A baiana interpreta várias canções do repertório do amigo para um público cativo, sempre ávido pelos versos do compositor, responsável por impulsionar a carreira da cantora
Por Gabriel de Sá
Maria Creuza é uma operária da música de Vinicius de Moraes. Há 16 anos, de quinta a domingo, a cantora sai da Barra da Tijuca, onde mora, até Ipanema. É no bairro carioca, mais precisamente no Vinicius Bar, na rua que também leva o nome do Poetinha, que a baiana interpreta várias canções do repertório do amigo para um público cativo, sempre ávido pelos versos do compositor, responsável por impulsionar a carreira da cantora nos anos 1970. “Virou uma espécie de reduto meu”, conta ela, aos 69 anos. Em 2013, ano do centenário do compositor, Creuza já levou as músicas para a Espanha, Peru e Colômbia, além de várias cidades do país. A Argentina é o próximo destino.
Nascida em Esplanada (BA) e criada em Salvador, Maria Creuza cantava em um festival universitário da TV Tupi, em 1969, quando a voz aveludada e grave, na faixa Mirante, chamou a atenção de um tal Vinicius de Moraes. Era a estreia da moça no Rio de Janeiro. O Poetinha teria ficado doido atrás do telefone da cantora, e acabou conseguindo o número. Vinicius telefonou para Maria e ela, claro, não acreditou que era realmente ele. “Achei que estavam me sacaneando”, relembra. Quando, enfim, a ficha caiu, recebeu o convite para uma turnê com ele e Dori Caymmi na Argentina e no Uruguai. Começou aí a amizade musical, que duraria até a morte do artista, em 1980.
Pouco depois, Dori foi substituído pelo novato Toquinho. Os três rodaram o mundo em apresentações. “Eu teria que abrir as várias agendas que guardo para saber quantos foram os shows”, diz Creuza. A Europa e a América do Sul eram destinos constantes. O Poetinha virou até compadre dela — ao lado da então mulher, Gessy Gesse, ele batizou a filha do meio de Maria Creuza, Luana.
Apesar da fama de conquistador, e da beleza da jovem Creuza, Vinicius nunca tentou avançar o sinal com a amiga. “Ele dizia que não era possível: ‘Mariazinha, você desperta paixões incontroláveis, mas não dá valor a ninguém’”, detalha a cantora. “Gessy era baiana também, e muita gente confundia, achava que era eu”, recorda-se. “Não tive absolutamente nada com ele, apesar de Vinicius ser uma pessoa cativante”. Na época, Creuza era casada com o compositor Antonio Carlos, da dupla Antonio Carlos & Jocafi. O relacionamento durou quase duas décadas e gerou três filhos.
Aplausos
No começo dos anos 1970, as apresentações sempre cheias na boate La Fusa, em Buenos Aires, acabaram rendendo um disco ao vivo, gravado por Creuza, Vinicius e Toquinho. A cantora se recorda que parte do trabalho, que acabou conhecido mundialmente, foi finalizada em estúdio. Quando saiu no Brasil, em 1972, o álbum recebeu o nome de Eu sei que vou te amar, e trazia Creuza como protagonista, em foto grande na capa. O nomes dos dois outros, menores, apareciam embaixo do dela.
A amizade com a dupla rendeu boas histórias. Certa vez, em Punta del Este, no Uruguai, como era de costume, Vinicius ficou sentado em uma mesa no palco, tomando seu “uisquinho”. Às vezes, levantava-se para agradecer os aplausos e abraçar os afilhados artísticos. Segundo Creuza, o Poetinha não era muito dado a usar roupas de baixo. Nesse dia, ele havia desabotoado a calça, um pouco apertada, e ergueu-se bruscamente. A trupe só percebeu quando as calças já alcançavam o chão. “Não chegaram a ver tudo, mas quase”, diverte-se Creuza.
Em outra ocasião, dessa vez em Paris, Creuza ficou tão emocionada que esqueceu a letra da música. Ela era novata e dividia o palco, também, com Baden Powell. A canção era Samba da bênção. “Eu não sabia o que fazer, e acabei inventando qualquer coisa”, conta. Ao final, Vinicius olhou para ela, com aquela cara, e soltou, ironicamente: “Quero apresentar para vocês a minha ‘parceirinha’, Maria Creuza”. É de Paris, também, o manuscrito de Vinicius que a cantora entregou ao Correio, detalhando o itinerário de apresentações dos dois com Toquinho na Cidade Luz.
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