiores músicos do mundo.
Algum tempo depois, fiquei sabendo que ele iria tocar num teatro no Rio e fui assistir.
Depois, saímos pela noite e ele, mais uma vez, me surpreendeu.
Entramos numa casa noturna, ele deu uma “canja” ao piano e se lembrou da primeira música que tocamos juntos.
Nem eu me lembrava.
Emocionante.
Depois de virarmos a noite em conversas e lembranças, criei coragem e o convidei para gravarmos juntos o Chorinho pra Ele, num estúdio modesto atrás da Central do Brasil, que um amigo me emprestou.
Ele aceitou na hora.
E, assim, a noite foi fechada com chave ouro.
No dia da gravação, ele tocou piano, órgão e flauta.
Aliás, o Hermeto toca ( bem ) todos os instrumentos musicais.
Quando estávamos gravando, a luz apagou e não voltou mais.
Pensei: vou perder o Hermeto.
E ele: amanhã eu volto.
E voltou.
Quando fui colocar a voz ele me pediu para ver a letra.
Quando estava lendo, vi lágrimas em seus olhos.
Não falei nada.
Algum tempo depois fui descobrir que ele havia escrito essa música em homenagem ao seu irmão Zé Neto, músico como ele, que já havia falecido.
Foi então que compreendi sua emoção.
Na letra, eu, sem saber, escrevi: Eu sei que é pouco, muito pouco, esse chorinho, pra falar do meu carinho por alguém que, mais que amigo, é meu irmão”.
Depois dessa noite, nunca mais estive com o Hermeto.
Soube que ele havia se mudado de Bangu.
Um dia, numa dessas viagens por conta da profissão, o encontrei num aeroporto e fiquei sabendo que ele estava morando em Curitiba.
De vez em quando eu penso no destino e agradeço aos céus por terem colocado no meu caminho o Hermeto,
Um mágico.
um verdadeiro BRUXO
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