Ela prefere descansar antes de acelerar as atividades na Fundação de Educação Artística, onde dará curso intensivo de formação em seu instrumento neste mês
Por Ana Clara Brant
'As famílias (dos alunos da Fundação de Educação Artística) não necessariamente estão querendo que os filhos se tornem um talento excepcional, mas sabem que a formação e a educação musical são fundamentais para todo ser humano. Quem dera todos tivessem essa oportunidade', Berenice Menegale, pianista e diretora-executiva da Fundação de Educação Artística (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press )
Berenice Régnier Menegale nasceu em Belo Horizonte, num dia 1º de janeiro. O ano era 1934. Para o seu aniversário de 85 anos, hoje, a pianista não planejou comemorações. “Fujo do meu aniversário (risos). Geralmente passo o réveillon na casa do meu irmão, em Lambari, no Sul de Minas, e aí já fico por lá mesmo. Final de ano a gente costuma ficar tão cansada que desanima um pouco de comemorar. Fica com vontade de descansar um pouquinho”, diz.
A pausa na virada de ano serve para recarregar as energias da professora de música e diretora-executiva da Fundação de Educação Artística (FEA), que já programou para este mês de janeiro oferecer um curso intensivo de piano. Essa é uma das novidades da entidade sem fins lucrativos que ela ajudou a criar em 1963, ao lado de amigos e colegas. “Não dá nem para tirar férias. Agora é a época de fazer o planejamento do semestre, do ano, e as matrículas já estão abertas. A gente praticamente não para”, afirma.
Questionada sobre o que gostaria de ganhar de presente, ela não titubeia: patrocinadores. A escola acaba de encerrar a sétima edição do projeto “Transforme seu imposto de renda em música”, que incentiva apoiadores a destinar parte de seu IR para o programa de bolsas de estudos da Fundação. Berenice salienta que essa foi uma das alternativas buscadas pela FEA para garantir sua sobrevivência. “A Fundação não tem vínculo com nenhuma instância, nem particular nem oficial. É uma instituição autônoma, sem fins lucrativos. E, com essa crise, nossos patrocinadores se reduziram muito. Sempre enfrentamos dificuldades, mas este é um dos momentos mais delicados”, admite. Ela afirma que, apesar do turbulento momento financeiro, funcionários, alunos e voluntários da instituição conseguiram manter seu entusiasmo e dedicação. “Acreditamos muito na força da educação musical e da música. Por isso não desistiremos.”
Ao longo dos seus 55 anos de existência, a Fundação de Educação Artística formou cerca de 10 mil alunos, segundo os cálculos de Berenice. Por ali passaram talentos como Chico Amaral, Trio Amaranto, Grupo Oficcina Multimédia, além do compositor, arranjador e construtor de instrumentos Marco Antônio Guimarães. “Ele foi nosso professor e criou o Uakti aqui dentro”, lembra a pianista. Com sede no bairro Funcionários, a entidade oferece formação musical para crianças (a partir dos 4 anos), jovens e adultos no modelo de cursos livres, ou seja, cursos que não têm qualquer vinculação com programas e instituições oficiais, em formatos e horários variados.
Em 2019 a FEA introduzirá uma atividade de entre seus cursos regulares e um específico para aperfeiçoamento. “Alunos que já fizeram um bacharelado e querem prestar um concurso ou, por exemplo, ingressar em uma orquestra, vão ter essa opção. É um acompanhamento individual com professores renomados”, diz ela. O curso intensivo de férias de piano, ministrado por Berenice Menegale, a partir do dia 14 de janeiro, com opções de manhã e à tarde, é outra novidade deste ano. “São 18 horas ao todo, três vezes por semana. É para ensinar como estudar piano e como formar um repertório”, explica.
OBJETIVOS
Embora a FEA já tenha ultrapassado meio século de existência, Berenice diz não enxergá-la como uma obra acabada e afirma que ainda há muitas ideias e sonhos a realizar. Os objetivos que nortearam sua criação, no entanto, são os mesmos, segundo ela diz. “Desde o princípio, a ideia era oferecer cursos livres e que a instituição não tivesse vínculo com nenhuma instância. Mantivemos isso e, apesar das dificuldades que isso causa, porque não temos nenhum tipo de subvenção, por outro lado, nos dá uma liberdade de fazer a nossa proposta, do jeito que quisermos, de mudarmos quando quisermos, sem precisar de autorizações oficiais. E isso é muito importante para a gente.”
Os estudantes da Fundação são basicamente crianças e jovens de classe média. Berenice salienta que boa parte dos pais que matriculam os filhos nos cursos da FEA o fazem por dar imenso valor a uma formação cultural e artística para seus filhos. “As famílias não necessariamente estão querendo que os filhos se tornem um talento excepcional, mas sabem que a formação e a educação musical são fundamentais para todo ser humano. Quem dera todos tivessem essa oportunidade”, diz.
A pianista ressalta que é grande também a procura por parte de estudantes de classes menos favorecidas, daí a importância das bolsas. “Temos tido uma demanda cada vez maior de pessoas de baixa renda. Elas não têm condições de pagar, mas têm muito talento. Muitos desses jovens atendidos têm tido um alto índice de profissionalização – saem daqui preparados para qualquer vestibular e ainda conseguem fazer parte de orquestras e grupos de renome.”
Avessa a comentar sobre sua vida pessoal, a pianista e educadora é eloquente quando fala sobre seu trabalho e a Fundação de Educação Artística. “É isso que é importante”, justifica. Filha do professor e ex-reitor do Colégio Estadual Heli Menegale e de Odette Régnier, ela tem mais quatro irmãos – três são vivos. A descoberta da música ocorreu dentro de casa. “Minha mãe sabia tocar piano, como boa parte das moças da geração dela. Mas o piano ficou um pouco de lado, porque ela tinha que cuidar das crianças. Acabei descobrindo aquele instrumento maravilhoso dentro de casa com apenas 3 anos e comecei tocando de ouvido. Não teve jeito. Isso acontece com muitas crianças. Ter um instrumento em casa é uma oportunidade para se descobrir esse universo”, afirma.
ESTUDOS
No final da década de 1930, a capital mineira não contava com escolas específicas de formação musical para crianças. Mas a chegada de uma professora de fora, que tinha um trabalho dedicado aos talentos infantis, começou a moldar a trajetória de Berenice Menegale. Aos 15 anos, ela foi estudar em Paris e teve a companhia da mãe na capital francesa. Pouco tempo depois, acabou se diplomando pela Academia de Música de Viena, na Áustria.
Durante a temporada europeia – mesmo já iniciando uma carreira como solista – Berenice passou a vislumbrar um trabalho dedicado à educação. “Quando voltei ao Brasil, com 29 anos, acabei idealizando, ao lado de amigos, o projeto da Fundação de Educação Artística. Ficou cada vez menos importante para mim a minha profissão de pianista, que eu nunca deixei. Continuo tocando até hoje, mas foi suplantada com o tempo que dedico ao meu trabalho. A Fundação me absorveu e me absorve demais. O peso foi muito maior para esse lado da formação, da educação, mas nunca deixei de tocar”, enfatiza.
Berenice diz que ensinar é, na verdade, uma grande oportunidade de aprendizado para o professor. “O maior prazer é receber alunos que amam o que fazem. O prazer do professor vem da disposição do aluno. Costumo dizer que não é meramente uma aula de piano. Quem está sendo formado é o aluno através do instrumento. Por isso friso que a música não é tão importante, mas a educação musical. É a chance de a criança ser educada com música, que é algo extraordinário.”
FUNDAÇÃO DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA (FEA)
Cursos livres. Matrículas abertas para as turmas do 1º semestre de 2019 e para o curso de férias. Rua Gonçalves Dias, 320, Funcionários. De segunda a sexta, das 8h às 18h. Mais informações: (31) 3226-6866 e pelo e-mail: contato@feabh.org.br
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