Cantor falou ao Estado de Minas, para edição comemorativa dos 50 anos do clássico Travessia
Por Ana Clara Brant
(foto: Instituto Antonio Carlos Jobim/Acervo Milton Nascimento/ Clovis )
Quando você escuta a palavra Travessia, o que vem à cabeça?
É impossível pensar em Travessia sem a presença do meu amigo. Cada vez que me deparo com Travessia, estou, na verdade, diante do próprio Fernando.
Passados 50 anos, qual é a importância de Travessia para a sua carreira e a de Fernando Brant?
Travessia significou muita coisa pra gente. Através dela, Fernando e eu abrimos um punhado de portas que acabaram definindo nossas vidas. O Wayne Shorter (saxofonista e compositor norte-americano), por exemplo, costuma dizer que a nossa música constrói pontes, pontes de amizade, paz e união por onde ela passa.
Com surgiu o nome da canção? É verdade que ela se chamaria Vendedor de sonhos?
A história de Travessia é das mais emocionantes pra mim e tem um capítulo bastante longo. Como já contei isso milhões de vezes nesses últimos 50 anos, às vezes nem sei por onde começar... Mas me lembro de que quando Fernando estava com a folha de papel com Travessia pronta, naquela mesa de bar em BH, tinha alguma coisa indicando que o nome era Vendedor de sonhos, uma frase ou algo assim. Mas aconteceu de Fernando pegar um livro de Guimarães Rosa e ver a palavra lá, travessia, no Grande sertão: veredas. Daí foi inevitável; tinha que ser Travessia. Fernando e eu voltamos ao tema em 1987, escrevemos uma música e colocamos o nome de Vendedor de sonhos, que foi gravada no disco Yauaretê, com a participação de Paul Simon e do Herbie Hancock.
O que ocorreu nos bastidores do Festival Internacional da Canção (FIC) em 1967? Alguma coisa ali te marcou?
Tem uma história que talvez pouca gente conheça. Poucos dias antes do festival no Maracanãzinho, eu estava num hotel quando chegou Fernando. Ele estava bem preocupado, porque Travessia tinha chamado tanta atenção que os jornalistas não paravam de lhe perguntar sobre as outras músicas de Fernando Brant. Então, ele me sugeriu que fizéssemos outra canção, pelo menos pra fazer número (risos). Foi assim que surgiu Outubro; nasceu praticamente nos bastidores do festival de 67.
Qual foi a importância de Agostinho dos Santos nessa história?
Se não fosse pelo Agostinho dos Santos, não teria tido festival nenhum. Ele já tinha me falado pra fazer a inscrição no festival em 1967, mas nem dei chance de continuar o papo. Depois de 1966, prometi não participar de mais nenhum festival. Aquele clima de competição não me agradava em nada. Um mês depois, o Agostinho apareceu, falando que tinha arrumado produtor para gravar um disco dele. E que minhas músicas iam entrar no repertório, mas pra isso eu teria que gravar as guias num estúdio do amigo dele. E fui lá pensando assim: “Pô, vou gravar três músicas e os caras vão acabar escolhendo só uma no final”. Até que, uma semana depois, encontrei a Elis (Regina) na porta da Record: “Eu sabia! Você classificou três músicas no festival!” Quase morri quando ela disse isso, ainda mais com a hipótese de existir outro Milton Nascimento. Foi então que escutei a gargalhada do Agostinho, bem atrás de mim. Daí entendi tudo. Ele tinha inscrito três músicas minhas no FIC 67, e as três tinham entrado.
Você ficou frustrado por não vencer o FIC em 1967?
Olha, ganhei tanta coisa nesse festival, que nunca pensei nisso.
Muitos especialistas afirmam que ninguém supera a sua interpretação de Travessia. Nem mesmo você (risos)...
Acho que sou a pior pessoa pra falar disso, ainda mais sobre minha própria música.
Travessia é um marco na música mineira e brasileira...
Taí outra coisa que prefiro que os fãs, críticos e especialistas opinem. Falar da gente assim é muito difícil.
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