Páginas

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

TITO MADI FOI CANTOR E COMPOSITOR REFINADO

Nos anos 50 ele contribuiu para modernizar a música brasileira

Por José Teles

Tito Madi, moderno nos anos 50


Falecido ontem, no Rio, aos 89 anos, em consequência de pneumonia e complicações renais, o paulista (de Pirajuí) Tito Madi (Chauki Madd, o nome real) foi um dos cantores com voz de “mormaço”, como se dizia então, que modernizaram a música popular brasileira no início da década de 50. Vítima de um AVC em 2008, pouco se ouvia falar em Tito Madi, que quase sempre era lembrado por Chove Lá Fora, um clássico da dor-de-cotovelo (de 1957), embora não se paute pela linha dramática do samba canção. Chove Lá Fora fez carreira internacional, em gravação de The Platters, em 1958. A versão em inglês, It’s Raining Outside é assinada por Buck Ram, autor de Only You (and You Alone). Os Platters gravaram mais duas composições de Madi.

Curioso é que a inspiração para a canção, que começa com os versos “A noite está tão fria/chove lá fora”, chegou num dia intensamente ensolarado. Tito Madi se encontrava de férias, em Pirajuí, protegendo-se da canícula, à sombra de uma árvore de copa frondosa, quando lhe veio a ideia para a música: “Fazia um sol forte, mas chovia dentro de mim”, esclareceu, em entrevista ao programa Ensaio, da TV Cultura.

Tito Madi, assim como Johnny Alf, entre outros, são considerados precursores da bossa nova, não pela interpretação sem vibrato e letras comedidas, e, sim, pelas harmonias sofisticadas, aprendidas dos músicos de jazz que escutavam. Madi lançou o primeiro LP de 10 polegadas em 1958, quando João Gilberto se tornou, de um dia para o outro, a sensação da música brasileira, em 78 rotações com Chega de Saudade. Dick Farney, Johnny Alf e Tito Madi identificaram na música que o baiano cantava ecos do que faziam já há algum tempo. Madi, em entrevista da época à revista Radiolândia, afirmava:

“Comecei em 55 a fazer samba falado e cantando baixinho”. Comparava-se a Tom Jobim: “No fundo não existe diferença entre a minha música e a de Tom. Ele faz as coisas com mais técnica, em se tratando de um maestro arranjador. Minha música é mais espontânea, e nasce quase sempre da tristeza”. Não citava João Gilberto nominalmente, mas lhe aplicou umas alfinetadas: “Estes sambas bossa nova são um pouco comerciais. Exemplo: as melhores composições de Tom Jobim, não são as mais vendidas ...” Ou seja, as que João Gilberto gravava, feito Chega de Saudade.




BOSSA

Farpas foram trocadas de lado a lado, culminando, em 1961, com os dois indo, para usar um termo da época, às vias de fato nos bastidores do Teatro Record, em São Paulo. O baiano ensaiava com Elizeth Cardoso, quando Tito Madi deu-lhe um soco. João Gilberto revidou quebrando o violão na cabeça do desafeto, que foi levado ao Hospital das Clínicas, com um corte no couro cabeludo. Só fizeram as pazes em 2008, quando João Gilberto convidou Madi para assisti-lo no Teatro Municipal do Rio. Tito Madi não pôde ir, na época estava debilitdo pelo AVC. João incluiu Chove Lá Fora no repertório do show.

Ao contrário de Ary Barroso ou Antônio Maria, críticos da bossa nova, Tito Madi mostrou que também sabia compor naquele estilo. Lançada por Wilson Simonal, em 1963, Balanço Zona Sul, tornou-se um clássico da bossa nova, com tantas, ou talvez mais, regravações quanto Chove Lá Fora. Madi acompanhou a evolução musical dos anos 60, da bossa nova para a MPB. Em 1968, lançou Tito Madi em Nova Dimensão, com arranjos e piano de Oscar Castro Neves e o violão de Rildo Hora. Nos anos 70, o samba-canção voltou à moda, agora chamado de música de fossa (fossa substituiu “dor de cotovelo) e ele fez sucesso com quatro discos dedicados ao estilo.

Tito Madi apresentou-se em público, pela última, em 2015, para divulgar o CD Quero Te Dizer Que Eu Amo, gravado com o pianista Gilson Peranzzetta: “Pouco antes de se internar ele teve uma grande alegria, que foi receber o CD da Nana Caymmi com músicas dele. Foi um CD inacabado que o produtor levou. Ficou muito realizado”, relatou Carmem Bulcão, filha do cantor. O cantor pernambucano Gonzaga Leal usou sua página no Facebook para lamentar a morte de Tito Madi, de quem era amigo, e para lhe prestar uma homenagem. O compositor o havia presenteado com a bossa Duas Janelas, uma parceria inédita com Capiba, que gravou no disco Gonzaga Leal canta Capiba... E Sentirás o Meu Cuidado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário