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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

ENTREVISTA EXCLUSIVA - GONZAGA LEAL

Artista rebuscado, Gonzaga Leal pauta a sua carreira em refinados projetos. Seja no palco ou em disco, seus trabalhos destacam-se tendo como característica principal o requinte.

Por Bruno Negromonte



Estamos vivendo uma época em que, com raras exceções, os ditames midiáticos acabam por reger o que é considerado de boa qualidade ou não dentro de nossa cultura; porém o que nos chama a atenção são os critérios de avaliação fundamentais para a determinação daquilo que é louvável de uma boa classificação ou o inverso.

E é nesse contexto cultural regido por forças aquém do talento e bom gosto que Gonzaga Leal vem galgando seu espaço dentro do cenário musical brasileiro sem preocupar-se com rótulos e estigmas. Artista arrojado, este pernambucano de requinte inquestionável veio ao conhecimento do público do Musicaria Brasil recentemente com a matéria EM UM ÁLBUM DE PRECIOSIDADES, GONZAGA LEAL SE FAZ OURIVES COM AS CANÇÕES e agora volta ao nosso espaço para conceder esta entrevista exclusiva onde fala um pouco sobre o início da carreira, projetos futuros e como se dá a escolha do seu repertório.

Dentro das suas mais remotas lembranças de infância gostaria de saber qual o momento que você lembra que de fato fazia-se acreditar que o pequeno Gonzaga seria artista.

Gonzaga Leal - Venho de uma família bastante musical, minha mãe era cantora de igreja e logo cedo me iniciou no aprendizado de cânticos sagrados. O rádio vivia constantemente ligado, o que me deixava absolutamente embriagado com tudo que ouvia. A minha vó, mãe da minha mãe, tinha uma linda voz e de maneira muito singela me iniciou no repertório de Dalva de Oliveira. O maestro Moacir Santos vez por outra, aparecia na casa dos meus avós e travava com eles grandes conversas sobre música. Naquela época, muito guri, não fazia a menor ideia da dimensão daquele grande artista que sempre fazia o roteiro entre Flores e Serra Talhada. Ele era amigo de toda a minha família. Sempre fui muito requisitado para atuar em peças de teatro no colégio, ora cantando, ora representando. Essas cenas todas por mim vividas, foram pouco a pouco consolidando em mim o desejo de ser artista, muito embora não tivesse nenhum incentivo por parte da minha família. Meu pai, um homem muito silencioso, comedido e discreto, dele sempre ouvi que ser artista é algo muito bonito, no entanto, muito árduo e perigoso.



A sua vinda para a cidade do Recife foi, a princípio, para dar início a sua graduação ou você já trazia o desejo de dar vazão a esse lado artístico que já se evidenciava em Serra Talhada com nomes como Rosa Pau Ferro e Edézio?

GL - Apesar de não ter o incentivo familiar para me tornar artista e sim para ser doutor, a música sempre exerceu sobre mim uma enorme força e uma necessidade. E foi dessa forma que fui negociando comigo mesmo e com a minha família cursar a universidade e paralelamente me encaminhando para a música. Tinha a clareza do meu destino de que um dia artista me tornaria. A convicção das dificuldades só acentuava em mim o desejo de seguir. O contato com o movimento musical no diretório acadêmico da universidade contribuiu por demais para as minhas certezas e enfrentamentos.



Em que momento e de que forma aconteceu essa sua introdução nesse contexto cultural recifense? Houve alguma dificuldade?

GL - Me inicio na cena musical recifense participando do programa Cidade Encantada da queridíssima Tia Linda na TV Jornal do Commércio, no final da década de 60, início da década de 70. Foi uma passagem muito breve, porém bastante decisiva para conhecer os mistérios, as dificuldades e o glamour da vida de artista. Conheci nesse período dois grandes artistas bastante decisivos na minha formação como artista. A cantora Marlene e o cantor Luiz Vieira. A Marlene me ensinou os segredos de ser intérprete e o Luiz me levou para cantar na noite. A Marlene que tornou-se minha amiga e que até hoje mantenho contato, dela sempre ouvi: “O melhor cantor é aquele que através do seu canto faz tremer corações.” Com isso ela tentava me mostrar a diferença entre ser cantor e ser intérprete. Eis a razão pela qual dou tanta importância ao texto da canção. Não sei cantar uma música que não cale fundo dentro de mim. Já deixei até de gravar canções por não saber dar a força de intérprete a uma única palavra. Acredito que nesse aspecto há uma verdade, mas também, uma destituição, uma incompetência, uma fragilidade. Quanto às dificuldades sempre tive muita clareza, mas como bom sagitariano, nunca deixei de manter a seta apontada e me apropriar da paixão. Assim entendendo, reduzia a minha solidão e reafirmava em mim a convicção de que ser artista é um ofício de paixão.



A pergunta que aguça a curiosidade de muitos que acompanham a sua carreira é o porquê que só depois de anos foi que veio o seu primeiro registro fonográfico mesmo você tendo uma bem sucedida carreira nos palcos com espetáculos diversos nos anos que antecederam o álbum “Um olhar brasileiro”?

GL - Sou um homem muito exigente comigo mesmo. Sou o mais critico de mim, o mais inseguro de todos. Portanto nunca me senti devidamente preparado para o enfrentamento do estúdio, da critica e do público. Navegava em águas muito serenas que me protegia disso tudo. Precisei do aval de Dadá Malheiros, grande músico, grande amigo. E do seu irmão Fabiano Menezes, ambos músicos da Orquestra Sinfônica, com os quais já vinha trabalhando. Naquela época fazíamos um espetáculo chamado PÁSSARA (ver repertório de shows no site – www.gonzagaleal.com.br) que foi muito bem recebido pela critica e com o qual cumprimos uma temporada muito feliz. Um repertório muito ousado, uma direção musical precisa, uma direção cênica poética e músicos extraordinários. Mesmo assim a insegurança batia mais forte e o medo me tomava. Precisei que o mestre Dadá Malheiros me abalasse com suas palavras: “Você está pronto para gravar este repertório. Ou vai ser agora, ou nunca. Estou disposto para te levar para o estúdio, só basta agora você querer.” Não tive outra alternativa que não me render a força da indicação do meu diretor, a quem muito respeito, admiro e confio. Foi uma das experiências de maior impacto que já vivi. Um rito de iniciação absolutamente forte e decisivo para entender e fazer o que hoje cumpro como artista. Certamente que se não fosse Dadá Malheiros, meu sempre amado diretor, arranjador e amigo, não estaria dando esta entrevista.



Você que vem apresentando-se nos palcos desde 1974 com espetáculos bem elaborados que são sucessos de crítica e público por onde passou, porém só teve seu primeiro registro fonográfico 21 anos depois. Há desse período que antecedeu o primeiro disco algum espetáculo que você recorda e sente-se triste hoje por não tê-lo registrado em disco?

GL - Tenho uma enorme divida e ressentimento comigo de não ter gravado o repertório de dois shows por demais importantes na minha trajetória artística. Ambos sobre a batuta do mestre Canhoto da Paraíba e seus preciosos músicos. Os shows “Quando a dor não tem razão” e “Pra quem quiser me visitar”, se eles envolviam uma enorme beleza musical advinda da poesia do violão do Canhoto e do repertório por ele indicado (ver repertório de shows no site – www.gonzagaleal.com.br) significou pra mim um enorme aprendizado do fazer musical. Canhoto, a quem todos chamava de Curinguinha, foi o primeiro a me incentivar a gravar e me apontar possibilidades, que nem de longe eu tinha noção. Sempre com seu jeito maneiro, carinhoso e incisivo tentava desconstruir em mim uma subjetividade covarde que me amarrava e amedrontava. Mas ao mesmo tempo não deixava de me assegurar: “Seu tempo vai chegar, não deixe que ele passe. Fique atento.” Isso pra mim converteu-se em mantra que carrego comigo pela vida afora. Muita sorte minha ter cruzado com essas pessoas tão lindas e queridas na minha vida. Será que são coisas do destino, das minhas próprias buscas ou de ambas? Não faço a menor ideia. Continuo buscando compreender, procurando não ser negligente com nada.



Conta a sua biografia que as suas reminiscências musicais mais remotas são oriundas do aparelho de rádio que havia em sua casa ainda em Serra Talhada, onde nele você ouvia artistas considerados de “época de ouro do rádio” como Orlando Silva, Silvio Caldas, Francisco Alves entre outros. É impressão ou você traz arraigado hoje em seu trabalho marcas desses artistas? (visto que em seus trabalhos há canções do repertório de Dircinha Batista (Você tem açúcar, 1941), Silvio Caldas (Florisbela, 1939) e Orlando Silva (Última estrofe, 1935).

GL - Essas referências todas compõem o gráfico e a partitura que me formataram artisticamente. Através de todos que fizeram o rádio, fui percebendo a dimensão do que é ser artista. Quero um dia, não sei quando, juntar-me a um outro colega de oficio, montar um espetáculo a partir do repertório de Orlando Silva e Francisco Alves. Essas canções todas que você se refere e que gravei, antes de qualquer coisa ou influência, elas fazem parte da minha memória musical – afetiva. Esse singelo mosaico musical interpretativo de um tempo sempre exerceu sobre mim uma enorme tensão. Não consigo entender um artista fora do seu tempo e suas significações. Não tenho a menor paciência do novo pelo novo.



Você anda com dois projetos futuros em andamento que são aparentemente bastante distintos. A realização destes projetos tem sido em consonância ou você vai priorizar um deles e depois se engajar na conclusão do segundo?

GL - Estarei em 2012 completando 25 anos de carreira, o que me excita cometer ousadias e transgressões. Esses dois projetos aos quais você se refere me são muito caros e preciosos. Quero sim realizá-los. Não medirei esforços. Hoje trabalho com uma banda e um diretor musical que me deixam muito confortável para realizarmos projetos bordados de ousadia e tingidos de determinação. Graças a Deus conto com esses parceiros nos quais confio e tenho amizade e percebo que todos eles depositam em mim confiança e respeito. Com esses temperos qualquer pessoa pode realizar projetos inimagináveis. Como só sei realizar uma coisa de cada vez, e isso compõe uma das minhas incompetências, certamente que um projeto sucederá ao outro. Ainda não posso adiantar qual deles virá primeiro.



Um desses projetos pelo o que a imprensa tem noticiado se chamará “Teatro – Na boca de cena nasci”, onde você prestará uma homenagem ao Teatro de Santa Isabel. Você poderia falar um pouco sobre esse projeto?

GL - O teatro pra mim tem o significado de um templo e o palco a representação de um oratório. É um dos espaços, fora a minha casa, no qual onde me sinto melhor, confiante e sacralizado. Dos teatros onde me apresentei no Brasil, o Teatro de Santa Isabel é o que pra mim encerra uma grande dimensão afetiva. Ele é de uma beleza e magia enorme, foi lá que lancei todos os meus discos de carreira e o teatro onde mais me apresentei. Não faço a menor ideia de quantas vezes pisei naquele palco. Nada mais justo da minha parte prestar-lhe uma homenagem através de um cd, contemplando um repertório de montagens teatrais. Há um só tempo pretendo reunir neste album todos os pianistas que me acompanharam ao longo desses anos todos, ou seja, será um cd de voz e pianos com repertório de trilhas de montagens teatrais, algumas delas encenadas no palco do Teatro de Santa Isabel. Sem contar que sou um apaixonado pelo teatro. Sempre que vou montar um repertório para um cd ou um show, parto sempre de aspectos dramatúrgicos que as canções encerram entre si. Ao realizar qualquer trabalho artístico tenho sempre a tendência de antecipar a cena.



Salve engano, o segundo projeto em vista trata-se de um álbum onde a viola brasileira norteará todo o trabalho não é isso?

GL - Sou um homem do interior que vim muito cedo para a capital, no entanto o sujeito brejeiro, romântico, interiorano continua habitar em mim com muita potência. Da mesma maneira que o repertório dos cantores que fizeram o rádio exercem sobre mim encantamento, a sonoridade das violas através das suas mais diversas afinações, vem me conquistando pouco a pouco. Sem falar que muito precocemente em Serra Talhada já ouvia o som misterioso desse instrumento. Mais uma vez aqui, falo de memória. Quero dizer também que convivo com um violeiro, Claudio Moura, hoje meu diretor musical há pelo menos 12 anos. Ele é um dos grandes responsáveis pelo fascínio que a viola hoje exerce sobre mim. Nas minhas andanças pelo Brasil fui conhecendo violeiros entre os quais o Chico Lobo de Minas, de quem gravei duas lindas modas de viola, e assim pouco a pouco venho me apropriando de um repertório que mantém uma linda interface com a sonoridade da viola brasileira. No meu ultimo álbum “E o que mais aflore” a viola se diz presente em quase todas as faixas. Neste cd quero sim, ter comigo violeiros do Brasil e jovens violeiros pernambucanos, a exemplo de Hugo Lins, Caçapa, por quem tenho admiração e respeito. Adelmo Arcoverde, nosso grande violeiro estará também presente ao lado do Claudio Moura, Chico Lobo e Pereira da Viola. Espero que todos eles aceitem o meu convite para fazer parte deste projeto.



Uma característica interessante em seu repertório é a diversidade com que ele é constituído sem necessariamente cair um lugar-comum. Você consegue mesclar de maneira interessante desde canções de artistas locais, obras de domínio público chegando até a grandes pérolas do cancioneiro nacional, porém tudo isso dentro de uma unidade tão coerente e distinta que seu trabalho acaba se destacando naturalmente. Como se dá a escolha de seus repertórios para compor seus álbuns?

GL - Curiosíssima sua pergunta. Porque ela antes de qualquer coisa fala de um entrevistador que tem conhecimento de quem vai entrevistar. Sinceramente isso é uma raridade. Isso me deixa muito confortável e alegre e com total disponibilidade para responder quantas perguntas você me faça. Você não sabe que prazer estou experimentando em responder as suas indagações. Me dedicar a ouvir música diariamente com disciplina e rigor é uma das tarefas que faz parte do meu oficio. Vou ouvindo as canções, me apropriando delas, sorrateiramente me tornando um coautor. Algumas dessas canções, vão sendo abraçadas pela minha voz em função da minha extensão vocal e da força do texto. Dois critérios pra mim absolutamente imprescindíveis para que eu me sinta confortável na emissão da voz e formatação do canto. Isso implica em prazer e sofrimento, uma vez que se trata de um processo de muitas idas e vindas. Nunca é algo lógico e carteziano. Muito pelo contrario, trata-se de um processo bifurcado com muitas linhas de fuga. Construir um repertório que traga no seu interior uma coerência dramatúrgica é preciso muita paciência, determinação, cuidado e rigor. Quando penso em repertórios, me reporto a imagens e ao sonho. Sou um intolerante a repertórios onde as canções não guardam um significado entre si. Não tenho a menor paciência.


Recentemente você trouxe a Recife o espetáculo “Porcelana” onde dividiu o palco com a cantora Alaíde Costa. Há intenção de levar esse projeto pelos palcos do Brasil?

GL - Quanto ao show Porcelana, onde Eu e Alaíde fizemos juntos, era um desejo antigo e que só agora podemos realizar. Víamos fazendo participações nos shows um do outro ao longo desses 20 anos de convívio. Ela chegou inclusive a fazer uma participação em um dos meus álbuns. Todos ficamos muito satisfeitos com o resultado das duas récitas que fizemos em Recife. O show é regido por uma simplicidade, ao mesmo tempo pontuado por zonas de passagens que assegura uma certa densidade ao espetáculo como um todo. Era tudo que queríamos. Os músicos que fizeram conosco, Alex Sobreira (violão), Adilson Bandeira (clarinete), e Tomás Melo (percussão) arremataram com poesia sonora todo o conceito do trabalho. Através dos nossos produtores em São Paulo e Rio de Janeiro já está assegurado temporadas nas duas capitais. Alaíde por sua vez tem me motivado bastante transformarmos o show em um cd. Por enquanto são papos embrionários, mas que interessa a nós dois, e que certamente a qualquer momento poderemos dá um start nesse desejo. E claro que eu vou adorar se isso acontecer.
Finalizando, quero te agradecer muitíssimo pelo seu interesse em me entrevistar e te desejar muita sorte pela vida afora.


Gonzaga Leal - Agenda (Janeiro)
26/01/12 - Espetáculo "E sentirás o meu cuidado - Gonzaga Leal canta Capiba" - Janeiro de grandes espetáculos - Teatro de Santa Isabel (Recife/PE) - 20hs (informações: (81) 355 3322)
27/01/12 - Show Porcelana com Gonzaga Leal e Alaíde Costa - Casa de Seu Jorge (Recife/PE)- 22hs (Informações: (81) 30341066)
28/01/12 - Show Porcelana com Gonzaga Leal e Alaíde Costa - Casa de Seu Jorge (Recife/PE)- 22hs (Informações: (81) 30341066)

Maiores Informações (shows e aquisição dos cd's):
Leal Produções Artísticas Ltda.
Rua Raul Lafayette, 191 - sala 403
Boa Viagem - Recife - PE
CEP: 51021-220

Fone/fax: (81) 3463.4635 e 8712.5110

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