O multiartista paulista vem nos apresentando "Sem descanso" um trabalho coeso e equilibradamente dividido entre compositores contemporâneos e regravações pouco conhecidas do nosso cancioneiro popular. E hoje, data de seu aniversário, quem ganha o presente somos nós e o nosso público leitor com essa entrevista exclusiva.
Por Bruno Negromonte
O público de São Paulo bem conhece o trabalho de André Mastro, prove disto é a colocação do artista no ranking entre as pautas mais acessadas ao longo do último mês com a matéria SEM DESCANSO, ANDRÉ MASTRO MOSTRA TODA HOMOGENEIDADE DA MÚSICA POPULAR EM SEU ÁLBUM DE ESTREIA (http://musicariabrasil.blogspot.com/2011/07/sem-descanso-andre-mastro-mostra-toda.html), principalmente pelo público paulista. O sempre solícito André Mastro nos disponibilizou um pouco do seu corrido tempo para nos presentear com esta entrevista exclusiva. Dentre os assuntos abordados o artista fala um pouco sobre sua trajetória artística, as agruras existentes em dar seguimento a uma carreira de maneira independente e no espetáculo o qual vem apresentando o seu mais recente álbum intitulado "Sem descanso"; além de nos revelar o projeto que anseia em gravar um álbum cujo repertório seja focado apenas nas canções de uma das grandes cantora e compositora de nossa MPB.
Além de tudo isso nosso entrevistado ainda relata um pouco sobre um fato interessante ocorrido em sua infância: André, por volta dos cinco anos, ganha um caixa de compactos musicais que o marcou e acabou estruturando a sua formação musical quando mais tarde. Confiram na íntegra a nossa conversa:
Um fato interessante em sua infância aconteceu quando você ganhou uma caixa repleta de compactos. Como se deu esse episódio? Causou algum tipo de impacto que hoje é perceptível no cantor André Mastro?
André Mastro - Impactou, sim. Nesta caixa, que ganhei de uma prima de mais idade, no início dos anos 70, havia quase uma centena de compactos simples - os mini-vinis da época. Acho que foi a primeira vez que tomei contato com uma verdadeira miscelânea de gêneros musicais. Ouvi Águas de Março pela primeira vez, aí. E Beatles, Chico Buarque, Os Vips, Renato e Seus Blue Caps, Caetano, Agnaldo Timóteo, Carlos Lyra.
Isso ajudou a estruturar minha formação, já que eu devia ter acho que cinco anos, na época. Só depois é que fui perceber que a música passou a ser um dos itens mais importantes da minha personalidade, a partir deste episódio.
Acho que também este episódio ajudou-me a não ter barreiras musicais. Nunca tive a percepção, a meu ver equivocada, de que determinado tipo de música é menor. Dessa doença não morro. Também longe de mim achar que "música é música e todos os gêneros são iguais". Não são iguais. Acho temeroso este tipo de afirmação. Dá margem para que muita desinformação seja dita. Acho que há vários tipos de música, infinitas nas suas diferenças. E TODAS tem que ser respeitadas. Ninguém é obrigado a consumir todas, ninguém tem que aceitar nada. Mas todo mundo é obrigado a respeitar.
Acho que tenho essas opiniões muito por não ter conhecimento técnico em música, né? Não sou um "literato" musical e não me importo com isso. A música me chega pelo coração, ouço com o coração, ela chega e começa a residir ali. Claro que tenho um ouvido regular, não gosto de bobagem. Mas quem decide o que é bobagem é meu coração.
Esse acontecimento referente aos discos ganhos foi algo que de alguma forma impulsionou o seu desejo de criança em ser artista quando adulto ou essa predileção pelo mundo artístico só veio já quando adolescente?
AM - Não foi ali que começou. Eu nem sabia que existia essa profissão. Aliás, talvez não exista até hoje....
Tão pouco o estopim acendeu na adolescência. Quando cheguei à adolescência, a loucura já havia se instalado em mim...
Fui tomado pelo desejo de ser cantor acho que em 1973 ou 74, quando assisti, no programa Os Trapalhões (Rede Tupi), a uma apresentação da cantora Perla, paraguaia. Era um video clip da época. E fui tomado pela figura e pela voz daquela pessoa. Aquele timbre, aqueles vibratos, aquela passionalidade.
Quando vi, queria ser "aquilo" que eu estava vendo: cantar.
Claro que estamos falando de início dos anos 70, uma criança numa cidadezinha do interior de SP: eu mal sabia o que pensava, mal sabia o tamanho da (maravilhosa) encrenca que me aguardava.
Antes de cantar você formou-se em uma escola de teatro, passou por alguns cursos de música e também produziu (e continua a produzir diversos espetáculos no estado de São Paulo). Todo esse seu envolvimento com a arte (desde o palco, passando pela coxia, produção e burocracia) deu o suporte necessário quando você decidiu que seria a hora de lançar esse primeiro álbum ou acabou de certa forma atrapalhando por você achar que ter tanto conhecimento acaba o obrigando a ter uma excelência na qualidade do resultado final?
AM - Claro que ajuda, sempre ajuda. E, inclusive, me ensina o comportamento que não devo ter, quais as atitudes que não devo tomar dentro e fora do palco.
E a excelência que você cita, eu realmente não busco no meu trabalho de cantor. Canto o que me sinto seguro e o que me segura. Sou um cantor popular, nunca tive pretensões hollywoodianas. Amo meu cd e meu show, amo os músicos que me acompanham e para mim é muito claro que, eles sim, são excelentes. Eu só pretendo cantar da melhor maneira que puder, apresentar-me da maneira mais digna possível. Não canto bobagem, letra que traga informação perigosa, música que não me toque, enfim.
Quando percebi que a seriedade e a simplicidade podem andar juntas, foi tudo mais fácil.
O teatro me deu uma noção cênica. Acho importantíssimo, pois estou em pé no palco, tenho que ter noção do meu chão e do meu vôo.
Houve uma reviravolta na escolha do repertório devido aos altos custos e toda a burocracia referentes a direitos autorais como foi relatado por você em uma de suas recentes entrevistas sobre o lançamento do álbum. Como se deu a escolha das regravações nesse segundo momento?
AM - Os cds me foram chegando. Eram todos independentes e desconhecidos do grande público. São cds guerreiros, batalhadores, como o meu.
Algumas músicas me chegaram separadamente, como a faixa-título Sem Descanso. Chegaram três músicas do Guca, o filho dele, Deni, trouxe para eu conhecer. Com todo respeito ao Guca, mas nem lembro das outras. Fui tomado, com violência, pela força de Sem Descanso, que também é de Irineu de Palmira.
E que critério foi utilizado para a escolha das canções inéditas?
No álbum “Sem descanso” dentre os gêneros presentes você faz o resgate de um dos sub-gêneros mais bem humorados e cativantes que o samba possui, que é o samba-de-breque. De onde vem essa sua predileção por esse sub-gênero?
AM - Não tenho essa predileção. Apenas percebi que alguns gêneros combinam com minha voz, meu timbre. E aí o teatro pode ter ajudado também: trato a música como texto de uma peça teatral. Procuro entender e, em alguns casos, cantar a música como se contasse uma história. O samba de breque é uma excelência nestes casos: são cênicos, um prato cheio para intérpretes como eu.
E o público adora, ri, se diverte, comenta. Preciso dos "respiros" que este tipo de música dão ao roteiro do show, senão seria um suicídio coletivo, na plateia. Talvez no palco também... Porque sangrar cantando As Rosas Não Falam e Marinheira, não é pra qualquer bico.
Mesmo com um certo conhecimento no mundo artístico-cultural você forçosamente tornou-se mecenas do seu próprio projeto (ou patrocinador de si mesmo como você costuma enfatizar). Como foi essa nova experiência e qual foi a maior dificuldade encontrada?
AM - A dificuldade maior, pra quem não nasceu em berço de ouro como eu, é a financeira, né?
Mas eu contei muito com o companheirismo de todos os que participaram do cd, é preciso salientar. Desde meu engenheiro de som, Adonias Jr., aos meus arranjadores Zeca Loureiro e Deni Domenico, fui muito feliz na campainha destas pessoas. Alguns momentos das gravações estão "na parede da memória", para além das encarnações.
Um dos projetos que você tem em mente é a gravação de um álbum composto apenas com as canções da Fátima Guedes. Por que esse projeto não se concretizou no período do espetáculo “Mais uma Boca” e não acabou tornando-se seu álbum de estreia?
AM - Tenho certeza que este será minha próxima empreitada. Fatima Guedes é uma deusa pra mim, uma lady, uma diva no melhor sentido que estas palavras possam ter. Além de cantora ímpar, compositora absolutamente inigualável neste país, é uma candura de pessoa. Fofa completa.
Eu tenho tesão enorme em cantar aquelas coisas femininas que ela escreve. Minha voz grave, velada, cantando aqueles arroubos de paixão, de fossa, de felicidade... Delírio completo! Ela tem um monte de "Ne Me Quitte Pas" na sua obra, eu deito e rolo.
Não gravei quando fiz o show porque lá se vão dez, quinze, sei lá quantos anos. "Esperei o tempo certo....".
Além de você ter participado do coral USP sob regência da maestrina Vera Novack você teve dentre suas professoras de canto nomes como Ná Ozzétti e Cida Moreira. Todo esse “know-how” teórico o que é possível observar-se no espetáculo “Sem descanso” na prática?
AM - Com certeza sim. Não sei identificar completamente, mas tudo isso está na emissão da voz, na respiração, na transpiração, em comunicar com a maior clareza possível o que pretendo dizer.
Há também algo que seja perceptível do seu lado cênico no show “Sem descanso”?
AM - Não sei dizer. Tento apresentar-me elegante e verdadeiro. Tento ter a postura que eu gostaria que um intérprete tivesse se eu estivesse na plateia.
Procuro fazer com que a cenicidade me ajude na técnica, que eu desafine o menos possível, que eu não me perca nas letras, não perca minha concentração.
Fica aqui o espaço para as suas considerações finais...
AM - Bruno, que legal que meu trabalho chegou até você, em Olinda. Chegam-me retornos de São Luis, de Maceió, de Belo Horizonte etc. Uma pessoa entrou em contato dizendo que comprou meu cd no centro de SP. Esses fatos, aparentemente pequenos, eu acho uma loucura, não consigo descrever como me felicitam. Em breve eu postarei no youtube o vídeo de uma entrevista para a Rádio Gazeta-SP, com um pocket show. Aviso para você para que os seguidores do blog saibam.
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