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quarta-feira, 8 de agosto de 2018

AOS 75, MILTON ESTÁ CHEIO DE PROJETOS, MAS DESCRENTE NO BRASIL

Cantor tem gravado clipes e anuncia que lançará em breve nova parceria com jovem artista. 

Por Mariana Peixoto 


O cantor Milton Nascimento fez show diante de uma Praça da Liberdade lotada, como atração principal do Festival de Inverno de Bonito. 


Bonito – “Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida: estes são imprescindíveis.”

Os versos de Bertolt Brecht que Milton Nascimento recita, em espanhol, durante o show Semente da terra, antecedem Sueño con serpientes (do cubano Silvio Rodriguez), que ele gravou em dueto com Mercedes Sosa. A citação brechtiana refere-se a milhares de homens e mulheres. E (por que não?) também a si mesmo.

Milton Nascimento tem 75 anos de luta – completa 76 em 26 de outubro. A fragilidade que ele demonstra em entrevista antes do show no Festival de Inverno de Bonito (MS) – do qual foi a atração principal – desvanece no palco. Ali, Milton se agiganta.

As mãos trêmulas não o impedem de empunhar o violão para tocar, entre outras, Nos bailes da vida. Os vocalises em Coração de estudante (dedicada a Marielle Franco e Anderson Gomes) e Clube da esquina n.2 (o maior dos momentos de uma apresentação cheia de grandes momentos) impactam muito mais do que a conversa que ele entabula, timidamente, com a plateia.

Milton é da voz, não das palavras. Mas em Bonito, cidade onde se apresentou pela primeira vez, ele falou. “Esse meu filho aqui se tornou meu empresário. Graças a Deus, porque tudo começou a dar certo. Quando mudei para Juiz de Fora, estava mal de saúde, mal de tudo. Ele tomou conta de mim. Toma até hoje e é o responsável por eu, inclusive, estar aqui.”

Na entrevista ao Estado de Minas, Milton tinha ao seu lado esquerdo o produtor e assessor de imprensa, Danilo Nuha; ao lado direito, o filho e novo empresário, Augusto Kesrouani Nascimento. No papel, Augusto, de 25 anos, formado em direito, se tornou filho de Milton em 2017. Mas a relação vem de mais de uma década.

“Quando fui para Minas”, diz Milton, que vive há pouco mais de dois anos na cidade da Zona da Mata, “fui por causa dele. Ele (que estudava em Juiz de Fora) ia todo fim de semana para o Rio, ia e voltava, ia e voltava. Acabou ficando muito pesado, né? Teve um dia que ele foi me buscar lá no Rio e me apresentou uma casa. Falei: ‘Poxa, quero morar aqui’. Conta você”, diz Milton, olhando para Augusto.

“Aí ele já ficou lá”, completa o filho, dando sequência à conversa. Milton acrescenta: “O lugar que eu estava morando no Rio... O teto caiu.” “Deu cupim, estava caindo”, explica Augusto. “Fui para Juiz de Fora e nunca mais voltei. Graças a Deus.”

A saúde debilitada fez com que Milton ficasse fora do circuito de shows por um ano. O retorno se deu em março de 2017, com a estreia de Semente da terra (no Palácio das Artes, que voltou a recebê-lo há poucos meses e, mais uma vez, com ingressos esgotados). A turnê termina no fim do ano.

Apresentar Semente da terra no Mato Grosso do Sul – a Praça da Liberdade, em Bonito, lotada de uma plateia respeitosa e emocionada – tem um significado maior. A turnê é uma homenagem aos guarani kaiowá, nação indígena do estado.

“Desde que eu era rapazinho, sempre fui chegado aos índios, e eles a mim. Em 2010, estive em Campo Grande (onde Danilo e Augusto nasceram) fazendo um show. Quando vi, chegou lá um pessoal com uma foto minha, gente de várias nações indígenas (37 líderes espirituais). Quando fui fazer o bis, eles foram ao palco. O chefe pintou a minha cara de preto, outros chegaram e falaram que meu nome, a partir daquela noite, era Ava Nheyeyru Iyi Yvy Renhoi”, conta Milton.
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Em português, o nome quer dizer semente ancestral que germina na terra – ou, simplesmente, semente da terra. O repertório faz uma costura interessante dos grandes sucessos e de canções de cunho político-social (Credo, O cio da terra, Lágrimas do sul). Essa porção do show remete ao final dos anos 1970 e meados dos 1980, período da redemocratização e das Diretas-Já.

Entretanto, Milton não vê tanta esperança no país. A menos de três meses da eleição presidencial, ele diz: “Para dizer a verdade, não estou acreditando muito no Brasil que está por aí. As pessoas que vão se candidatar... Não estou vendo ninguém em quem eu possa acreditar. É isto. Muita coisa acontecendo por trás que não vale a pena. Não sei que Brasil podemos esperar”.

O falar de Milton sempre foi de poucas e pausadas palavras – e alguns silêncios. Hoje, ele fala com mais fluência e graça do passado. Contou com gosto – e algum humor – o encontro com Fernando Brant em Travessia, a parceria inaugural da dupla. A canção completou 50 anos no fim de 2017.

Presente e, principalmente, futuro, ficam a cargo de Augusto. Uma versão acústica de Maria, Maria, parceria com Brant de 1976 que virou um hino pelo direito das mulheres e ganhou nova força recentemente, foi lançada em maio. Ainda neste mês, será lançado o clipe, gravado com a participação de atrizes como Zezé Motta, Camila Pitanga e Sophie Charlotte.

“Tem muito a ver com tudo o que está acontecendo com as mulheres”, resume Milton, dando espaço para Augusto explicar o projeto. “Comecei a mexer nas coisas da carreira toda e vi que não tinha um clipe de Maria, Maria. Com o momento atual, o tema muito debatido, tive a ideia de fazer o clipe.”

Além desta, outras 10 canções em formato acústico foram gravadas. O material, que fará parte do novo álbum de Milton, deverá ser lançado até dezembro. Das canções, somente uma é inédita na voz do cantor.

Este é um dos projetos nos quais Milton Nascimento está envolvido. Há ainda a gravação de um especial produzido pela Gullane Filmes em parceria com o Canal Brasil. E, depois de Tiago Iorc – “Já saiu uma música, nós temos outra, mas ainda tenho que mexer nisso”, conta Milton – ele gravou recentemente com outro jovem artista. O nome deverá ser anunciado em breve, Augusto diz. Milton, ao lado, apenas assente. Pois venha o que vier.

Bituca e o filho Augusto Kesrouani Nascimento dão entrevista ao Estado de Minas. 



O MALETTA, O PAPEL E A MOÇA DA AVENIDA
Milton conta como se deu a parceria com Fernando Brant que resultou em Travessia

“Eu estava morando em São Paulo e fiz três músicas. Uma, que não tinha letra ainda, não era música para meus outros parceiros. Pensei no Fernando Brant, que era muito legal, legal demais. Peguei um ônibus para Belo Horizonte, Viação Cometa. Encontrei com ele no Maletta e falei: ‘Fernando, quero que você faça a letra desta música.’ Ele: ‘Quê isso, Milton! Gosto de música, gosto de você cantando, mas não sei fazer.’ Aí eu falei: ‘Mas você vai fazer.’ Quando voltei a Belo Horizonte, no mesmo lugar, ele estava com um papelzinho. ‘Fernando, o que é isto?’ ‘Não é nada não.’ ‘Fernando, me mostra o que é isto.’ ‘Não, não é nada não.’ ‘Me mostra ou eu vou rasgar essa merda.’ Ele me deu e foi para o banheiro, morrendo de vergonha. 

Era Travessia, a primeira letra que ele fez na vida. Tem uma coisa que teve lá em Belo Horizonte também. A gente descia todos os dias, lá pelas 11 horas da manhã, para ver uma mulher na avenida. A gente ficava desesperado com ela. Então, quando o Fernando me entregou a letra de Travessia, fomos para a casa dele, pois a irmã tinha ganhado um violão do namorado. Estava tocando num lugar quase sem luz quando, de repente, veio uma voz. ‘O que vocês estão tocando aí?’ A gente falou que não era nada. Mas quando ela chegou, eu disse: ‘Fernando, essa aí é a sua irmã?’ Era a menina que passava todo dia na avenida (Maria Célia, a primogênita dos Brant).”

*A repórter viajou a convite da organização do Festival de Inverno de Bonito

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