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segunda-feira, 25 de junho de 2018

NA LEVADA DO PANDEIRO: A MÚSICA DE JACKSON DO PANDEIRO ENTRE 1953 E 1967 - PARTE 01

Por Manuela Fonsêca Ramos*


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RESUMO 

Esta pesquisa apresenta uma análise acerca de uma parte da obra de Jackson do Pandeiro, situada entre os anos de 1953 e 1967. Tal análise busca apontar essa obra como um exemplo importante do hibridismo cultural existente na música popular brasileira. Para compreender melhor tal hibridação, perpassa a nossa análise a formação da identidade nacional e da nordestina, que foram sendo construídas, sobretudo, a partir da década de 1920. Compreendemos esse período da obra jacksoniana como uma contribuição para o redimensionamento das ideias de nacionalidade brasileira e de “nordestinidade”, para que possamos perceber como essas formulações de identidade são, antes, parte de um processo histórico, e não, um dado congelado no tempo e em espaços imóveis. Nesse sentido, este estudo corresponde à linha de pesquisa de História Regional, visto que nos auxilia a compreender a construção de uma dada região, o Nordeste brasileiro, a partir da sua articulação com os agentes e os espaços nacionais e globais. Palavras-chave: Jackson do Pandeiro. Hibridismo. Música popular brasileira. Nacionalismo. Nordeste.


INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é fruto de algumas reflexões. Concordamos com Napolitano quando afirma que “a música tem sido, ao menos em boa parte do século XX, a tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de nossas utopias sociais” (2007, p.7). Desse modo, acreditamos que os historiadores não podem permanecer atados apenas as suas fontes clássicas. Segundo Moraes e Saliba, a historiografia vem avançando nesse sentido, já que, “desde meados da década de 1990, inúmeros trabalhos têm surgido ampliando o horizonte historiográfico e apontando na direção de um campo específico” (2010, p.20). Outras áreas, entretanto, já trilharam esse caminho há mais tempo. Esse fato nos direcionou a estabelecer um forte diálogo com diversos campos do conhecimento – Antropologia, Sociologia, Comunicação Social e Etnomusicologia – a fim de que o saber histórico possa avançar em seu saber ouvir e pensar aquilo que ouve.

Uma segunda reflexão diz respeito à inquietação provocada ao se verificar a quantidade de estudos relacionados à música popular no Brasil, dentre os quais se privilegia o gênero samba. Em função disso, Baia mapeou a produção historiográfica da música popular brasileira no terceiro capítulo de sua tese de Doutorado. Nos diversos tópicos – Música e Política; Historiografia e trajetórias individuais, entre outros – que ele aponta como possíveis vieses para se analisarem os estudos acerca da música popular brasileira, apenas o samba, dentre os mais diversos gêneros populares existentes no Brasil, corresponde sozinho a uma categoria de abordagem. Baia justifica tal necessidade pelo fato de que

[...] foi fundamentalmente em torno do gênero –
o samba carioca elevado à condição de música nacional –
que se estruturou toda uma corrente de memorialistas,
jornalistas, colecionadores, pesquisadores e historiadores,
em estreita relação com o campo de produção [...] (2011, p.96.)

Outra inquietação que nos conduziu ao nosso objeto de estudo diz respeito à indagação de qual seria o papel da música popular brasileira produzida no Nordeste, diante da centralidade dada às músicas produzidas na Região Sudeste, a exemplo da valorização do gênero samba com o advento do rádio. Essa última reflexão, que não deixa de ser parte da segunda, surgiu ao verificarmos que determinadas produções musicais, associadas aos gêneros oriundos do Nordeste brasileiro, são prontamente classificadas como regionais – como Elba Ramalho, Alceu Valença e Luiz Gonzaga, por exemplo – enquanto as produções 12 vinculadas ao samba são indubitavelmente enquadradas na categoria de nacionalidade. Para aprofundar tal reflexão, optamos por estudar as músicas compostas e/ou interpretadas por Jackson do Pandeiro , entre 1953, ano de sua ascensão na mídia nacional, e 1967, que consideramos aqui como um divisor de águas na carreira de Jackson.

O estudo das obras musicais de tal artista é importante para o conhecimento histórico, na medida em que é considerado um grande representante da música popular brasileira e nordestina. Segundo Santos, Jackson do Pandeiro, João do Vale e Luiz Gonzaga são os membros formadores daquilo que ele denominou de “santíssima trindade da música nordestina” (2004, p.71). A homenagem feita a Jackson do Pandeiro, em 1997, no 11º Prêmio da Música Brasileira, assim como a inclusão do artista na série Paraíba - nomes do século, publicada no ano de 2000, fizeram-nos atentar para a sua importância histórica. Centramo-nos na obra de Jackson para responder aos nossos primeiros questionamentos pelo fato de que não enxergamos esse artista apenas como um dos grandes ícones da música nordestina, mas também como uma figura que simboliza o quanto as classificações espaciais são fluidas, sobretudo, no que se refere às manifestações culturais. A obra jacksoniana, portanto, aparece aqui, antes, como um agente que problematiza as categorias de abordagem da música popular produzida no Brasil.

Ao longo de sua carreira, Jackson lançou 29 LPs, 21 compactos e 109 músicas em 78 RPM, num total de 433 músicas gravadas, seis regravações e quatro jingles. Comandou, junto com Almira Castilho, o programa intitulado No Forró do Jackson, em 1955, e participou de vários programas de rádio e televisão. Estrelou em nove chanchadas: Tira a mão daí (1956); Batedor de carteira (1958); Minha sogra é da Polícia (1958); Aí vem alegria (1959); Cala a boca, Etelvina (1959); Pequeno por fora (1960); Viúvo alegre (1960); Bom mesmo é carnaval (1961) e Rio à noite-Capital do samba (1962).

A escolha de eixos temáticos foi fundamental para selecionarmos as 17 músicas a serem analisadas, dentre as 268 gravadas no período estudado. As análises foram realizadas privilegiando as letras. Contudo, os arranjos, a interpretação, a harmonia etc., são, por vezes, utilizados para, sobretudo, corroborar aquilo que a letra aponta. As músicas escolhidas contemplam apenas nove LPs, dos 22 produzidos na época pelo artista. Eis os LPs com as respectivas canções analisadas:

Cantando de Norte a Sul (1960) – Filomena e Fedegoso;  Jackson do Pandeiro (1959) – Vou buscar Maria e Chiclete com Banana;  Forró do Jackson (1958) – Meu enxoval, Cumpadre João e Coco do Norte;  Ritmo, melodia e personalidade (1961) – Carta pro Norte e A mulher que virou homem;  Sua Majestade o Rei do ritmo (1960) – Xote de Copacabana e Coco Social;  Os donos do ritmo (1957) – Boi Tungão;  Coisas nossas (1964) – Rio Quatrocentão;  ...E vamos nós (1965) – O assunto é berimbau;  Forró do Zé Lagoa (1963) – Twist, não;  São João Alegre (1962) – Muié moderna.

Dos LPs e compactos, contribuem para a nossa análise as capas e os textos de apresentação existentes nos discos. Também utilizamos uma música gravada no formato 78 RPM - O que era a favela (1958). O compacto duplo, Nortista quatrocentão (1958), também foi utilizado neste trabalho para analisar a canção Boa noite. Já as canções Nortista quatrocentão e Pacífico Pacato não foram esmiuçadas, pois elas serviram mais para corroborar as nossas interpretações. Outras canções tiveram a mesma função dessas últimas, tais como: O trabalhador; Preguiçoso; Cantiga da perua; Direitos iguais; Samba do ziriguidum, entre outras.

Além das canções e dos LPs, consideramos como fonte quatro dos filmes aos quais tivemos acesso: Minha sogra é da Polícia (1958); Cala a boca, Etelvina (1959); Viúvo alegre (1960) e Bom mesmo é carnaval (1961). O documentário realizado sobre Jackson pela TV Cidade, intitulado Uma identidade nacional também foi aqui considerado como fonte. Utilizamos alguns programas de televisão que tiveram Jackson do Pandeiro como tema, a saber: De lá pra cá; Mosaicos e Em algum lugar do passado. Três entrevistas também foram 14 importantes: uma concedida a Zuza Homem de Mello, na rádio Jovem Pan, outra, a Grande Othelo, no programa televisivo Othelo e os cantores, e uma terceira que, assim como a segunda, mescla apresentação musical com entrevista: MPB Especial com Jackson do Pandeiro.

Consideramos a biografia intitulada Jackson do Pandeiro: o rei do ritmo como fonte, assim como o livro A musicalidade de Jackson do Pandeiro, cuja ordenação das canções contribuiu de forma significativa. O memorial de Jackson do Pandeiro, situado na cidade de Alagoa Grande, também nos auxiliou no levantamento das fontes que realizamos. 

O início da década de 1950 foi sobremaneira favorável para a divulgação de artistas provenientes do Nordeste brasileiro, em virtude da popularidade que Luiz Gonzaga vinha adquirindo desde o final da década de 1940. A política cultural varguista apoiava a divulgação de músicas nacionais, e alguns dos representantes do governo consideravam as manifestações populares nordestinas como os exemplos mais autênticos da nacionalidade. Gonzaga contribuiu, pois, ainda que indiretamente, para a ascensão nacional de Jackson. Entretanto, a política nacional-desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek (1956-1961) impulsionou a entrada de capital estrangeiro no país e, com ela, os seus produtos culturais. O cool jazz era um desses produtos que, segundo Tatit, “além do requinte musical [ele também trazia] a ideologia da prosperidade concretizada nos avanços tecnológicos exibidos nas telas de cinema” (2004, p. 48). Foi, portanto, o movimento da bossa nova, surgido em 1958, que traduziu os anseios de uma geração já que,

[...] não podendo dispor da mesma tecnologia para a realização
da forma espetáculo, o músico brasileiro praticava o artesanato
jazzístico e introduzia nas letras das canções uma certa fantasia
otimista que parecia abocanhar uma fatia do sonho americano
(TATIT, 2004, p 48).  


Percebendo a influência cultural dos EUA, em 1959, Jackson gravou a música Chiclete com banana e sugeriu a realização de um movimento cultural hibridatório, traduzido ritmicamente como samba-rock. Em 1958, gravou um compacto denominado Nortista quatrocentão, no qual também fez alusões ao estrangeiro. No entanto, diferente do que ocorreu com a bossa nova, esse diálogo não se concretizou em sua obra de maneira contundente, já que o artista optou por permanecer produzindo canções que reafirmavam as suas referências músico-culturais nacionais. Já a relação de Jackson com a bossa nova foi bastante sólida, sobretudo a partir de 1964. Na verdade, e apesar de muitas de suas músicas citarem a bossa nova como uma referência musical da época, o diálogo que Jackson estabeleceu não foi com a bossa nova lançada no final da década de 1950, mas com um tipo de canção denominada por Napolitano (2007) de “engajada”. Essa tinha suas raízes na bossa nova, mas sua configuração foi aos poucos se afastando desse movimento já que esse tipo de canção passava a ter uma forte conotação política e virou porta-voz do movimento estudantil contra a ditadura – o que ocasionaria a censura de inúmeras produções musicais.

Durante a ditadura, o movimento nacionalista anterior ao golpe civil-militar liderado pelo então presidente João Goulart, foi radicalizado por alguns representantes do movimento de esquerda. Isso ocorreu devido ao estímulo, ainda maior, dado pelos militares à entrada do capital estrangeiro no país, diante do caráter conservador que teve o golpe, que objetivava reprimir os anseios da população no que se refere à luta em busca das reformas de base, encampada pelo governo João Goulart. A música popular brasileira, principalmente, aquela advinda do meio urbano, compactuou esteticamente com essa radicalização, realizando, em julho de 1967, a passeata contra a guitarra elétrica – símbolo musical da influência estrangeira no Brasil. Na década de 1960, porém, o movimento da jovem guarda demonstrava que as influências culturais importadas, que já se faziam sentir na bossa nova, davam o tom da música popular brasileira, o que ajudou a consolidar o rock brasileiro.

Tanto o nacionalismo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek quanto esse que se colocava contra a política dos militares dialogavam com as configurações político e conômicas que se desenhavam no cenário internacional desde o final da Segunda Guerra Mundial. Em Bretton Woods, novas estratégias foram traçadas pelo modelo econômico do bloco capitalista. Através do estímulo dado à entrada de capital externo, Juscelino Kubitschek e a ditadura militar contribuíram para a inserção do Brasil nessa nova lógica econômica. Desse modo, a chamada Guerra Fria e a divisão do mundo em dois polos (socialistas X capitalistas) contribuíram para esses embates político-sociais no Brasil. No acirrado debate ideológico global, o Brasil se posicionou ao lado de um sistema capitalista repaginado. Do ponto de vista musical, a jovem guarda era vista pelos representantes da canção “engajada” como um exemplo desse posicionamento político-econômico.

No final do ano de 1967, dialogando com o movimento da jovem guarda, Jackson gravou o LP denominado A braza do Norte, utilizando-se da gíria característica daquele movimento e que, de acordo com a sua biografia, chegava “[...] ao mercado como um disco de resistência ao avanço do estrangeirismo na música brasileira [uma vez que] propositadamente, incluíra no repertório xotes, toadas, sambas, baiões, balanços e choros” (MOURA; VICENTE, 2001, p. 300). Todavia, se essa resistência, de certo modo, entra em consonância com a crítica que a música popular “politizada” fazia à jovem guarda, a forma com que Jackson a realiza é bastante diferente. Sua obra se distancia da ideia de cultura popular como fruto da consciência revolucionária. Assim, o modo como ele se refere ao chamado iê-iê-iê se aproxima mais de um tom humorístico do que de uma seriedade estética.

A década de 1960 foi representativa para Jackson, seja porque foi um momento importante para os rumos da música popular brasileira, seja por questões particulares, já que 1967 foi seu último ano ao lado da parceira artística e conjugal, Almira Castilho. Também foi em 1967 que ele lançou o seu último LP, sem contar com a coletânea lançada em 1968 pela Philips, antes de sofrer um acidente automobilístico, que teve como consequência a sua imobilidade por quase um ano. Desse modo e diferente da anterior, a década de 1960 – sobretudo a partir da segunda metade – seria marcada pelo seu ostracismo. Portanto, consideramos 1967 como um ano de ruptura em sua carreira artística, visto que não só a produção musical brasileira começava a tomar outros rumos como também a produção do próprio Jackson, que só conseguiu ter visibilidade nacional novamente com a releitura das suas gravações realizada pelos tropicalistas Gal Costa, em 1969, e Gilberto Gil, em 1972.

Assim, após o ano de 1967, a obra de Jackson do Pandeiro estabeleceu outros diálogos, não só com os tropicalistas, mas também com uma nova geração de músicos advindos do Nordeste, como Geraldo Azevedo, Elba Ramalho e Alceu Valença. O encontro com este último fez com que Jackson utilizasse, em 1978, durante as apresentações no Projeto Pixinguinha, os timbres elétricos da guitarra. Apesar disso, segundo Moura e Vicente, esse seria um período em que “Jackson e o grupo Borborema inaugurariam uma nova fase em suas carreiras, a partir daí, voltando a manter um contato mais próximo com o público nordestino em suas cidades de origem” (2007, p.313).

Afirmamos que a obra de Jackson do Pandeiro pode ser considerada como uma manifestação popular. Então, para que nela possamos nos aprofundar, precisamos delimitar o que compreendemos como cultura popular. Canclini define a popular como

[...] aqueles que não têm patrimônio ou não conseguem
que ele seja reconhecido e conservado; os artesãos
que não chegam a ser artistas, a individualizar-se, nem a participar
do mercado de bens simbólicos “legítimos”; os espectadores
dos meios massivos que ficam de fora das universidades e dos
museus, “incapazes” de ler e olhar a alta cultura
porque desconhecem a história dos saberes e estilos (2011, p.205) 

Ora, Jackson, filho de um oleiro e de uma cantadora de feira, adveio de uma classe social que não tinha acesso aos bens culturais do saber culto. Para ilustrar essa afirmativa, demonstremos a forma como Jackson, ainda em Alagoa Grande, conheceu um instrumento associado às classes mais abastadas, o piano:

Foi [...] na casa de Francisco Peregrino Albuquerque Montenegro,
que o molecote Jackson travou o seu primeiro contato
com o instrumento. De ouvido. Vai passando pela calçada
do magistrado e escuta a sua filha, Dulce, treinando a escala musical:
“Lá, lá, lá, ri, lá, lá, lá”. Para e fica ouvindo um bom tempo.
Não consegue visualizar o objeto que emite aqueles sons,
mas grava o timbre e a cadência do “bicho”
(MOURA; VICENTE, 2001, p.28- 29).

A percepção que traria desse instrumento, que não tinha representatividade no cotidiano popular do artista – diferente da zabumba, do ganzá, do pandeiro, da sanfona etc. – ficaria clara quando, “[...] anos mais tarde, já em Campina Grande, [ele] se recusaria a acompanhar um músico numa boate ao ser informado que o rapaz, Jaime, iria tocar piano” (MOURA; VICENTE, 2001, p.29). A incompreensão das possibilidades do instrumento estava, pois, atrelada à falta de acesso à cultura formal a que o piano se associava. Ele não frequentou escola e só foi alfabetizado aos 35 anos, por Almira Castilho. Portanto, viveu parte de sua vida como analfabeto. 

Ainda de acordo com Canclini, o povo “começa a existir no debate moderno no fim do século XVIII e início do XIX, pela formação na Europa de Estados nacionais que trataram de abarcar todos os estratos da população” (2011, p.208). Entretanto, o saber erudito, a partir da perspectiva da polarização entre ele e o saber popular, tendia, por vezes, a compreender as manifestações populares como algo inferior, ultrapassado, e que precisa ser superado, leia-se “modernizado”. De tal modo, a cultura popular, tida como atrasada, foi e é, muitas vezes, tomada como uma forma de expressão menor em relação à cultura erudita, o que nos dá a impressão de que é possível compreendê-las separadamente. Esse processo social de categorização binominal das manifestações culturais, que tem como intuito colocar em um patamar acima aqueles valores advindos das formas mais cultas de percepção do mundo, advém da constante busca de uma parte da sociedade por assegurar o seu lugar social privilegiado, diferenciando-se, pois, das camadas populares.

Apesar de todos esses processos teóricos de dissociações, os românticos procuraram, nos fragmentos das “coisas populares”, a ideia necessária para que se estabelecesse o elo de nacionalidade. Na própria busca pela consolidação do Estado Moderno, no século XIX, os intelectuais europeus debruçaram-se nos estudos acerca da cultura popular. Nesse caso, o olhar sobre as práticas populares, associado geralmente aos folcloristas, é passadista e busca, nostalgicamente, resgatar e/ou preservar um passado idílico rumo ao encontro da “verdadeira” origem do povo de um determinado Estado, por mais que tal origem possa parecer excêntrica. Segundo Certeau (2005), essa busca por uma cultura popular como patrimônio e representação de uma unidade, efetuada pelos estudiosos franceses do século XIX, nada mais é do que uma (inútil?) tentativa de traçar a sua própria origem. Assim, o incessante retorno às origens parece ser uma forma de apregoar, um tanto quanto demagogicamente, um interesse pelas “coisas populares” sem, no entanto, abrir espaço para as formações culturais populares que são contemporâneas aos estudos que estão sendo feitos. Desse modo,

[...] os românticos se tornam cúmplices dos ilustrados.
Ao decidir que a especificidade da cultura popular reside
em sua fidelidade ao passado rural, tornam-se cegos às mudanças
que a redefiniam nas sociedades industriais e urbanas.
Ao atribuir-lhe uma autonomia imaginada, suprimem a possibilidade
de explicar o popular pelas interações que tem com a nova
cultura hegemônica. O povo é “resgatado”, não conhecido
(CANCLINI, 2011, p.210). 

Ao estudar a cultura popular, não podemos deixar de atentar para essas heranças de categorização ocidental das “coisas populares”, a fim de não corrermos o risco de cair em determinadas análises pouco aprofundadas e banalizadas, tendentes a idolatrar ou a depreciar as manifestações populares. Entendemos que é complicado pensar a cultura popular nesses termos, uma vez que não podemos deixar de perceber que a análise de uma dada cultura popular – seja ela positiva ou negativa – é quase sempre fruto de um olhar de fora, que tende a homogeneizá-la, simplificando as complexidades existentes dentro dessas manifestações. Uma saída metodológica para amenizar essas simplificações reside, para o historiador, na eterna procura por uma variedade de fontes que nos auxiliem não a descobrir a “verdade”, mas a construir uma síntese do que possa ter sido possível. Outra tática que pretendemos adotar relaciona-se à busca de uma compreensão da cultura popular que não a compartimente em determinadas lógicas interpretativas, que terminam por cristalizá-la.

Na tentativa de fugir dessas compreensões que estigmatizam as manifestações populares, a ideia de cultura popular pela qual nos guiamos entra em consonância com aquilo que Gramsci entende como folclore. Apesar de esse autor usar o termo folclore, ele difere do ideal romântico da cultura popular, o que demonstra que, nem sempre, os adeptos do folclore seguiram o mesmo percurso. O autor esclarece que o conceito de folclore compreende uma concepção do mundo e da vida, que difere da moral “oficial” por não ser sistematizada e elaborada. Gramsci acrescenta que ela é

[...] múltipla não apenas no sentido de algo diversificado
e justaposto, mas também no sentido de algo estratificado,
do mais grosseiro ao menos grosseiro, se é que não se deve
até mesmo falar de um aglomerado indigesto de fragmentos
de todas as concepções do mundo e da vida que se sucederam na história,
da maioria das quais, aliás, somente no folclore é que podem
ser encontrados os documentos mutilados e
contaminados que sobreviveram (2002, p.134). 

Por ser algo multifacetado e estratificado, a cultura popular não é homogênea, como faziam crer alguns folcloristas quando não esclareciam tanto esse aspecto múltiplo quanto o processo de estratificação social capitalista existente, até mesmo, dentro de uma mesma classe teoricamente delimitada.

Essa forma, aparentemente desordenada, de lidar com as coisas do mundo não constitui, necessariamente, um entrave na execução da própria vida, já que a falta de planejamento estratégico é um caráter intrínseco à cultura popular. Os estratos sociais que convivem de maneira mais aguda com as incertezas da vida fazem as suas investidas por um caminho mais imediatista. As táticas de sobrevivência têm como resultado produtos culturais que refletem um tipo de vida pautada em um formato de reflexão muito mais indutivo do que dedutivo. É nesse sentido que algumas canções de Jackson antes descrevem uma situação particular, que deixam para o receptor as conclusões mais gerais. Assim, ao invés de, por exemplo, fazer uma análise sistemática dos processos migratórios brasileiros – fruto das desigualdades sociais e regionais existentes no país – suas canções descrevem a difícil trajetória traçada por muitos nordestinos em direção à Região Sudeste, em busca de melhores condições de vida. A música Meu enxoval, composta por Gordurinha e José Gomes e gravada em 1959, demonstra isso claramente.

O fato de as características próprias da cultura popular diferirem da moral “oficial”, não a impede de também se pautar na cultura erudita para codificar as suas reflexões sobre o mundo que a cerca, ainda que o faça de forma desfigurada. Assim, além de a cultura popular não ser homogênea, não pode ser compreendida apenas como antítese da cultura erudita. A cultura popular é um emaranhado de modos de ver a vida, em cuja produção do saber articula as formas de se compreender o mundo que lhe são próprias – e que estão diretamente relacionadas às condições culturais em que se insere – com as elucubrações da cultura erudita.

Deixemos claro que, apesar de verificar a circularidade existente entre essas culturas, não abolimos os tradicionais conceitos de cultura popular e erudita, a fim de que possamos compreender melhor a questão da circularidade cultural e a explanação das questões a serem abordadas. Compreendemos, portanto, que abandonar tais conceitos dificulta a compreensão da cultura popular. A esse respeito, Burke afirma:

Os especialistas várias vezes sugeriram que as muitas interações
entre cultura erudita e cultura popular eram uma razão
para abandonar de vez os dois adjetivos. O problema é que sem eles é
impossível descrever as interações entre o erudito e o popular.
Talvez a melhor política seja empregar os dois termos sem
tornar muito rígida a oposição binária, colocando tanto
o erudito como o popular em uma estrutura mais ampla (2005, p.42).

Apesar das diferenças que esses termos suscitam, fiquemos atentos para o fato de que a cultura popular nem sempre se traduz na forma de oposição à moral oficial. Com a multiplicação das mídias massivas, as manifestações populares também buscam se associar aos trâmites da cultura hegemônica. Tatit, ao se referir aos primeiros sambistas do início do século XX, aponta:

A aliança desses músicos populares com a tecnologia
nascente é crucial para se compreender a inversão de expectativa
que, nas primeiras décadas do século, mudou o destino
da música no Brasil. Os artistas que se encaixavam na
“tradição escrita” da música brasileira, na qual se insere
não só a chamada música erudita, mas também alguns
setores do choro ao até da modinha não sofriam especialmente
com a impossibilidade de registro sonoro. Suas peças
estavam na partitura e eram executadas ao vivo. Os instrumentistas
tocavam em casas de venda de material musical, em orquestras
estrangeiras, de passagem por aqui, no teatro musicado ou em bandas militares.
O caso dos criadores e cantores dos diversos gêneros de samba,
aqueles que enfrentavam os fundos próximos aos terreiros, era bem particular.
(2004, p.34).  

O gramofone deu ao sambista, sobretudo, a possibilidade de registrar a melodia e a letra, uma vez que “a base rítmica da batucada, por sua sonoridade reiterada, favorece a memorização” (TATIT, 2004, p. 35). O surgimento do rádio foi ainda mais impactante. Para um artista popular como Jackson, o rádio trouxe a possibilidade de ser ouvido para além do restrito círculo social (leiam-se clubes e cabarés), ao qual ele tinha acesso. De tal modo, foi a partir dos avanços dos meios midiáticos que ele conseguiu individualizar-se como artista, obrigando-nos a compreender a cultura popular e a sua imbricação na cultura massiva. Dessa maneira, a obra de Jackson traduz uma cultura popular que, como afirma Williams, “[...] é uma combinação muito complexa de elementos residuais, autoproduzidos e produzidos externamente, com importantes conflitos entre eles” (2000, p.226).

Não acreditamos que as produções massivas tirem de cena o popular, contudo é inegável que ele estabelece uma forte relação com aquelas. Então, é impossível compreender o nosso objeto de estudo sem ter em vista as relações que ele estabelece com essas produções. As discussões acerca da cultura popular, no século XX, perpassam, necessariamente, as reflexões acerca das massas. Estabelecer essa relação é um ponto de partida que nos possibilita “[...] pensar em positivo o que se passa culturalmente com as massas” (MARTÍNBARBERO, 1997, p. 61 - 62) já que, sobretudo no século XIX, as reflexões existentes acerca da sociedade de massas se associavam a uma postura que ia “[...] do medo à decepção e daí ao pessimismo, mas conservando o asco” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p.43).

Não objetivamos compreender a cultura massiva apenas sob o ponto de vista da indústria cultural. Acreditamos que devemos fazer uma ponderação dessa leitura, e efetuá-la não significa menosprezar as análises adornianas no que diz respeito à cultura de massas e sua relação com a música popular. Se tomarmos como exemplo a canção engajada das décadas de 1960 e 1970, veremos que  

[...] apesar da memória social qualificar o gênero como
consumo musical de uma minoria “culta” e “crítica”
em relação ao mercado massivo, [tal gênero, veiculado no formato LP],
[...] representava um produto musical de alto valor agregado,
voltado para uma “faixa de prestígio” do mercado, ou seja,
direcionado ao público de maior poder aquisitivo
(NAPOLITANO, 2005, p. 37). 

Quanto à música produzida na Região Nordeste, é possível afirmar que, a partir da década de 1940, com a consagração do baião como um ritmo nacional, através de Luiz Gonzaga, ela galgou um bom espaço no mercado fonográfico nacional, e as músicas de Jackson do Pandeiro contemplaram também uma fatia desse mercado brasileiro.

Não podemos desprezar o papel que a indústria cultural representou na disseminação das músicas de Jackson do Pandeiro. O que não implica enxergá-las apenas como marionetes do espetáculo histórico do capitalismo, a fim de não desconsiderarmos o próprio processo dialético da história. O retorno da ação dos sujeitos frente às imposições hegemônicas demonstra que  

[...] os setores chamados populares coparticipam nessas
relações de força, que constroem simultaneamente
na produção e no consumo, nas famílias e nos indivíduos,
na fábrica e no sindicato, nas cúpulas partidárias e nos
órgãos de base, nos meios massivos e nas estruturas
de recepção que acolhem e ressemantizam suas mensagens
(CANCLINI, 2011, p.262).

Na obra de Jackson, verificamos uma possibilidade de autonomia dos sujeitos diante das categorias socioeconômicas dominantes, ainda que as disputas ocorram de forma não igualitária. Isso ocorre porque, além do fato de os discursos não serem assimilados de maneira unívoca, o próprio processo de assimilação pode alterar a perspectiva dos ideais hegemônicos. No entanto, também devemos ponderar as análises acerca das contribuições críticas que as manifestações populares podem efetuar, a fim de não cairmos em uma visão romântica das suas possibilidades de resistência. Nesse sentido, Martín-Barbero alerta para que não façamos “da capacidade de resistência e resposta das classes subalternas a chave quase mágica, a força donde proviria o novo impulso „verdadeiramente‟ revolucionário” (1997, p. 106).

Seguimos o caminho do olhar híbrido para que pudéssemos perceber o nosso objeto a partir dos diferentes arranjos que o artista fez, utilizando-se dos seus referenciais socioculturais que também se pautam nas concepções hegemônicas. O hibridismo parece ser a chave para se compreender a música popular de Jackson, porque a análise dos processos de hibridação “articulados com estratégias de reconversão demonstra que a hibridação interessa tanto aos setores hegemônicos como aos populares que querem apropriar-se dos benefícios da modernidade” (CANCLINI, 2011, p.XXII).

Consideramos aqui como hegemônicos os processos de nacionalização de manifestações culturais, verificados no Brasil a partir da década de 1930. Do ponto de vista musical, tais processos são aqui determinados por meio da análise de duas construções culturais, distintas, por um lado, e bastante semelhantes, por outro. A primeira diz respeito à edificação da nacionalidade que esteve atrelada ao samba a partir da década de 1930. A segunda vincula-se também à edificação do nacional, sem, contudo, desrespeitar a sua regionalidade. Essa última construção cultural foi traduzida no baião gonzaguiano. Tanto a ideia de nação brasileira quanto a de Região Nordestina, no século XX, são frutos de um discurso homogeneizado e tornado hegemônico, traduzido musicalmente através desses gêneros.

Defendemos que Jackson dialoga com esses movimentos hegemônicos reordenandoos, pois, apesar de ser nordestino, sua obra não representa fielmente o Nordeste de Luiz Gonzaga, tampouco a cultura do samba carioca, mas um rearranjo de brasilidade. Essa reordenação astuta possibilita a ressignificação das identidades e traz à baila sua historicidade intrínseca. Até mesmo a dificuldade de classificar os ritmos gravados por Jackson denuncia a sua circulação por tão diversos ambientes rítmicos.

Apesar de realizar esse rearranjo, a identidade nacional também era algo importante para as pinturas musicais de Jackson que, de acordo com Moura e Vicente, apontava a sua familiaridade com os ritmos brasileiros em entrevista a Margarida Autran: “Eu tenho um balanço meio chatinho, que serve pra toda época. A turma se liga porque, a não ser sambacanção, pego de todo lado. De frevo a música de terreiro. Música que tem balanço no Brasil, faço todas elas [...]” (PANDEIRO, 1976 apud MOURA; VICENTE, 2001, p.332). Para que possamos compreender como se configurou a sua ideia de brasilidade, precisamos recorrer a concepções eruditas acerca da identidade nacional e sua estreita relação com a cultura popular. Isso porque acreditamos que as categorizações eruditas contribuíram sobremaneira para essa formulação relacional.

No que diz respeito à música popular, acreditamos que as análises marioandradinas são fundamentais para que compreendamos tal relação. Assim, o primeiro capítulo desta pesquisa trata justamente do desenvolvimento da ideia de música popular no Brasil, com base nas reflexões de Mário de Andrade. As análises do modernista são importantes na medida em que elas embasaram as políticas culturais unificadoras da nação brasileira, sobretudo as getulistas, exercendo assim grande influência na forma de se pensar e produzir a música popular brasileira durante todo o século XX4 . Outra questão que faz desse autor importante para esta pesquisa é o fato de Mário de Andrade ter sido um marco no que se refere à valorização das músicas populares produzidas no Nordeste, uma região considerada, segundo Andrade, representante de um universo que era um celeiro de autenticidade – o mundo rural. Tal valorização se traduziria na nacionalização dessas produções.

Ainda no primeiro capítulo, mostramos como a brasilidade perseguida musicalmente por Andrade foi, a partir da década de 1930, concretizada. No entanto, essa nacionalidade se configurou em um formato popular urbano, diferenciando-se, nesse aspecto, das concepções marioandradinas. Foi o gênero do samba, “porta-estandarte” da identidade nacional musical. Expomos aqui como um gênero musical popular que era antes segregado se hegemoniza quando nacionalizado.

Demonstramos, pois, que o processo que tornou o samba hegemônico é fundamental para analisar a relação que Jackson estabeleceu não somente com esse gênero, mas também com outro movimento hegemônico musical que se relaciona com a ideia de Nordeste-sertão. Se as concepções da música popular de Mário de Andrade contribuíram para embasar o título de brasilidade do samba, por outro lado, elas também auxiliaram a solidificar a nacionalidade regionalizada do Nordeste. Apresentamos, ainda nesse capítulo, de que modo o discurso da Região Nordeste foi formulado, para que entendamos como o Rei do baião e a sua obra o materializam.

Para fazer as análises das músicas de Jackson do Pandeiro, a fim de defender as hipóteses aqui levantadas, buscamos sistematizá-las a partir de dois eixos temáticos contemplados nos capítulos dois e três. Esses eixos não foram escolhidos aleatoriamente, eles partiram das indagações que foram sendo levantadas ao longo da pesquisa. As temáticas foram estabelecidas tomando como base tanto as concepções teóricas que buscam não acachapar as manifestações culturais populares, quanto à análise da própria produção musical do artista. Portanto, foi também o hibridismo jacksoniano que nos levou a compreender o nosso objeto através desse ângulo. 

O segundo capítulo contempla dois importantes tópicos referentes ao primeiro eixo - Os percursos e a demarcação identitária de Jackson do Pandeiro. O primeiro é denominado Encontros e desencontros. Iniciamos com ele por considerar que, além da obra de Jackson, sua própria trajetória migratória possibilitou as hibridações músico-culturais realizadas, visto que são os choques culturais que permitem a recriação dos modos de ver o mundo. As migrações, sozinhas, não podem ser consideradas como o fator que determina esses intercursos, uma vez que a cultura massiva também exercia esse papel. No entanto, como as migrações são fundamentais no contexto do homem nordestino, elas nos servirão como um importante ponto de partida. O segundo tópico chamamos de As delimitações do híbrido. Essas demarcações estão intrinsecamente relacionadas não só aos processos migratórios, mas também à legitimação musical de Jackson frente às demais produções nacionais.

Até mesmo as delimitações identitárias da obra jacksoniana estão tomadas por hibridações culturais. No entanto, no terceiro capítulo, temos uma presença mais marcante da sua identidade nordestina, e no segundo eixo, Incursões culturais diversas, os parâmetros nacionais aparecem de maneira mais marcante. O terceiro capítulo se divide em três subitens, intitulados: “É samba que eles querem”, A Representação do feminino e O lugar do estrangeiro. O primeiro trata da maneira como Jackson dialogou com a cultura carioca, tornada nacional através do samba e dos seus derivados, a exemplo da bossa nova. O segundo traz uma questão que estava sendo posta na sociedade brasileira e que representava aquilo que havia de mais moderno e “avançado” nas discussões socioculturais da época. O último tópico expõe os limites existentes nas articulações das manifestações híbridas. Demonstramos, então, que, apesar de Jackson estabelecer um diálogo com o estrangeiro, o seu objetivo é, antes de tudo, excluí-lo.

Os híbridos da obra de Jackson do Pandeiro fazem dela um tanto escorregadia e engendram uma série de significados que, à primeira vista, parecem contraditórios. Na verdade, veremos que ela nos convida a ter um olhar e ouvidos atentos para uma análise caleidoscópica que o historiador deve exercer. 



* Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em História do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, em cumprimentos as exigências para obtenção do título de Mestre em História, Área de Concentração em História e Cultura Histórica.

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