Parte de uma coleção do Sesc São Paulo, 'Da Lama ao Caos: que Som É Esse que Vem de Pernambuco?' sai em edição digital
Por Diogo Guedes
O jornalista e crítico musical José Teles
“Chico Science & Nação Zumbi foi a banda certa num momento propício”, explica o jornalista e crítico musical José Teles no seu novo livro, Da Lama ao Caos: que Som É Esse que Vem de Pernambuco?, obra digital lançada nesta segunda (29/4) pela Edições Sesc São Paulo. O assunto não é estranho ao autor, que já escreveu uma biografia de Chico Science (1966-1997) e narrou a trajetória da música popular em Pernambuco no já clássico Do Frevo ao Manguebeat. Agora, nesse novo livro, mostra com fluidez a construção, o contexto e os detalhes de um disco que se tornaria o marco de um dos principais movimentos musicais brasileiros recentes.
O volume Da Lama ao Caos, na verdade, é o primeiro de uma coleção criada pelo jornalista Lauro Lisboa Garcia para o Sesc, que vai abordar discos incontornáveis do cancioneiro nacional. A ideia é publicar obras que tragam olhares além do relato ou da crítica, e é justamente isso que Teles, repórter deste JC, consegue: o livro se equilibra entre a trajetória pessoal de Chico e de outros integrantes do grupo e o contexto musical, artístico, geracional e econômico do período, com uma prosa que une um conhecimento profundo da área com a simplicidade da escrita.
“Uma das principais coisas desse novo livro é o distanciamento. Eu vivi esse período e escrevi muito sobre ele, mas agora pude observar com mais critério, notar o que era causo e o que era fato, entender mais Chico Science e o mangue”, conta Teles.
Da Lama ao Caos retoma um assunto que o escritor paraibano radicado no Recife conhece, acompanha e pesquisa há vários anos: o surgimento do manguebeat e o contexto musical da música pernambucana e brasileira no início dos ano 1990. Se já tinha um material amplo, fruto de outros livros e matérias especiais que fez, nesse novo trabalho teve uma facilidade: os arquivos digitais de jornais daqui e de fora, que permitiram rever entrevistas e declarações dos músicos.
Assim, o leitor de Da Lama ao Caos pode perceber, por exemplo, a importância da influência da cultura popular no imaginário musical de Chico, sua relação com os integrantes da Nação Zumbi, através tanto da Loustal como da Lamento Negro, a mesmice da cena independente pernambucana no começo dos anos 1990 e até mesmo o papel da maior abertura para circulação de discos de música alternativa no Brasil.
Além disso, Teles desfaz alguns mitos, como a ideia de que o mangue nasce já conectado com o pensamento de Josué de Castro. “Antes de compor Da Lama ao Caos, Chico não conhecia Josué de Castro. Ele mesmo dizia isso em entrevistas”, conta. Quem primeiro falou do romance Homens e Caranguejos para ele foi o próprio Teles, durante uma visita do músico a sua casa, acompanhado de Fred Zero Quatro. “A observação sobre a influência de Josué de Castro em Chico Science não o desmerece, pelo contrário. Apenas mostra o quanto era antenado e absorvia com impressionante poder de síntese as informações que lhe chegavam”, ressalta Teles.
O termo mangue, por sinal, segundo Jorge du Peixe, da Nação Zumbi, veio de forma direta: “O nome da parada é mangue”, disse Chico para ele quando os dois estavam em um ônibus saindo de Rio Doce para o Centro do Recife. “As versões variam, mas sempre concordam num ponto: foi Chico Science que surgiu com essa história de batizar de mangue a cooperativa, ou seja lá o que fosse, que eles estavam formando”, escreve Teles.
Outro ponto fundamental para essa visão distanciada e renovada do disco de Chico com a Nação Zumbi foi o acesso, durante a gravação do documentário Caranguejo Elétrico, das gravações originais do disco, com as faixas de captação separadas. “Isso ajudou a entender mais. As tracks separadas ajudam a notar melhor as músicas. Chico, por exemplo, criava muitos sons com a boca. Além disso, tem a dificuldade de transferir o som das alfaias, com um grave mais limitado, para captação”, cita Teles.
NOVAS ENTREVISTAS
Apesar de ter feito várias entrevistas ao longo dos anos como jornalista, ele conta que voltar a conversar com figuras como Gorete França, irmã de Chico, e Paulo André trouxe algumas novas informações. Através de Gorete, por exemplo, percebeu que os versos “Fui no mangue catar lixo/ Pegar caranguejo/ Conversar com urubu” são parte de uma cena da sua infância, quando a família morava na 5ª Etapa de Rio Doce.
A irmã também mostrou a Teles os cadernos do artista. “Chico Science foi bruxo de sons. Escrevia compulsivamente. Nos muitos cadernos que deixou com poemas e letras de música (os cadernos estão com Goretti França, sua irmã mais velha), ele descrevia que som pretendia para cada música”, aponta no livro. O relato multifacetado de Teles se conclui com a história da inclusão de Maracatu Atômico no disco Afrociberdelia. Chico não queria uma música que não fosse autoral, mas terminou aceitando a sugestão – que teve ares de ordem. “Fizemos uma versão só, as outras só escutamos com o disco pronto. Ninguém avisou a gente desses remixes, achei falta de respeito, nem considero como parte do trabalho”, diria o líder depois.
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