Por Leonardo Davino*
terça-feira, 27 de outubro de 2020
LENDO A CANÇÃO
Brasil pandeiro
É uma pena que nenhum dos componentes do Novos Baianos tenha dado continuidade ao som (a mistura de instrumentos e a pesquisa de ritmos) que o grupo lançou. Solo, cada um seguiu (ou abriu) trilhas sonoras diferentes. Mas isso, afinal, só adensa a força dos discos da turma.
Reza a lenda que foi de João Gilberto e ideia de o Novos Baianos relançarem "Brasil pandeiro", samba de 1941, de Assis Valente. O samba que canta o Brasil como a vértice e o motor da energia dançante do mundo abre o segundo disco do grupo: Acabou Chorare (1972).
O disco até hoje é fonte de pesquisa e de inspiração, para músicos e cantores. As referências a certa musicalidade mais declaradamente nacional e tropical - sem pecado e sem juízo porque abaixo do Equador - são as marcas do disco.
"Brasil pandeiro" auxilia o projeto do Novos Baianos no desejo de louvar as misturas brasileiras e de mostrar como tais misturas simbolizam e significam o país. "Brasil pandeiro", finda sendo uma resposta carnavalizada ao olhar exótico de tio Sam sobre nós: se ele dá as regras econômicas, nós damos o motivo da alegria. E o samba (dessa gente bronzeada) é a melhor resposta da nossa identidade cordial: nosso valor.
Se na década de 1940 o samba despertou o interesse dos norte-americanos através de Carmen Miranda (que recusou gravar "Brasil pandeiro"), o Novos baianos mostra que o encanto do estrangeiro sobre nosso estranho jeito de ser e viver continua.
Os arranjos de craviola de Pepeu Gomes, os vocais de Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor e Moraes Moreira dão ao samba de Assis Valente sofisticação e atitude exatas para apresentar um povo que pede ajuda à padroeira, prova do molho da baiana, se deixa iluminar pelos terreiros e faz batucada.
***
Brasil pandeiro
(Assis Valente)
Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor
Eu fui na Penha, fui pedir à Padroeira para me ajudar
Salve o Morro do Vintém, pendura a saia eu quero ver
Eu quero ver o tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar
O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada
Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato
Vai entrar no cuzcuz, acarajé e abará.
Na Casa Branca já dançou a batucada de ioiô, iaiá
Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar
Há quem sambe diferente noutras terras, noutra gente
Num batuque de matar
Batucada, reunir nossos valores
Pastorinhas e cantores
Expressão que não tem par, ó meu Brasil
Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar
Ô, ô, sambar, iêiê, sambar...
Queremos sambar, ioiô, queremos sambar, iaiá
* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".
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