Por Leonardo Fernandes
Ney Matogrosso estava à paisana.Para os que têm impressa na memória a figura extravagante que o artista costuma apresentar nos palcos, o senhor vestido de forma sóbria (camisa xadrez de botão e jeans preto) passou quase incólume em sua visita à praça da República, no domingo de manhã.
“Onde posso encontrar músicas iguais a essa para vender?”, perguntava ele ao condutor de uma “bicicleta de som” que fazia a propaganda de um candidato a deputado federal embalada pelo tecnobrega.
Ney, que havia se apresentado em Belém na noite anterior, resolveu conhecer um pouco mais do som ensurdecedor que chegava ao quarto do hotel em que estava hospedado, ali em frente à praça que aos domingos fica abarrotada de vendedores ambulantes.
O encontro com a reportagem do DIÁRIO foi casual, e logo veio o convite. “Se eu não estiver atrapalhando, vocês poderiam vir comigo para me dar umas dicas?”, convidou o cantor. Se daria para acompanhar um dos medalhões da música brasileira a comprar CDs piratas de brega? É claro que seria um prazer.
Saímos então com uma lista de bregueiros em busca do camelô amigo mais próximo. “Mas brega não é um termo depreciativo?”, indaga Ney, ao vasculhar a pilha de CDs de artistas locais oferecidos na barraquinha entulhada de produtos contrabandeados: DVDs, brinquedos, pilhas, extensão de computador. “Já me chamou a atenção. É uma das poucas músicas originais a surgir ultimamente”, diz. “Quando eu vim a Belém pela primeira vez, me encantei pela música popular daqui. Ouvi um grupo folclórico tocando uns tambores de madeira enorme e queria botar isso no meu som”. A resposta da gravadora: “Tá louco? Como a gente vai trazer esses trambolhos de madeira para o estúdio?”.
Mas nada disso é surpresa. Desde que a p a r e c e u como vocalista da banda Secos & Molhados, fenômeno dos anos 1970, a ousadia sempre foi a marca de Ney Matogrosso. Muito antes do recente culto a Odair José, por exemplo, ele gravou a música “Uma canção de Amor” do cantor brega.
“Nunca tive problema de cantar música popular. Nos Secos cantávamos forró, baião”, relembra. “Existe um preconceito arraigado na música brasileira. Sempre houve essa distinção entre o popular e o intelectualizado, o que é uma besteira. Não acredito nem que existe música boa ou ruim, só gosto. Ou você gosta, ou não. E eu só toco o que me dá na telha”.
Então uma capa de CD surge na interminável pilha de discos e lhe chama a atenção. “O que é brega marcante?”, questiona Ney ao camelô. “O brega tem várias fases: a era das cavernas, o não tão antigo e os tempos de agora. ‘Brega marcante’ existe há alguns anos. Não é saudade. É aquela primeira fase do tecnobrega”, teoriza o camelô.
“Ei, tu não és o Ney Matogrosso?”, alguém se aproxima, interrompendo nossa classe introdutória ao ritmo apócrifo paraense. Algumas poses para fotos e autógrafos depois, Ney finalmente é reconhecido pelo vendedor de rua. “Aqui não tem o seu disco pirata, não, viu, Ney? Se achar, pode chamar a polícia”, diz o ambulante.
“O pirata não me incomoda”, responde ele, bem humorado. Ney confessa que já se incomodou muito com a pirataria, pois se sentia duplamente atingido, primeiro como cantor e segundo como produtor da gravadora EMI-Odeon, trabalho que desempenha até hoje.
“As gravadoras perderam a guerra. Poderiam ter revertido essa realidade barateando o produto, mas agora não há mais como competir com algo que é oferecido quase de graça nas ruas. Eu continuo lançando CD porque gosto de oferecer um produto diferenciado. Mas sempre centrei a minha carreira em fazer shows, muitos shows. Tanto que quando a pirataria ameaçou a venda de CDs, isso não foi o fim do mundo pra mim”.
O cara que nunca teve medo de se firmar em tempos muito mais conservadores como um personagem rebolativo e irreverente, que já provocava até nos títulos dos discos - “Bandido”, “Pecado”, “Seu Tipo”, sem falar nas fotos, como a dele totalmente nu no LP “Feitiço” (1978) -, diz que até hoje bate de frente contra o lugar-comum criado em torno de sua imagem.
“Minha relação com o público não é mais centrada na sexualidade. Era bom quando eu tinha 30 aninhos e um corpinho maravilhoso. Não dá mais para pintar a cara e ficar requebrando sem camisa hoje em dia. Quero arriscar. No meu novo disco me assumi romântico, cantei até Roberto Carlos”, diz Ney, carregando em uma sacolinha de plástico dezenas de CDs piratas do Super Pop, Rubi e Pop Saudade.
Pergunto se ele estaria preparado para se assumir cantor de brega. “Até disso. Não estou nem aí”.
NO CINEMA
Os fãs de Ney Matogrosso podem aguardar a estreia do cantor nos cinemas. Ney é o protagonista de “Luz nas Trevas – Revolta de Luz Vermelha”, filmado a partir do roteiro de Rogério Sganzerla, que vai estrear ainda este ano.
1 comentários:
Ei Bruno! Adorei essa conversa com Ney. Amo esse cantor! Já assisti a muitos shows dele por aqui e realmente ele é impagável no palco. Ele é demais mesmo.
Bjs
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