terça-feira, 10 de novembro de 2020
DEZ ANOS SEM PAULO MOURA
Por Henrique Cazes
Na tarde do dia 14 de julho de 2010, um grande número de músicos e curtidores de música se dirigiram ao teatro Carlos Gomes, no Centro do Rio, para prestar uma última homenagem àquele que ao longo de mais de 5 décadas surpreendeu e abriu caminhos. Instrumentista, compositor e arranjador, Paulo Moura (1932-2010) foi também um militante cultural atuante, que trabalhou para por em diálogo diferentes universos culturais.
Nascido numa família de músicos do interior, filho de um mestre de banda de São José do Rio Preto (SP), com 12 anos já animava festas em um "clube de pretos", como gostava de contar. E sempre acrescentava que, segundo um irmão mais velho, o clube era frequentado por "brancos sem vergonha também”. A família veio para o Rio depois da Guerra e Paulo estudou clarinete na Escola Nacional de Música, prosseguindo seus estudos com Guerra-Peixe, José Siqueira e Moacyr Santos e tornando-se arranjador. Muito jovem já era músico efetivo das orquestras de Oswaldo Borba e Zacharias e em, 1953, viajou para o México com a Orquestra de Ary Barroso.
O próprio Paulo me contou que, apesar da fama da Rádio Nacional e do fato que três de seus irmãos tocarem lá, ele preferiu tocar na Rádio Tupy, trabalhando com os maestros Zacharias, Severino Araújo e Cipó.
A Tupy era melhor para quem gostava de música. O grau de experimentação nos arranjos era de tal ordem, que um dia a direção da Rádio fez uma circular aos arranjadores avisando: "É proibido acordes americanos".
Apesar de suas resistências, em 1958 Paulo foi finalmente para a Nacional e lá pode confessar a Radamés sua admiração. O Maestro não demorou a se encantar com o som do sax alto de Paulo e lhe dedicou o samba canção "Monotonia". Do excelente resultado, surgiu o fantástico Lp de dez polegadas "Paulo Moura interpreta Radamés Gnattali", lançado em 1959 pela Continental, com acompanhamento de Radamés ao piano, Baden Powell no violão, Pedro Vidal no contrabaixo e Orlando Trinca na bateria
Nos anos seguintes, levado pela onda do jazz bossanovista, Paulo Moura se afastou do choro, para retornar somente em meados dos anos 1970, com um disco antológico: "Confusão urbana, suburbana e rural". A partir daí o clarinetista e saxofonista contribuiu regularmente para a discografia chorística, gravando álbuns como "Mistura e manda" e "Dois irmãos", este em parceria com Rafael Rabello.
Como professor, teve atuação intensa na Escola de Música Villa-Lobos, onde formou uma legião de alunos-fãs. E ele convidava esses alunos para dar canja nas gafieiras do Circo Voador e do Parque Laje, para, nas palavras dele: “deixarem de ser tímidos”.
Refletindo sua personalidade plural e sua militância para unir diferentes ambientes da música, o velório de Paulo Moura foi um encontro de gente que nunca se encontra. Desde antigos colegas da orquestra do Teatro Municipal até companheiros da ala de compositores da escola de samba Imperatriz Leopoldinense. Do foyer do teatro, o encontro se estendeu ao botequim mais próximo, onde tantos contaram histórias divertidas, ilustrando o humor peculiar do homenageado. Ao sair caminhando com um amigo pela Praça Tiradentes, ambos emocionados, comentamos a sensação de termos ido a um velório de sambista, a um gurufim de subúrbio.
Paulo gostava de contar que quando ouvia o tema de “Noites cariocas” do Jacob do Bandolim, lhe vinha da memória o cheiro glamoroso do Rio de Janeiro da década de 1950. Pois bem, posso afirmar que ouvindo o disco “Mistura e manda” na semana passada, tive a sensação de sentir o perfume daquelas domingueiras que frequentei tocando na banda “Gafieira, Etc. e Tal” ou como público. Que saudades, Paulo!
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