Por Luiz Artur Ferraretto*
Rio Grande do Sul tem relembrado centenários de seus grandes nomes com o merecido apoio governo do estado e do meio empresarial. Foi assim em 2005 com Erico Verissimo. Está sendo assim, este ano, com Mario Quintana. A lembrança dos dois, escritores de obra perene, comparada ao quase esquecimento em torno do gaiteiro Pedro Raymundo demonstra o caráter efêmero do ídolo popular. Por Luiz Artur Ferraretto
Não há dúvida do reconhecimento nacional, nas décadas de 40 e 50, em relação ao autor de Adeus, Mariana, canção que segue sendo gravada, lançada e fazendo sucesso nas interpretações de gente como Gaúcho da Fronteira, Sérgio Reis, Tonico e Tinoco, Neto Fagundes e Ernesto Fagundes ou Osvaldir e Carlos Magrão. Alguns vão dizer, com certa dose de preconceito, talvez com certa dose de razão, que é forçada a comparação entre um romancista e um poeta, de universos mais eruditos, e um músico, do início do que se chama cultura de massa. Serve, no entanto, para lembrar a imensa popularidade de que gozava o gaiteiro e o quase total esquecimento a respeito de sua pessoa, não do seu trabalho, nos dias de hoje. Mas vamos à história deste gaúcho de Imaruí, Santa Catarina, onde nasceu no dia 29 de junho de 1906.
Início de carreira.
Em 1935, na Rádio Gaúcha, o poeta Lauro Pereira Rodrigues apresenta o programa Campereadas. É neste espaço que começa a se destacar o cantor e compositor Pedro Raymundo, mais tarde conhecido pelo epíteto “o gaúcho alegre do rádio”. Contratado em 1939 pela Farroupilha, o gaiteiro forma – com Oswaldinho, Zé Bernardes e Zico – o Quarteto dos Tauras. O conjunto se desfaz, quatro anos depois, com a transferência de Pedro Raymundo para o cast da Nacional, do Rio de Janeiro, na época consolidando-se como a principal estação radiofônica do país. Na seqüência, ainda em 1943, a Columbia lança um disco com as canções Tico-tico no Terreiro e Adeus, Mariana, ambas de sua autoria.
O apogeu.
Os versos entram para a memória musical brasileira:
Nasci lá na cidade, me casei na serra.
Com minha Mariana, moça lá de fora.
Um dia estranhei os carinhos dela.
Disse “Adeus, Mariana que eu já vou embora”.
É gaúcha de verdade dos quatro costados.
Que usa chapéu grande, bombacha e esporas.
E eu que estava vendo o caso complicado.
Disse Adeus Mariana que eu já vou embora.
Nem bem rompeu o dia me tirou da cama.
Encilhou o tordilho e saiu campo afora
e eu aproveitei e saí dizendo:
“Adeus Mariana que eu já vou embora”
Ela não disse nada, mas ficou cismando.
Que era dessa vez que eu daria o fora.
Pegou uma soiteira e veio contra mim.
Eu disse: “Larga Mariana que eu não vou embora”.
Ela ficou zangada e foi quebrando tudo.
Pegou a minha roupa e jogou porta a fora.
Agarrei uma trouxa e saí dizendo:
“Adeus Mariana que eu já vou embora”.
Com esta canção simples e trajes típicos do Rio Grande do Sul, Pedro Raymundo vai se tornar, como observa Luiz Carlos Saroldi, “uma das marcas do Programa César de Alencar”, na Rádio Nacional, então o principal programa de auditório do país. Deste modo, constitui-se no primeiro cantor gauchesco a ficar conhecido, graças ao rádio, fora do estado, chegando a inspirar o pernambucano Luiz Gonzaga a adotar também vestimentas típicas – no caso, as usadas no sertão nordestino – em suas apresentações.
O declínio.
A respeito, Tonico e Tinoco recordariam em suas memórias que somente o Gonzaga, nos anos 40, se igualava em popularidade ao “gaúcho alegre do rádio”. Pois “o homem que varreu a tristeza do dicionário”, outro slogan com o qual é apresentado aos ouvintes na época, aparece triste em uma velha edição da Revista do Rádio em dezembro de 1959, ele que em outros tempos servira, no auge, de capa à mesma publicação. Naquele ano, havia se submetido a uma cirurgia para corrigir um desvio no polegar e ficara com a mão paralisada, o que lhe afastaria da música durante dois anos. Na reportagem, ele reclama dos boatos sobre o fim de sua carreira artística:
– A maldade surgiu dentro dos corredores das emissoras. O mal de um artista é sempre querer destruir o seu colega. Todavia, fiquem todos sabendo que voltarei para cantar e tocar acordeão.
Aconselhado pelos amigos a encerrar a sua carreira, Pedro Raymundo retoma suas apresentações em 1963 na Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, justamente a emissora em que se apresentara, duas décadas antes, então recém-chegado de Porto Alegre. No mesmo ano, volta ao Rio Grande do Sul e faz uma temporada na Rádio Gaúcha. Sem a mesma vitalidade de antes, logo transfere-se para a cidade de Lauro Müller, onde conduz o Programa Pedro Raymundo, às seis da manhã, na Rádio Cruz de Malta. Na mesma época, apresenta atrações semelhantes nas rádios Eldorado, de Criciúma, e Diário da Manhã, de Florianópolis.
Em 1971, volta ao microfone da Gaúcha. Está empobrecido e demonstra um considerável desgaste em suas apresentações. Como registram Vitor Minas e Israel Lopes no livro Pedro Raymundo, uma das poucas biografias a respeito do autor de Adeus, Mariana, a Teixeirinha, um dos seus sucessores no gosto do público, dá pena, na época, o estado do gaiteiro:
– Encontrei-me com o Pedro em um show promovido pela Rádio Gaúcha.
Levei-o na Rodoviária, no meu carro, e lá tomamos uma água tônica juntos. Falei para ele, vendo que já não podia mais trabalhar e já quase não enxergava bem. Perguntei se ele estava bem financeiramente para parar. Ele me respondeu que estava mais ou menos bem, morando em Santa Catarina novamente na cidade do carvão. Estava trabalhando, mas estava encostado no INPS e me disse que eu estava com a razão em pedir para ele parar e ficar com o nome na história, porque o povo já não estava aceitando ele como antes e sim o amava pelo que foi.
Dois anos depois, no dia 10 de julho de 1973, aos 67 anos, no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, morre de câncer o gaiteiro Pedro Raymundo, praticamente esquecido. Diversos músicos seguem gravando suas canções, em especial Adeus, Mariana. Como lembram Vitor Minas e Israel Lopes na pequena biografia publicada em 1986 dentro da Coleção Esses Gaúchos, valendo o hoje deles ainda mais para o hoje de hoje:
– Hoje, contudo, se ressuscitasse, o Gaúcho Alegre seria execrado pelos sentinelas do nativismo, eternamente debruçados sobre o que é ou não autenticamente gaúcho. Misturou a temática nossa com a de outros estados, interpretava polcas, valsas, marchinhas e até baião.
Sem pretender mais do que a condição de gaúcho adotivo, cantou isso com orgulho e sentimento. Foi, certamente, o primeiro músico que assumiu a identidade do nosso homem rural.
É verdade. Pedro Raymundo levou a figura típica do Sul do Brasil a todo país, tempos antes do surgimento do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Só por isto já mereceria ser lembrado neste ano de 2006.
* Texto publicado à época do centenário do artista
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