Por Luiz Américo Lisboa Junior
Adoniram Barbosa (1974)
A história da formação do povo brasileiro tem origem no processo de miscigenação ocorrido durante a colonização portuguesa que nos primeiros anos de sua permanência em nossas terras ao relacionar-se com as índias nativas proporcionou o surgimento da nossa civilização, depois vieram os negros trazidos da África para a triste missão de serem escravizados, tivemos também contato com holandeses e franceses e assim muitos outros povos vieram mais tarde abrigar-se em nosso solo constituindo famílias cujos descendentes apesar de em muitos casos manterem a fidelidade à sua cultura acabaram incorporando-os ao clima tropical brasileiro dando origem ao nosso maior patrimônio, a pluralidade racial e cultural cujo convívio harmônico nos diferencia da maioria dos povos do planeta.
Inegavelmente a contribuição estrangeira na formação da nação brasileira é tão importante e necessária para a compreensão de nosso modo de ser, ou seja, para explicar o nosso comportamento que não se consegue mais separar as tradições e os hábitos daqueles que aqui se estabeleceram e criaram raízes, pois acabaram tornando-se todos brasileiros, cúmplices de uma nação mestiça que adquiriu maturidade cultural própria sabendo com maestria perceber as diversas influencias a que foi submetido, incorporá-las ao seu cotidiano e dar-lhe um caráter definitivo nacional, mérito talvez dificilmente igualado por outros povos. Eis aí o mistério pátrio, a unificação pluriracial invejada por muitos e motivo de orgulho para todos nós.
Seja nas artes plásticas, no teatro, cinema ou na música popular a presença estrangeira foi um dos componentes fortes de consolidação da cultura brasileira, pois seus protagonistas nacionalizaram-se a tal ponto que o Brasil passou a ser a sua pátria, outros foram os filhos de imigrantes, portanto, brasileiros, mas que não tirariam de seu olhar a cultura ancestral, contudo, ela precisaria ser transformada num modelo tipicamente nacional com características próprias. Quem soube muito bem se aproveitar da sua tradição importada e nacionalizá-la criando um regionalismo urbano na musica popular que marcaria definitivamente a identificação do povo paulista fruto dessa miscigenação foi Adoniran Barbosa, ou João Rubinato, seu verdadeiro nome, nascido em 6 de agosto de 1910 na cidade de Valinhos interior paulista filho dos imigrantes italianos Fernando e Emma Rubinato.
Sua vida foi inteiramente dedicada a arte atuando no radio, cinema, teatro, televisão e na musica como compositor, esta a atividade que lhe deu mais notoriedade. Foi ao seu tempo o cronista das ruas, becos e avenidas da cidade de São Paulo, percebendo o calor de sua gente, suas transformações, a contribuição estrangeira em seu crescimento, enfim, Adoniram foi o porta-voz sonoro de uma cidade que ele viu no século vinte crescer e tornar-se orgulho nacional pela sua pujança econômica e a força de todos que nela foram conquistar um lugar ao sol e construir a sua riqueza. Poucos como ele conseguiram captar a essência paulistana dando-nos a impressão que seu espírito permanece ainda em cada canto, em cada monumento, no olhar e andar de seus moradores, enfim, na sua alma, assim Adoniram e São Paulo acabaram fundindo-se num so corpo, numa unidade indivisível.
Depois de tornar-se uma dessas raras unanimidades quando a glória já lhe beijava os pés após quase cinqüenta anos de atividade artística era chegada a hora de ele mesmo registrar suas próprias musicas imortalizadas já há muito por outros intérpretes. Assim em 1974 a convite do produtor musical J. B. Botezeli, o Pelão, foi convidado para gravar um disco na Odeon, em suas instalações paulistas. Acompanhado por um time de excelentes músicos como, Xixa no cavaquinho, Marçal na percussão, Miranda e Theo de Barros no violão, o LP teria arranjos e regências do maestro Jose Briamonte que procurou dar um caráter simples aos arranjos a fim de preservar a naturalidade do compositor, a única exceção por ele concedida foi no samba canção Bom dia tristeza, de Adoniram e Vinicius de Moraes, incorporando uma introdução de violinos e violoncelos.
Após a gravação o disco foi submetido a censura federal, estávamos no governo Médici e os “intelectuais” da censura, acharam por bem cortar duas musicas, Samba do Arnesto e Um samba no Bixiga, alegando que a primeira era permeada de erros de português, o que ia de encontro a política de erradicação de analfabetismo realizada através do Mobral e a outra por causa de uma breve citação aos militares considerada por eles insultuosa. Absurdos de uma ditadura preconceituosa e diminuta em densidade intelectual. Mas eles detinham o poder e apesar dos apelos do produtor o disco acabou saindo sem essas canções, e sim com o seguinte repertório: Abrigo de vagabundos, As mariposas, Saudosa maloca, Iracema, Já fui uma brasa, com Marcus César, Trem das onze, Prova de carinho, com Herve Cordovil, Acende o candieiro, Apaga o fogo Mané, Véspera de natal, Deus te abençoe, de Peteleco e a já citada Bom dia tristeza, com Vinicius de Moraes.
O lançamento deu-se em julho de 1974 e o LP tornou-se um clássico da musica brasileira aclamado pela imprensa. Dentre os inúmeros comentários favoráveis destaca-se o do critico Jose Ramos Tinhorão publicada em sua coluna do Jornal do Brasil de 1 de agosto de 1974, quando afirma que “para quem sabe apreciar um bom prato regional em termos de música popular, não há melhor oportunidade do que esta. Adoniran é o que há de mais puro em sabor paulistano, em matéria de musica popular”.
Aí esta, portanto um disco fundamental da musica popular brasileira, pois, Adoniran Barbosa com sua arte representa e reafirma a nossa democrática pluralidade cultural contribuindo para nos conhecermos cada vez mais e melhor.
MÚSICAS:
1) Abrigo de vagabundos (Adoniran Barbosa)
2) Bom dia tristeza (Adoniran Barbosa/Vinicius de Moraes)
3) As mariposas (Adoniran Barbosa)
4) Saudosa maloca (Adoniran Barbosa)
5) Iracema (Adoniran Barbosa)
6) Já fui uma brasa (Adoniran Barbosa/Marcus César)
7) Trem das onze (Adoniran Barbosa)
8) Prova de carinho (Adoniran Barbosa/Hervé Cordovil)
9) Acende o candieiro (Adoniran Barbosa)
10) Apaga o fogo Mane (Adoniran Barbosa)
11) Véspera de natal (Adoniran Barbosa)
12) Deus te abençoe (Peteleco)
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