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sábado, 15 de fevereiro de 2020

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Nome expressivo dos anos de 1930, Mario Reis atravessou o tempo inovando-se como é possível perceber neste álbum que este ano completa 60 anos.

Por Luiz Américo Lisboa Junior


Mario Reis canta suas criações em HI-FI (1960)


No final dos anos vinte quando a industria fonográfica deu seu grande salto qualitativo criando a gravação elétrica muitos artistas que não tinham voz possante puderam gravar suas músicas, mas se para os compositores essa era uma grande oportunidade, a nova técnica proporcionaria o surgimento também de novos e reveladores intérpretes e um deles foi o cantor carioca Mario Reis. Oriundo de uma família de classe média alta, desde jovem deixou aflorar seus pendores artísticos e procurou sobreviver de seu talento.

Tomou aulas de violão com Jose Barbosa da Silva, o famoso Sinhô, o "Rei do samba" e ingressou na carreira em junho de 1928 gravando na Odeon seu primeiro disco com duas musicas de seu mestre professor, De que vale a nota sem o carinho da mulher e Carinhos da vovó. Seu estilo moderno de interpretar o samba não passou despercebido e no mesmo ano gravou mais quatro discos e oito musicas, com quatro de Sinhô, destacando-se o samba Jura seu primeiro grande sucesso e Gosto que me enrosco. Registrou também a primeira musica gravada do jovem compositor mineiro Ary Barroso com o samba Vou a Penha e em 28 de novembro gravou de Jose Francisco de Freitas, o samba Dorinha meu amor, que foi um dos maiores sucessos do carnaval de 1929. Portanto com dez canções gravadas em seu ano de estréia como intérprete Mario Reis já era um ídolo popular, fato não muito comum, pois como sabemos, são poucos os artistas que tem uma ascenção tão rápida.

O que o diferenciava de seus contemporâneos era sua maneira intimista de cantar o samba, sua voz era suave, sem o vibrato típico dos artistas de sua época, ele fundou um novo estilo interpretativo, sem retórica, com uma emissão vocal reduzida, sintética, e com a capacidade de falar a letra da musica dentro da melodia. Seu estilo único iria revolucionar a estética da musica popular brasileira e criar uma escola que iria ser um dos elementos inspiradores da formação interpretativa dos cantores da Bossa Nova notadamente João Gilberto.

Em sua época Mario Reis foi o mais moderno dos artistas, sua fama e prestigio aumentavam a cada dia e a uma nova gravação, seu repertório é um dos mais significativos da década de trinta, contando êxitos permanentes ate hoje como, Rasguei a minha fantasia, de Lamartine Babo; Agora é cinza, de Bide e Marçal; Quando o samba acabou, de Noel Rosa, além das 24 composições gravadas com Francisco Alves incluindo-se Fita amarela, de Noel Rosa; Formosa, de Nássara e J. Rui; Se voce jurar, e O que será de mim, ambas de Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves.

Surpreendentemente Mario Reis abandonou a carreira em 1936 no auge da fama, retornando apenas em 1939 com dois discos e em 1951 na Continental com quatro discos e oito músicas, sendo quatro antigos sucessos de Sinhô por ele anteriormente registrados além de uma canção de Ary Barroso, Flor tropical e outra de Fernando Lobo, intitulada, Saudade do samba. Vivendo recluso, sem aparições em público, Mario Reis continuava sendo um mito da musica brasileira e uma referencia muito forte, motivos suficientes que levaram Aloysio de Oliveira então diretor artístico da Odeon a convencê-lo a gravar um LP em 1960, o primeiro, portanto, de sua carreira. Convite aceito, Mario antes de entrar no estúdio impôs a condição de escolher sozinho o repertório do disco, que incluía antigos sucessos como, O que vale a nota sem o carinho da mulher e Deus nos livre do castigo das mulheres, de Sinhô; Mulato bamba, de Noel Rosa; A tua vida é um segredo e Rasguei a minha fantasia de Lamartine Babo. Solicitou ainda que Tom Jobim escrevesse para ele duas músicas inéditas e Tom que o considerava um precursor da Bossa Nova fez sozinho o samba, Isso eu não faço, não e em parceria com Vinicius de Moraes compôs, O grande amor. O disco ainda incluiu uma música também inédita do pianista Mario Travassos de Araújo intitulada, Palavra doce. Os arranjos foram do maestro Lindolfo Gaya e a orquestra que o acompanhou foi de Oswaldo Borba, na contra capa um texto biográfico de Lucio Rangel.

Apesar da maturidade as características vocais de Mario Reis ficaram inalteradas demonstrando todo seu virtuosismo e confirmando tudo que sobre ele já se havia dito, contudo, agora se poderia ouvi-lo em plenitude, sem as deficiências técnicas dos antigos 78 rotações. Ah! o nome do LP é, Mario Reis canta suas criações em hi-fi (alta fidelidade para os mais jovens). Precisa dizer mais alguma coisa para considerá-lo fundamental? É so ouvir e conferir, e importante, o LP foi relançado em CD numa coleção intitulada 2 em 1.

Itabuna, 26 de janeiro de 2005.




Músicas:
1) Palavra doce (Mario Travassos de Araújo)
2) Vamos deixar de intimidade (Ary Barroso)
3) O que vale a nota sem o carinho da mulher (Sinhô)
4) Yayá boneca (Ary Barroso)
5) Mulato bamba (Noel Rosa)
6) Rasguei a minha fantasia (Lamartine Babo)
7) Isso eu não faço, não (Tom Jobim)
8) Deus nos livre dos castigos das mulheres (Sinhô)
9) Linda Mimi (João de Barro)
10) A tua vida é um segredo (Lamartine Babo)
11) Vai-te embora (Francisco Matoso e Nonô)
12) O grande amor (Tom Jobim e Vinicius de Moraes)

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