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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

CESTA DE CRÔNICAS E OUTRAS ESSÊNCIAS

Por Xico Bizerra







AQUI PR’OCÊS, Ó!

O projeto estava pronto, com a genialidade do arquiteto que fez o painel desenhado que se debruça ao longo do espaço externo do restaurante, dividindo o ambiente refrigerado daquele outro, ao ar livre. Uma mureta de vidro, encabeçada por pequena jardineira, era tudo o que queríamos. E tivemos. Transparência visual. Tudo feito com o cuidado de possibilitar aos frequentadores o aproveitamento integral das paisagens andantes que por ali trafegavam, indo ou vindo para a praia bem próxima. Tivesse Vinícius passado por ali, teria que pluralizar e alterar o título de sua música Garota de Ipanema, transformando-a em Garotas do Pina, tantas eram as belezas que por ali trafegavam. Mas uma maldita loja de construção pôs em promoção um tal de porcelanato. Pior: a mulher do dono do restaurante encantou-se com as vantagens oferecidas e, ao invés do transparente muro de vidro, afixou ali uma detestável parede, uma mureta de 60 centímetros, de cimento e revestido pelo tal do porcelanato, impedindo a contemplação integral, de nossa parte, daquelas que por ali passavam. Ficamos limitados à parcialidade visual que o ambiente passou a oferecer, permitindo-nos, apenas, o vislumbre da parte acima da cintura daquelas ‘praieiras’. E o ‘andar térreo’? Seria compatível com a beleza apurada na ‘sobre-loja’? Nunca saberemos, submetidos que estamos a esta tortura visual, dúvida atroz. Tanto me revoltei que deixei de frequentar o tal restaurante e, sempre que por lá passo, não resisto e, conjugado com o gesto característico, grito aos quatro cantos: aqui PRA VOCÊS, Ó! Pena que o caldinho de peixe que eles serviam era tão bom!

RECIFE RECEBE FESTIVAL DE FREVOS TERRÍVEIS NO ESQUENTA PARA O CARNAVAL 2020

Por José Teles


Comissão julgadora do festival, Mery,  Júlio César, Rafael Marques e Juliano Holanda / Foto: Divulgação

A fim de escutar frevos terríveis às vésperas de Carnaval 2020? Dirija-se hoje ao Terra Café (Rua Bispo Cardoso Ayres, 467, na Boa Vista). Lá acontece, a partir das 20h, a finalíssima do I Festival de Frevos Terríveis, idealizado por Mery Lemos, uma realização da Anilina Produções em parceria com Rafael Marques e a Orquestra Malassombro, que fará uma apresentação especial. “A ideia é uma ideia minha, há anos que quero fazer, é resposta não direcionada especificamente ao festival de frevo da Prefeitura, mas uma vontade de fazer um contrafluxo das coisas. Todo mundo reclama que não tem espaço não nada, mas não vejo muita gente se mexendo, a ideia é de provocar, instigar as pessoas criarem frevos. Só o fato de 25 pessoas pararem em casa e compor um frevo, mas trazer pra este lado mais irreverente, sem ficar só naquela coisa poética do carnaval, que é lindo e maravilhoso mas a ideia seria isto”, comenta Mery.

A comissão que escolheu os frevos terríveis foi formada por Rafael Marques, Juliano Holanda, Mery Lemos, e Julio César. A Comissão que julgará os cinco frevos mais terríveis foi escalada com Amaro Freitas, Silvério Pessoa, Naara Santos, Carmem Lelis e Zé Teles. Os 25 frevos inscritos seguiram os critérios elaborado pela organização, que só aceitou frevos de bloco e canção. Não foram aceitos frevos com letra contendo temas homofóbicos, machistas, misóginos ou preconceituosos em geral.

Todos os arranjos foram criados por Rafael Marques, e as músicas serão executadas pelas Orquestra Malassombro. São os seguintes os frevos classificados para a finalíssima: Bloco Paia, de Adalberto e Chico Limeira, Bomba d'água com xixi, de Cristiano Bastos, É pra se lascar, de Linda Nogueira, Piratas do mar, de Romildo Barreto, e Etezinha, de HVB.


GALETO

Só haverá prêmio para o primeiro colocado, que será entregue assim que o o resultado for divulgado. O vencedor ganhará um galeto, que poderá ser levado para ser devorado em casa, ou dividido fraternalmente com os demais concorrente. A entrada para assistir ao I Festival de Frevos Terríveis custa R$ 20.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

GRAMOPHONE DO HORTÊNCIO

Por Luciano Hortêncio*





Canção: Ciúme e nada mais

Composição: Alberto Maia - Raul Marques 

Intérprete - Jorge Veiga

Disco - Continental 15.840-B - 12.1947



* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 10.000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

GARGALHADAS SONORAS

Por Fábio Cabral (Ou Fabio Passadisco, se preferir)

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"Na casa casa do seu avô tinha um igual a esse... No tempo do ronconcom".
A moça não estava falando pra filha sobre um vitrola, um taxímetro... E sim sobre um aparelho de tocar CDs.

MARIA BETHÂNIA LANÇA DISCO EM QUE CELEBRA A ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA

Por Irlam Rocha Lima 


(foto: Instagram/Reprodução )A relação de Maria Bethânia com a Mangueira é antiga. Ela já vestia as cores da Estação Primeira quando, em 1994, desfilou pela Marquês de Sapucaí com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, embalada pelo enredo Atrás da Verde e Rosa só não vai quem já morreu, que levou a escola a conquistar o título de campeã.

Vinte e cinco anos depois, a Mangueira fez mais pela Abelha Rainha, ao reverenciá-la com o samba-enredo Maria Bethânia, A Menina dos Olhos de Oyá, composto por Alemão do Cavaco, Almyr, Cadu, Lacyr D’Mangueira, Paulinho Bandolim e Renan Brandão. Outra vez, a sintonia entre a cantora e a escola foi total e determinante para a obtenção de mais um campeonato.

Há algum tempo, antes do carnaval, a Mangueira promove um show para arrecadar recursos destinados ao desfile e, desde sempre, Bethânia é uma das atrações, dividindo o palco do Vivo Rio — casa de espetáculos ao lado do Museu de Arte Moderna, no Aterro do Flamengo — , com Chico Buarque, Alcione e outros destacados mangueirenses.

Bem, agora chegou a vez de a cantora retribuir, numa escala maior, todo o carinho que a escola lhe tem dispensado, ao lançar pelo selo Quitanda, que mantém dentro da gravadora Biscoito Fino, o álbum A Menina dos Meus Olhos. As gravações foram em Salvador e no Rio de Janeiro, com direção musical do maestro Letieres Leite, criador da Orkestra Rumpilezz. Ele também exerce essa função no show Claros breus com o qual a estrela está em turnê pelo país.


Santo Amaro

“Quando fiz o disco, para agradecer à Mangueira, a homenagem que me prestou e à vitória que conquistamos juntos, pensei em trazer aquele som de Santo Amaro. Queria fazer uma coisa que fosse samba do Rio de Janeiro, o samba da Mangueira, com seu estilo, sua sofisticação, mas que trouxesse toda a memória musical de Santo Amaro, infantil, comovida da minha infância”, explica Bethânia. “Então, convidei o Letieres Leite, que é baiano, mas que é um músico do mundo”, acrescenta.

Ao reverenciar sua escola e trazer para o disco a sonoridade do ritmo característica de Santo Amaro da Purificação — o samba de roda — para esse disco, Bethânia corrobora com o irmão Caetano Veloso que no show e no álbum Prenda Minha, de 1997, cantou “Mangueira é onde o Rio é mais baiano”. Tudo a ver.

Não por acaso, Caetano, também um mangueirense apaixonado, interpreta (com o filho Moreno) uma das faixas do CD, Maria Bethânia, A Menina dos olhos de Oyá (Nelson Sargento, Gustavo Lousada, Agenor de Oliveira e André Karta Marcada), um dos concorrentes no concurso de samba-enredo da escola. Outro que também participou da disputa é cantado por Tantinho — um dos autores.

Sabe-se que é regra no âmbito das escolas de samba esquecer, deixar de lado os sambas-enredo que perdem a disputa interna. No caso da escolha desses para o repertório de A Menina dos Meus Olhos, a cantora justifica. “Trinta e sete sambas concorreram em 2016, algo que não acontecia havia muito tempo na Mangueira. Queria que pelo menos dois que não se classificaram no disco.”

Nessa ode à Verde Rosa, Bethânia solta a voz — e que voz! — em Mangueira, do santo-amarense Assis Valente e Zequinha Reis e Mangueira é lá no céu (Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho). O samba que deu o título à escola, transformou-se numa vinheta na última faixa, pois certamente com pejo, fugiu da autoexaltação.

Em compensação, a intérprete se coloca por inteiro ao recriar magistralmente os clássicos sambas-canção A Flor e o espinho e Luz negra, do mangueirense Nelson Sargento. Já Sei lá Mangueira (Paulinho da Vila e Hermínio Belo de Carvalho), assim como trecho do aclamado Histórias pra ninar gente grande, que levou a escola ao título neste ano.

Diretor de Fevereiros, documentário que mostra a construção do carnaval da Mangueira em homenagem a Maria Bethânia e também o ambiente familiar e religioso da cantora em Santo Amaro — fonte de inspiração do enredo — o cineasta Márcio Debellian define: “A Menina dos meus olhos é a continuação desta história, amor retribuído. A Bahia e o Rio entrelaçados na voz de Bethânia e nos arranjos primorosos de Letieres Leite”.


Claros breus

De férias em Salvador, Maria Bethânia interrompeu a turnê do Claros breus, show que apresentou inicialmente em julho, no Clube Manouche, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro para plateias de 100 pessoas,com casa sempre abarrotada. No começo de agosto estreou em grandes espaços na Unimed Hall Credicard Hall, em São Paulo. Em setembro levou o espetáculo a Portugal , e subiu ao palco do Coliseu, em Lisboa e Porto. Em novembro retomou a turnê e e passou por Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Rio de Janeiro, e encerrou a temporada de 2019, no dia 8 de dezembro, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*





Alegria, alegria

Foi com "Alegria, alegria" (guardada no disco Caetano Veloso, 1967) que Caetano Veloso começou a enfrentar os riscos de questionar os preconceitos do público dos Festivais da canção.
Caetano (no livro Verdade Tropical) escreve que o uso de “coca-cola” na canção foi “inaugural” e “marca histórica”, porém, o historiador Paulo Cesar de Araújo (no livro Eu não sou cachorro não) argumenta que já em 1961 Baby Santiago compôs o rock “Adivinhão”, com os versos: “À noite ela falta à aula / pra ficar comigo e tomar Coca-cola”.
De todo modo, "Alegria, alegria" inaugura possibilidades e abre perspectivas impenssáveis até então.
"Alegria, alegria", para além da citação direta do existencialismo de Jean-Paul Sartre (quando este diz, no livro As palavras, que o que ele (Sartre) ama em sua loucura é que ela sempre o protegeu contra as seduções da elite: “nunca me julguei feliz proprietário de um talento: minha única preocupação era salvar-me – nada nas mãos, nada nos bolsos – pelo trabalho e pela fé”); e da retomada paródica do samba "Alegria" (1938), de Assis Valente e Durval Maia, imprime uma alegria consciente e um gosto pelo gostar que persevera, afirmativamente, diante da vida fazendo o sujeito “seguir vivendo amor”.
Com o verbo "ir" sempre incultando ação e movimento, contra o vento, o sujeito da canção se opõe, por exemplo, à canção "Pra não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré, quando esta diz: "Caminhando e cantando / E seguindo a canção".
Ao contrário, o sujeito de "Alegria, alegria" não segue a canção, "vai": complexifica e reverte o sistema - cria um canto para si, compõe sua história efetiva, singular. E estilhaça a competência receptiva do ouvinte "bem comportado", gerando o desconforto que impulssiona o outro a "ir junto".
Ao invés de "amores na mente", o sujeito "tem o peito cheio de amores vãos". Por que não? Caminhar ao abstrato é ser universal: desejo íntimo do sujeito, que narra seu caminhar, sua relação ilícita com o mundo.
Assim, ele, consolado pela canção que compõe para si, e que pensa em cantar na televisão, ou seja, dar de presente às massas, fica mais distante da morte, a cada nova imagem anexada ao canto; a cada nova especulação do perigo: afirmação do risco, de viver.


***

Alegria, alegria (Caetano Veloso)

Caminhando contra o vento
Sem lenço sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou

O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em Cardinales bonitas
Eu vou

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes pernas bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot

O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia?
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou

Por que não? Por que não?

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço sem documento
Eu vou

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome sem telefone
No coração do Brasil

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou

Sem lenço sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo amor
Eu vou









* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

GONZAGA LEAL - ENTREVISTA EXCLUSIVA

Garbo e precisão talvez sejam as palavras de ordem nos projetos que este artista abraça,  seja em disco ou em shows. Atualmente, Gonzaga Leal vem apresentando nos palcos do Brasil dois espetáculos distintos e acaba de lançar em disco mais um tributo para ser somada à sua discografia: "Olhando o céu, viu uma estrela", uma homenagem a Dalva de Oliveira

Por Bruno Negromonte





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É impossível falar da música pernambucana dos últimos quarenta anos sem, em dado momento, citar o nome de Gonzaga Leal. Nascido em Serra Talhada, cidade localizada a mais de 400 quilômetros da capital pernambucana, Leal tornou-se um dos nomes mais relevantes da música de Pernambuco nos últimos anos a partir de uma história que vem sendo construída desde os anos de 1970 ao dividir momentos musicais com alguns relevantes nomes do cenário musical não apenas pernambucano como também nacional como foi possível conferir a partir da recente matéria "EM TEMPOS DE EFEMERIDADE, "OLHANDO O CÉU, VIU UMA ESTRELA" É MEMÓRIA ARGUTA QUE REITERA A FORÇA DO ADJETIVO ATEMPORAL ", publicada aqui mesmo em nosso espaço. Com dez discos lançados, sendo o mais recente em homenagem a um dos nomes mais expressivos nomes do cancioneiro popular brasileiro do século XX, hoje o artista volta ao nosso canal para reiterar a sua paixão pela arte, abordar como se deu seus primeiros contatos com o trabalho de sua homenageada, e para nos contar como se dá a elaboração de seus projetos entre outras peculiaridades de uma carreira pontuada por detalhes positivamente peculiares. 


Gonzaga, são mais de quatro décadas de palco e música sem nunca ter aberto concessão para aquilo que você não acredita enquanto arte em um mercado cada vez mais heterogêneo (no sentido mais reles da palavra). Como é para você remar contra essa maré?

Gonzaga Leal - Na vida, quando fazemos escolhas e andamos enlaçados ao nosso desejo, o sentimento de remar contra a maré torna-se algo menor. Logo muito cedo, defini o tamanho do artista que eu quis ser e, com isso, o compromisso que eu tenho com a minha carreira, de conduzi-la para construir uma obra e não para buscar o sucesso, cujo compromisso é com o efêmero.


A linha do tempo de sua discografia já traz alguns tributos a exemplo dos projetos “Gonzaga Leal cantando Capiba... e sentirás o meu cuidado” e “Minha adoração - Um tributo a Nelson Ferreira” que aborda a obra de dois grandes compositores. Como você chegou a conclusão que era a hora de abordar dessa vez uma intérprete?

GL - Conduzo minha carreira apoiada em três paradigmas: o estético, o ético e o político. Uma das funções que abraço é a responsabilidade de estabelecer conexões e interfaces com a história da música brasileira e, portanto, com o tempo, esse senhor dos deuses.


Dentre as suas mais remotas reminiscências musicais onde Dalva de Oliveira está presente? Em que momento o canto de Dalva cruza o seu caminho?

GL - Logo muito cedo, no auge da minha infância, presenciava meu pai ouvindo os discos da Dalva e a minha mãe cantarolando seu repertório. É uma lembrança muito fértil, feliz e marcante. É nítido em meu imaginário ver minha mãe, enquanto arrumava a casa, cantando “Ave Maria do morro”.


A escolha na abordagem do repertório especificamente da Dalva se deu a partir de qual contexto?


GL - O repertório da Dalva é muito caudaloso e expressivo, portanto, estabelecer um recorte para o show e, consequentemente o disco, não foi das coisas mais fáceis. Assim, essa escolha recaiu sobre um recorte marcante na vida da Dalva de Oliveira e Herivelto Martins - os momentos de desassossego e desenlace que viveram em sua relação amorosa. Foram esses momentos que geraram um capítulo musical absolutamente belo e febril para a música brasileira.




Tem sido recorrente projetos seus ao lado de grandes damas da canção brasileira. Como se dão essas parcerias e como surgiu o convite para que a Áurea Martins participasse desse seu mais recente projeto?

GL - É verdade. Adoro trabalhar com cantoras que têm um passado na música brasileira. Foi assim com Alaíde costa e agora com a Áurea Martins, ambas queridas amigas e extraordinárias artistas.
O desejo de fazer um trabalho com a áurea já era de um tempo, desde a primeira vez que a vi cantando na loja Modern Sound, no Rio de Janeiro, quando, naquele dia, eu fazia uma tarde de autógrafos do meu disco “E o nosso mínimo é prazer...”. Era o ano de 2006.


Primazia define “Olhando o céu, viu uma estrela” a partir de vários aspectos. Aliás, seus projetos fonográficos e cênicos trazem por característica esse refinamento. Como se dá a concepção e materialização destas ideias?

GL - Conceber um trabalho artístico, com o mínimo de rigor, leva tempo, sofrimento, prazer e dor. São sentimentos inalienáveis ao artista. Criar implica em abordar camadas tantas e percorrer os mais diversos itinerários.
Sou um artista em primeiro lugar. O cantor e o intérprete chegam depois. Lembro-me agora do poeta, dramaturgo, ator e ensaísta francês, uma de minhas inspirações, Antonin Artaud: “O ser possui estados inumeráveis e cada vez mais perigosos”.


Seus projetos são sempre agregadores. Seja no palco ou em disco, você tem por característica abarcar distintos nomes, existem critérios para além da afinidade que define essas escolhas?

GL - Não exatamente. O artista que habita em mim, de mãos dadas com a minha intuição, me conduz. Sou muito respeitoso com a minha intuição e com os meus processos inconscientes, deixo-me levar por eles. Até então, não tenho do que queixar-me dessa minha postura diante do meu fazer artístico.


Olhando o céu, viu uma estrela” chega de modo atípico ao que geralmente é pré estabelecido. Primeiro veio o espetáculo e depois o disco quando o espetáculo já estava bem amadurecido no palco. Por que esse caminho inverso?

GL - Essa não é a primeira vez que isso me ocorre. “Olhando o céu, viu uma estrela” seguiu o mesmo itinerário que o CD “Porcelana”. Os shows vieram primeiro, a resposta e o desejo do público e, como se não bastasse, o aparecimento de um patrocinador para o CD, nesse caso, o Estúdio Muzak.
Somado a isso, a forma amorosa e intransigente do nosso diretor musical e arranjador Caca Barretto, que, junto com os músicos (Cláudio Moura, Maurício Cézar, Aristide Rosa, Alexandre Rodrigues, Rafael Marques, Tomás Melo, George Rocha Júlio César Mendes, Fabiano Menezes, Ítalos Sales, Renato Bandeira, Maestro Spok e Roque Neto), também amorosamente e identificados com o projeto, gravaram o CD.


Dalva se faz presente em homenagem, repertório e depoimento. Como se deu essa ideia de agregar aos números musicais textos e a voz da própria Dalva?

GL - Lendo a biografia da Dalva, pouco depois que se decidiu gravar o disco, tomei conhecimento de que ela, alguns poucos anos antes de falecer, deu um depoimento ao museu da imagem e do som, no Rio de Janeiro. Esse depoimento me foi disponibilizado por Paulo Henrique de Lima pereira, biógrafo de Dalva de Oliveira. Qual foi a minha surpresa, encontrei trechos do depoimento que dialogavam com o repertório do CD.
Dessa forma, a voz falada da Dalva se diz presente, comentando uma boa parte do repertório do disco, que tem um alcance um pouco além de um CD de reunião de canções.


Fugindo um pouquinho da abordagem do álbum “Olhando o céu, viu uma estrela”, você vem apresentando pelos palcos do Brasil o espetáculo “Concerto de assobios”, um show singelo o qual você aprofunda-se nas entranhas musicais de um Brasil muito peculiar. É um projeto a se pensar em um registro fonográfico também ou será algo restrito aos palcos? 

GL - Esse projeto tem me dado muito prazer. É um presente para qualquer artista adentrar ao universo poético de Manoel de Barros e cantar os temas serenados do brasil. Até que enfim ele ganhou vida e forma, pois, há muito tempo que ele era para acontecer. Mas, como não sou um artista com pressa, tinha a clareza de que o tempo dele ia chegar.
Ainda esse ano, voltaremos à Curitiba - onde estreamos na Caixa Cultural, mas dessa vez será no teatro paiol, com produção de Rodrigo Browne.
Quanto ao CD, temos disponível somente nas plataformas digitais com o nome “Concerto de assobios”, contendo boa parte do repertório do espetáculo.



Maiores Informações:
E-mail: leal-producoess@hotmail.com
Myspace: gonzagaleal2
Facebook: Gonzaga Leal
Twitter: @GonzagaLeal
Leal Produções Artísticas Ltda.
Rua Raul Lafayette, 191 - sala 403
Boa Viagem - Recife - PE
CEP: 51021-220
Fone/fax: (81) 3463.4635 e 98712.5110

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

CANTOR E COMPOSITOR TUNAI MORRE NO RIO

Autor de ‘Frisson’, ele era irmão de João Bosco e foi gravado por Elis, Fafá de Belém, Ney Matogrosso e Gal, entre outros. Aos 69 anos, foi achado morto pela mulher no sofá de casa.

Por Elza Gimenez



Tunai ficou famoso com o hit Frisson, tema da novela "Suave Veneno", da TV Globo. — Foto: Divulgação/Spirito Jazz


O cantor e compositor Tunai morreu, na manhã deste domingo (26), no Rio de Janeiro.
José Antônio de Freitas Mucci tinha 69 anos. Irmão de João Bosco, é autor de ‘Frisson’, entre outros sucessos.
A morte foi confirmada pela família à TV Globo. Tunai foi encontrado morto no sofá da casa dele pela mulher. A morte foi constatada às 6h, por parada cardíaca.
O jornalista Mauro Ferreira publicou em seu blog no G1 neste domingo (26) um texto sobre a morte do cantor e compositor. Segundo ele, o nome de Tunai fica na eternidade das canções.
O corpo será velado a partir das 12h30 desta segunda-feira (27) no Memorial do Carmo, no Caju. A cremação está marcada para as 15h30.


Fama pela voz de Elis Regina

“A Elis Regina foi o principal vestibular que passei na minha vida”, disse Tunai em uma entrevista ao G1, em 2018.
Tunai lembra que foi a cantora quem viu nele um potencial para a composição.
De sua autoria, Elis Regina gravou:
“As Aparências enganam”, do disco "Essa mulher" (1979);
“Agora tá”, de "Saudade do Brasil" (1980);
"Lembre-se", gravado no show de lançamento de "Essa mulher", no Palácio do Anhembi, em São Paulo (SP), em setembro de 1979.
Engenheiro civil de formação, o compositor brincava que Elis Regina foi a responsável por ele deixar os canteiros de obras na década de 1970 para seguir a carreira artística.
“Ser gravado por ela [Elis] abriu completamente as portas para mim. Foi uma coisa tão boa que eu nunca deixei de homenagear a Elis que deixou um legado incrível. Morreu cedo, mas viveu mais de 100 anos.”
Em 1977, o irmão João Bosco o apresentou ao poeta Sérgio Natureza, com quem viria mais tarde a produzir boa parte de sua obra e seus maiores sucessos.
Estreou em 1978, quando Fafá de Belém interpretou "Se eu disser", da dupla. No ano seguinte, Elis Regina gravou "As aparências enganam".
Em 1982, Jane Duboc obteve o 3° lugar no Festival MPB Shell, da Rede Globo, com a música "Doce mistério". Em 1984, Gal Costa gravou duas composições da dupla: "Olhos do Coração" e "Eternamente" (com Liliane).
Em 1984 lançou o maior sucesso, "Frisson", no LP "Em Cartaz". O hit foi incluído na trilha da novela "Suave veneno", da TV Globo.
Entre 1985 e 1994, fez vários shows em teatros de todo o Brasil e lançou diversos discos. Tunai teve outros sucessos nas trilhas de várias novelas como: "Sintonia" ( "Tititi"), "Sobrou pra mim" ("Fera radical"), e "Meu amor" ("Despedida de solteiro").


Regravações

Na década de 1990, Ney Matogrosso gravou "As aparências enganam", montando um show homônimo que percorreu com sucesso todo o país.
Em 1999, Ivete Sangalo regravou "Frisson".
Outros grandes nomes da música brasileira também interpretaram as composições de Tunai: Milton Nascimento, Gal Costa, Elba Ramalho, Fagner, Jane Duboc, Emílio Santiago, Fafá de Belém, Zizi Possi, Beto Guedes, Joanna, Sandra de Sá, Sérgio Mendes, Belchior, Ivete Sangalo e Roupa Nova estão entre eles.



Velório

O corpo do cantor e compositor Tunai será velado a partir das 12h30 desta segunda-feira (27) no Memorial do Carmo, no Caju, Zona Portuária da Rio.

sábado, 25 de janeiro de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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O choro

Se no meio do samba há um intenso debate sobre sua origem, em relação ao choro não há dúvida: ele é carioca. Apareceu na cidade do Rio de Janeiro por volta de 1870, ligado ao crescente número de músicos nos segmentos da classe média baixa. Os chorões, nome que se dá aos músicos do gênero, eram um dos principais canais de divulgação da música do povo.

Esses grupos de instrumentistas populares executavam, ao sabor da cultura afro-carioca, os gêneros europeus mais em voga. O jeito de frasear foi cultuando, nos cavaquinhos, violões e flautas, a base do choro e os primeiros passos de nossa musicalidade. As constantes apresentações dos chorões – também conhecidos como grupos de pau e corda – nas casas medianas do Império e nos saraus da elite, sempre com improvisações e desafios entre os instrumentistas solistas e de acompanhamento, foram consolidando o estilo pela cidade.

O flautista Joaquim Antônio Callado, considerado o “pai dos chorões”, os pianistas Ernesto Nazaré e Chiquinha Gonzaga, e o maestro Anacleto de Medeiros, fundador da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, compuseram quadrilhas, polcas, tangos, maxixes, xotes e marchas, estabelecendo os pilares do choro e da música popular carioca da virada do
século XIX para o XX. Aos poucos, através das bandas de música e do rádio, o choro foi ganhando todo o território nacional.



Polca

A polca foi o mais eletrizante e revolucionário gênero surgido no século XIX. Originária de uma dança da Boêmia, região dos Países Baixos, de compasso binário e melodia saltitante, caiu no gosto de todos os segmentos da sociedade brasileira, pois, além de comunicativa, punha os corpos dos dançarinos tão juntinhos que chegava a dar calafrios. Executada por toda a cidade, a polca acabou por fundir-se com o lundu, de origem africana, influenciando o
surgimento de novas expressões musicais no Rio de Janeiro.


Alfredo da Rocha Vianna Filho, mais conhecido como Pixinguinha, foi herdeiro de toda essa tradição musical. E foi muito além. Consolidou o choro como gênero musical, levou o virtuosismo na flauta às últimas consequências, aperfeiçoou a linguagem do contraponto (melodia secundária que dialoga com a principal) com seu saxofone e organizou inúmeros grupos musicais. Como arranjador, deu identidade à música popular da primeira metade do século XX e foi, sem sombra de dúvida, o maior compositor de choro de todos os tempos. A se julgar pela opinião do poeta Vinicius de Moraes, parceiro do chorão em “Lamento”, ainda está para nascer alguém que fale mal de Pixinguinha: “Pixinguinha é o melhor ser humano que eu conheço. E olha que o que eu conheço de gente não é fácil.”

Do alto de seus mais de cem anos de vida, o choro constitui-se, segundo os pesquisadores, em um estilo altamente refinado. Os chorões sempre foram grandes instrumentistas da música brasileira: os 7 cordas Dino e Raphael Rabello, os bandolinistas Jacob do Bandolim (depois de Pixinguinha, o maior nome do choro) e Luperce Miranda, os violonistas Meira e Baden Powell, os clarinetistas Abel Ferreira e Paulo Moura, os flautistas Benedito Lacerda e Altamiro Carrilho e os cavaquinistas Waldir Azevedo e Garoto são alguns exemplos de músicos que ficarão para sempre em nossa história musical.

É muito difícil encontrar um grande compositor de samba que não tenha relação com o choro. Alguns são sambistas-chorões, como Nelson Cavaquinho, outros, chorões-sambistas, caso de Benedito Lacerda, e em menor número estão aqueles que conseguem navegar nos dois mundos com igual naturalidade. Entre estes destaca-se o nome de Paulo César Batista de Faria, ou Paulinho da Viola. Podemos considerar que uma parte considerável da produção musical dos compositores de samba dialogou com a linguagem do choro.


Alô regional, toca aí alguma coisa!

O avanço da urbanização, com o acelerado processo de desenvolvimento tecnológico e a diversidade social, levou os românticos músicos populares a uma maior profissionalização de suas atividades. Muitos deles, que antes tocavam nas festas da cidade, foram trabalhar nas principais rádios do país, como a Mayrink Veiga e a Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, a Record, em São Paulo, a Rádio Clube, em Pernambuco, e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Nasciam então os regionais do rádio, assim denominados pela associação de sua instrumentação com as músicas de caráter regional.
Cavaquinho, violões, bandolim, percussão e um instrumento solista compunham a formação básica de um regional. Os regionais eram, de certa maneira, a forma orquestral que caracterizou o samba na Era do Rádio.
Houve uma safra extraordinária deles, como o de Rogério Guimarães, o de Dante Santoro e o de Antônio Rago. 
Mas devemos destacar, pela importância histórica de seus músicos, o do flautista e compositor Benedito Lacerda e o do cavaquinista Canhoto.
Por volta de 1966 o músico Jacob do Bandolim, instrumentista que chegava à perfeição, compositor melódico e harmônico e eterno nome do choro, resolveu formar um regional com características diferentes dos existentes: que contasse com a elaboração de arranjos mais sofisticados e que não pecasse pela falta de tempo para ensaios, representando apenas um tapa-buraco das rádios. Assim, deixaria de lado aquele clima informal em que os músicos, para segurar a audiência, deviam responder prontamente ao grito do locutor: “Ô regional, improvisa aí qualquer coisa!” Jacob formou então o grupo Época de Ouro, que entrou para a história pela busca de uma linguagem mais camerística e pelo controle rígido que o bandolinista exercia sobre os músicos.


O maxixe

Pioneira dança urbana surgida no Brasil, o maxixe é oriundo da Cidade Nova, bairro erguido por volta de 1860 com o aterro da região pantanosa em torno do Canal do Mangue, no Rio de Janeiro, cuja principal característica era a forte presença de afrodescendentes. A planta maxixe, versão antiga da atual comigo-ninguém-pode, batizou essa nova dança que, por assim dizer, também brotava nos quatro cantos da cidade.
Diferente da dança do lundu, mais ligada ao mundo rural e na qual todos participavam da roda cantando, dançando ou batendo palmas, no maxixe todos os pares dançam ao mesmo tempo, sendo a melodia e a voz externas ao universo dos dançarinos. Pelo seu caráter lúdico e sensual, o maxixe foi rotulado de indecente por grande parte da sociedade. Já nessa época, muito antes da adoção do termo, não poderia haver melhor marketing. A dança então ganhou força na sociedade através dos clubes carnavalescos e do teatro de revista, sendo divulgada por grupos de choro, bandas de música e pianistas populares.
Na Cidade Luz, a Paris do início do século XX, o maxixe chegou e ganhou notoriedade entre os franceses pelos pés do requintado dançarino Duque. Até o advento do samba, o maxixe representou o gênero dançante mais importante do Rio de Janeiro, e sua forma rítmica influenciou, por exemplo, as obras de Sinhô e Donga, pioneiros compositores de samba.



Teatro de Revista

A primeira peça de teatro musicado encenada no Brasil, As surpresas do sr. José da Piedade, apresentada no Teatro Ginástico, data do ano de 1859.

Espaço para o músico popular e para os maestros com formação europeia, as revistas tinham por intenção, de forma jocosa e irônica, retratar os acontecimentos políticos, culturais e sociais do ano anterior. Os argumentos eram escritos por revistógrafos do porte de Freire Júnior e Arthur de Azevedo. A música ficava a cargo de nomes como Chiquinha Gonzaga – que fez enorme sucesso com a revista Forrobodó, em que lançou o exitoso “Corta 
jaca” – e Sinhô, que aproximou o teatro de revista da música popular com a composição “Pé de anjo”, nome da revista que apresentou pela primeira vez a maior vedete do teatro de revista de todos os tempos, a paulista Margarida Max.

Passado algum tempo, as peças do teatro de revista, com montagens cada vez mais caprichadas e luxuosas, acabaram por incrementar a produção cultural no Rio de Janeiro, atraindo uma massa crescente de espectadores e abordando o cotidiano com força tal que refletiam nos palcos a auto-imagem do carioca: malandro, sensual e dono de uma dicção particular.



Cines

Inventado em 1895 pelos irmãos Lumière, franceses, o cinema apareceu entre nós em 8 de julho de 1896, no bojo das novidades tecnológicas, no Rio de Janeiro. Divulgados inicialmente pelos “ambulantes”, projecionistas que viajavam de cidade em cidade e de vila em vila levando a novidade às populações do interior, ou em pequenas salas das grandes cidades, chamadas de cinematógrafo, os filmes passaram a ser exibidos no começo do século
XX em grandes e luxuosos espaços conhecidos como cines, situados nas avenidas chiques das principais cidades do país. Como os filmes eram mudos, havia, dentro das salas de exibições, músicos populares que davam vida sonora às imagens. Nas salas de espera, entre uma sessão e outra, apresentavam-se músicos mais “refinados” – o que significava que eram de cor branca, emoldurando os preconceitos vigentes. Os cines Rio Branco, Odeon, Pathé, Palace, Moderno e Parisiense foram os mais importantes do Rio de Janeiro.
Ernesto Nazaré foi o mais famoso pianista dos cines brasileiros. Cronista da vida carioca, retratou a psicologia do homem da rua, os ambientes da época, os costumes populares, as “gírias” e os “ditos” de salão. Incorporou definitivamente ao seu teclado os batuques, os violões e os cavaquinhos dos primórdios de nossa música popular.


Samba no pé

Em meados do século XIX, 50% da população do Rio de Janeiro era formada por negros escravos. Para o leitor ter uma idéia da enormidade dessa proporção, basta dizer que São Paulo tinha, à época, 8% de escravos em seu território. 
A cidade do Rio de Janeiro constituiu-se, assim, em espaço de identidade da cultura afrodescendente. Esse foi um dos motivos que levaram os negros baianos do pós-Guerra de Canudos a nela buscarem costumes, valores e hábitos familiares à sua história.
Essa população de negros passou a residir na Gamboa, Saúde e Santo Cristo.
Com as reformas urbanísticas realizadas pelo prefeito Pereira Passos no Centro da cidade, sobretudo na zona portuária e imediações, os baianos tiveram que subir ao longo da atual avenida Presidente Vargas, transformando os antigos luxuosos casarões da burguesia em “modernos” cortiços. Nas imediações das ruas Visconde de Itaúna, Senador Eusébio, Marquês de Sapucaí e Barão de São Félix residiam os negros da Cidade Nova, local chamado pelo compositor Heitor dos Prazeres de “Pequena África”.
Os compositores pioneiros do samba, sobre os quais falaremos a seguir, vivenciaram e construíram todo um legado cultural que a Cidade Nova simbolizou no universo musical carioca. Freqüentaram, sem exceções, as casas das famosas baianas festeiras, espaços de acolhida material, espiritual e cultural importantíssimos para a história da cultura negra e do samba. Foi na casa da Tia Ciata que surgiu o lendário “Pelo telefone”; na casa de Tia Sadata, na Pedra do Sal, bairro da Saúde, surgiu o Rancho das Flores; Tia Perciliana era mãe do ritmista João da Baiana, e Tia Amélia, mãe do chorão e sambista Donga.
A baiana mais conhecida na história do samba foi mesmo Tia Ciata, ou Hilária Batista de Almeida, nascida em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. Ela se tornou uma das principais lideranças dos negros da Cidade Nova. Morou na rua da Alfândega, perto do Campo de Santana, e na rua Visconde de Itaúna, na região da Praça Onze (rua na qual também morou o flautista Joaquim Callado). Sua casa era frequentada por negros, mestiços e brancos, pobres e ricos.
Ciata comandava uma pequena equipe de baianas que vendia deliciosos doces e quitutes, confeccionava trajes de baianas para os clubes carnavalescos oficiais e era muito respeitada por parte da elite carioca. Organizava festas que duravam dias; segundo João da Baiana – um dos nossos pioneiros personagens do samba – em sua casa os espaços eram divididos da seguinte forma: “Baile na sala de visita (choro), samba de partido-alto nos fundos da casa e batucada no terreiro (samba-de-umbigada).”
O samba urbano cresce no asfalto carioca com os genes da baianidade.





* A presente obra é disponibilizada por nossa equipe, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo.

OBRA DE ACCIOLY NETO É RESGATADA EM ÁLBUM TRIBUTO

O álbum duplo "Natureza Sonhadora" faz uma merecida reverência a Accioly Neto, com participação de artistas de várias gerações

Por Mariana Mesquita



A obra de Accioly Neto está viva e renovada. O público que acessar as plataformas digitais poderá ter acesso a "Natureza Sonhadora", um álbum tributo ao cantor e compositor que reúne tanto sucessos de sua carreira, como músicas inéditas. São 33 faixas, gravadas por nomes como Zélia Duncan, Romero Ferro, Zeca Baleiro, Fagner, Chico César, Almério, Clayton Barros, Mariana Aydar, Elba Ramalho e Flávio José, entre outros intérpretes. O disco também será vendido no formato de cd duplo (R$ 39,90).

A necessidade de resgatar a produção de Accioly era premente. Falecido em 2000 por conta de um aneurisma cerebral, com apenas 50 anos, e conhecido pela qualidade e quantidade de suas músicas, ele se tornou mais popular por conta de forrós como "Espumas ao vento" e "Lembrança de um beijo", além de outros sucessos que foram veiculados nacionalmente em trilhas de novelas e filmes. Mas ele também passeou por outros ritmos e chegou a ser finalista do prêmio de música MPB Shell de 1981, com a música "Paraíso das Hienas" (gravada originalmente por Jessé e interpretada no novo cd tributo por Zeca Baleiro).



A tarefa de produzir o novo álbum virou um projeto afetivo, familiar: além da esposa, Tereza, e da filha, Talitha (que atuou como produtora e uma das cantoras do disco), a produção musical ficou a cargo do compositor e músico André Macambira, marido de Talitha. As belas ilustrações que compõem o encarte foram feitas pela sobrinha-neta do artista, Diana Lins. 

"Nossa intenção era revigorar a obra dele, não deixar que caísse no esquecimento, até porque a maioria dos discos está fora de catálogo. E estamos muito satisfeitos, porque o resultado final ficou muito bonito", comemora Talitha, para quem "Natureza Sonhadora" tem "um sabor de novidade". "Não queríamos fazer um disco saudosista", pontua.

Entre a aprovação do projeto junto ao Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura PE) e a finalização do álbum, foram exatos dois anos de muito trabalho.

"O disco ficou bem misturado. Inicialmente, pensamos em fazer vinte faixas, dez com os hits mais famosos e dez menos conhecidas, mas depois desistimos do formato e deixamos o processo fluir", relembra Talitha. A quantidade de faixas precisou ser ampliada, porque muitos artistas queriam participar - "e ainda ficou gente de fora", como confessa a produtora. Ela brinca: "como ele tem quase mil músicas registradas, quem sabe fazemos um novo tributo no futuro".

Distribuído pela Tratore, o álbum tributo contou com os arranjos de Yuri Queiroga, Juliano Holanda, Renato Bandeira e Júlio Cesar Mendes . Além das plataformas digitais, também está no ar o site www.acciolyneto.com.br, onde o público pode ter acesso a vídeos, fotografias e outras informações sobre o artista.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

GRAMOPHONE DO HORTÊNCIO

Por Luciano Hortêncio*




Canção: Aumento no salário

Composição: Ernâni Alvarenga - Paquito

Intérprete - Violeta Cavalcante - acompanhamento de Benedito Lacerda de seu Conjunto

Ano - 1945.

Disco - 
Continental 15.233 - matriz 932-1


* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 10.000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

BAILE MUNICIPAL DO RECIFE UNE O FREVO AO SAMBA COM ELBA, FAFÁ DE BELÉM, GERLANE LOPS E SPOK

Os cantores Gustavo Travassos, Almir Rouche, Gerlane Lops e Nena Queiroga são outras atrações da festa, no dia 15 de fevereiro. Ingressos custam a partir de R$ 50.


Aldo Carneiro/Pernambuco Press

A 56ª edição do Baile Municipal do Recife celebra a união das regiões Norte e Nordeste. A festa ocorre em 15 de fevereiro, às 21h, com shows de Fafá de Belém, Elba Ramalho, Gerlane Lops e Maestro Spok, que recebe convidados como Almir Rouche, André Rio e Nena Queiroga.

Gustavo Travassos e o Coral Edgar Moraes são outras atrações. As apresentações ocorrem no Classic Hall, em Olinda, e os ingressos estão à venda por R$ 50 (pista) e R$ 600 (mesa para quatro pessoas).

Em 2020, o Baile Municipal tem como cicerones o maestro Edson Rodrigues e o Bloco das Flores, os homenageados do carnaval deste ano no Recife. Promovida pela prefeitura do Recife, a festa mantém a tradição da folia nos clubes e é uma das mais antigas prévias da cidade.

Elba Ramalho é uma das atrações do baile — Foto: Wesley D'Almeida/Arquivo PCR Imagem


Desde 2013, a renda do baile, cuja venda de ingressos é beneficente, reverteu cerca de R$ 3,65 milhões para 45 instituições, segundo a prefeitura. As entidades beneficiadas em 2020 não foram divulgadas até a última atualização desta matéria.

No Baile Municipal, desfilam os vencedores do Concurso de Fantasias, abrindo a festa, que também conta com a presença do Rei e da Rainha do carnaval do Recife.


Serviço
56º Baile Municipal do Recife
15 de fevereiro, às 21h
Classic Hall - Avenida Agamenon Magalhães, s/n, Salgadinho - Olinda
Ingressos: R$ 50 (pista) e R$ 600 (mesa para quatro pessoas),
Vendas: Ticketfolia e Vamoz, Classic Hall, quiosques do Ticket Folia nos shoppings RioMar, Recife, Tacaruna, Plaza, Boa Vista e Guararapes e quiosques do PE no Carnaval nos shoppings Recife e RioMar


Fonte: G1 PE

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

BAÚ DO MUSICARIA




A exatamente cinco anos, esta era uma das matérias que estava sendo publicada em mês como este em nosso espaço:


Link para relembrar a matéria:

A HISTÓRIA MUSICAL DO RÁDIO NO BRASIL

As 10 músicas mais tocadas nos rádios do Brasil no ano de 1925, há exatos 95 anos, foram:

01 - A Casinha (A Casinha da Colina) - Aracy C ortes
02 - Nosso Ranchinho - Fernando
03 - Petropolitana - Aracy C ortes
04 - Saudade do Sertão - Vicente Celestino
05 - Lua de Fulgores - R. Ricciardi
06 - Marcha Triunfal Brasileira - Canhoto
07 - Não Me Passo Por Você - Francisco Alves
08 - Fubá - Fernando
09 - O Cigano - Vicente Celestino
10 - Serenata de Toselli - Aracy C ortes

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*




Alegria, alegria

Foi com "Alegria, alegria" (guardada no disco Caetano Veloso, 1967) que Caetano Veloso começou a enfrentar os riscos de questionar os preconceitos do público dos Festivais da canção.

Caetano (no livro Verdade Tropical) escreve que o uso de “coca-cola” na canção foi “inaugural” e “marca histórica”, porém, o historiador Paulo Cesar de Araújo (no livro Eu não sou cachorro não) argumenta que já em 1961 Baby Santiago compôs o rock “Adivinhão”, com os versos: “À noite ela falta à aula / pra ficar comigo e tomar Coca-cola”.
De todo modo, "Alegria, alegria" inaugura possibilidades e abre perspectivas impenssáveis até então.
"Alegria, alegria", para além da citação direta do existencialismo de Jean-Paul Sartre (quando este diz, no livro As palavras
, que o que ele (Sartre) ama em sua loucura é que ela sempre o protegeu contra as seduções da elite: “nunca me julguei feliz proprietário de um talento: minha única preocupação era salvar-me – nada nas mãos, nada nos bolsos – pelo trabalho e pela fé”); e da retomada paródica do samba "Alegria" (1938), de Assis Valente e Durval Maia, imprime uma alegria consciente e um gosto pelo gostar que persevera, afirmativamente, diante da vida fazendo o sujeito “seguir vivendo amor”.

Com o verbo "ir" sempre incultando ação e movimento, contra o vento, o sujeito da canção se opõe, por exemplo, à canção "Pra não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré, quando esta diz: "Caminhando e cantando / E seguindo a canção".
Ao contrário, o sujeito de "Alegria, alegria" não segue a canção, "vai": complexifica e reverte o sistema - cria um canto para si, compõe sua história efetiva, singular. E estilhaça a competência receptiva do ouvinte "bem comportado", gerando o desconforto que impulssiona o outro a "ir junto".
Ao invés de "amores na mente", o sujeito "tem o peito cheio de amores vãos". Por que não? Caminhar ao abstrato é ser universal: desejo íntimo do sujeito, que narra seu caminhar, sua relação ilícita com o mundo.
Assim, ele, consolado pela canção que compõe para si, e que pensa em cantar na televisão, ou seja, dar de presente às massas, fica mais distante da morte, a cada nova imagem anexada ao canto; a cada nova especulação do perigo: afirmação do risco, de viver.

***
Alegria, alegria (Caetano Veloso)

Caminhando contra o vento
Sem lenço sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou

O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em Cardinales bonitas
Eu vou

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes pernas bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot

O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia?
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou

Por que não? Por que não?

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço sem documento
Eu vou

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome sem telefone
No coração do Brasil

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou

Sem lenço sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo amor
Eu vou

Por que não? Por que não?




* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".