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sábado, 30 de junho de 2018

PETICOS DA MUSICARIA

Por Joaquim Macedo Junior


“VOU DANADO PRÁ CATENDE” E OUTRAS DE ASCENSO

Alceu Valença traz Ascenso Ferreira para a atualidade. Um trabalho intransferível


Hora de comer — comer!
Hora de dormir — dormir!
Hora de vadiar — vadiar!
Hora de trabalhar?
— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!

Ascenso Ferreira


Poemas são muitos, sempre bons, a descoberta dos sons atrás das palavras e a onomatopéia que sonoriza o barulho dos objetos e se som não tiverem ele acabará por inventá-los. Este foi o grande Ascenso:

Oropa, França e Bahia

Para os 3 Manuéis:
Manuel Bandeira
Manuel de Souza Barros
Manuel Gomes Maranhão

Num sobradão arruinado,
Tristonho, mal-assombrado,
Que dava fundos prá terra.
(“para ver marujos,
Ttituliluliu!
ao desembarcar”).

…Morava Manuel Furtado,
português apatacado,
com Maria de Alencar!
Oropa, França e Bahia”, com Alceu Valença

Maria, era uma cafuza,
cheia de grandes feitiços.
Ah! os seus braços roliços!
Ah! os seus peitos maciços!
Faziam Manuel babar…



Vou Danado pra Catende (Trem de Alagoas), com Alceu, Zé Ramalho, Lula Cortes e parte do Ave Sangria – De Ascenso Ferreira, adapt. Alceu Valença – 1975 – Festival Abertura

De Alceu falarei pouco. A época de cada um encarregou-se de separar a pífia mídia do primeiro para a barulhenta do segundo.

Ascenso Ferreira, poeta, boêmio, escritor e jornalista, nasceu em Palmares, zona da Mata de Pernambuco, em 09 de maio de 1895, filho único do comerciante Antônio Carneiro Torres e da professora Maria Luiza Gonçalves Ferreira, cujo apelido era Dona Marocas.

Faleceu a 5 de Maio de 1965, na cidade de Recife, PE. Em 1917, aquele menino, registrado como Aníbal Torres, decidia mudar o seu nome para Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira. Aprendera a ler e a escrever graças aos esforços de Dona Marocas, uma dedicada professora de escola pública, porque aos 6 anos de idade ficara órfão de pai.

Aos 13 anos, devido à carência de recursos materiais, aquele jovem tinha que trabalhar 10 horas por dia: havia se empregado como balconista na loja ‘A Fronteira’, de propriedade de Joaquim Ribeiro, seu padrinho de batismo.

Trem de Alagoas (c/Vou Danado pra Catende), com Inezita Barroso

Aprenderia muito na vida vendendo meias quartas de carne seca, bicadas de aguardente, cuias de farinha e meias garrafas de querosene.

Em 1911, publica no jornal A Notícia de Palmares, o seu primeiro poema, “Flor Fenecida”.

No ano de 1916, juntamente com outros poetas, Ascenso fundava a sociedade “Hora Literária”. Mas, por defender o abolicionismo, ele passava a ser perseguido politicamente. Mais tarde, sobre essa fase da vida, o poeta escreveria:

“Mamãe foi demitida com 25 anos de serviço! Tivemos a casa pichada; fui vaiado um dia na rua; corrido acintosamente pela polícia; ameaçado de prisão… O estabelecimento de meu padrinho, devido a sua morte, entrara em liquidação. Fiquei sem emprego e sem ter ninguém em Palmares que me quisesse aproveitar os serviços, pois todos tinham receio de desagradar os senhores da situação.”

Em 1920, mudou-se para o Recife, conseguiu um emprego administrativo, indo trabalhar como escriturário do Tesouro do Estado de Pernambuco. Como poeta, entretanto, ele era lançado pelos estudantes da Faculdade de Direito do Recife, que o obrigaram, em certa ocasião, a declamar seus versos no palco do Teatro Santa Isabel. Passa a colaborar com o Diário de Pernambuco e outros jornais.

Em 1921, no Recife, Ascenso Ferreira se casa com a jovem palmarense Maria Stela de Barros Griz, filha do poeta Fernando Griz. No ano seguinte, publicava seus poemas nos jornais Diario de Pernambuco e A Província. Tornava-se um grande amigo de Luís da Câmara Cascudo, Joaquim Cardozo, Souza Barros e Gouveia de Barros.

Em 1925, participa do Movimento Modernista de Pernambuco e, em 1927, publica seu primeiro livro, Catimbó, incentivado por Manuel Bandeira. Viaja a vários estados brasileiros para promover recitais. No ano seguinte, saía no Recife a segunda edição do seu livro, que já tinha sido lançado no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nesta cidade, o poeta dava um recital no Teatro de Brinquedos, sendo muito aplaudido, e fazia amizade com vários intelectuais e artistas do sul do País: Mário de Andrade, Cassiano Ricardo, Anita Malfatti, Eugênia Alvaro Moreira, Oswald de Andrade, Olívia Penteado, Afonso Arinos de Melo Franco e Tarsila do Amaral.

Ascenso publicou seu segundo livro Cana Caiana, em 1939, com as ilustrações de Lula Cardoso Ayres. Nessa época, tornara a viajar para o Rio de Janeiro, onde conheceu Cândido Portinari, Sérgio Milliet, Osvaldo Costa, entre outras personalidades.

No início da década de 1940, Ascenso se aposentava como diretor da Receita do Tesouro do Estado de Pernambuco e, já um homem maduro, vem a se apaixonar por uma jovem adolescente – Maria de Lourdes Medeiros – indo viver em sua companhia.

Em 1948, nasceria a sua filha Maria Luíza. Esta menina foi a sua maior fonte de preocupação na fase final da vida, porque ele temia não viver mais tanto tempo e ter que deixá-la, ainda bem nova, órfã de pai.

Em 1941 o terceiro livro Xenhenhém está pronto para ser editado, mas só sairia em 1951, incorporado à edição de “Poemas”, com o título de Poemas e xenhehém, que foi o primeiro livro surgido no Brasil apresentando disco de poesias recitadas pelo seu autor – a edição continha, ainda, o poema “O Trem de Alagoas”, musicado por Villa Lobos.

Dessa vez, ele viajou para o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, por um período de três meses, para realizar conferências, gravações e dar recitais. No Congresso de Escritores, ocorrido em Goiânia, ele se tornou amigo do célebre Pablo Neruda.

Em 1955, participa ativamente da campanha presidencial de Juscelino Kubitschek, inclusive participando de comícios no Rio de Janeiro.

Em 1966, é nomeado por JK para a direção do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, no Recife, mas a nomeação é cancelada dez dias depois, porque um grupo de intelectuais recifenses não aceita que o poeta e boêmio irreverente assuma o cargo.

É nomeado, então, assessor do Ministério da Educação e Cultura, onde só comparecia para receber o salário.

O poeta assinou um contrato com José Olympio Editora, em 1956, para uma nova edição dos seus poemas. Pouco tempo depois, lançava um álbum duplo de discos com as suas obras completas “64 poemas escolhidos e 3 historietas populares”, com a apresentação de Câmara Cascudo. Além do mais, ele seria o quarto poeta brasileiro a ter a sua voz gravada para a Biblioteca do Congresso, em Washington.

Semana que vem tem mais…..

sexta-feira, 29 de junho de 2018

CANÇÕES DE XICO



HISTÓRIA DE MINHAS MÚSICAS


Música que integra o meu Forroboxote 3 – MULHERES CANTADEIRAS DE UMA NAÇÃO CHAMADA NORDESTE, originalmente gravada por Marinês, fato que me deu muita alegria (ter uma música gravada pelo maior nome feminino de nosso forró). Fui até Campina Grande, onde ela morava, e ela gravou no estúdio pertencente a Tom Oliveira – na ocasião ele gravava seu CD e, gentilmente, suspendeu seu trabalho para ceder o seu estúdio para a nossa gravação. Posteriormente também gravaram a música os seguintes intérpretes: Taís Juriti, Jailson Ritto, Genildo Sousa, Kelly Rosa e Roberto Lins.


PÉ DE SAUDADE
Xico Bizerra e Beto do Bandolim

de que me vale sonhar com esse teu cheiro
se é verdadeiro que tu já não gosta ‘deu’
se o teu abraço, laço bandoleiro
partiu ligeiro, outro abraço acolheu
e se o mel que tem na tua boca
que coisa louca, é só lembrança ‘neu’
prá ti eu sou uma saudade pouca
aquele rio que já desencheu

a semente da felicidade um dia plantada no meu coração
virou um pé-de-saudade, raiz à vontade fincada no chão
mas vou procurar meu rumo, vou ver se me aprumo longe de você
te peço, acabe com a maldade, e por caridade deixa eu te esquecer

IVINHO COM 50 DÓLARES E UMA VIOLA QUEBRADA EM MONTREUX

Por José Teles



Ivinho

O guitarrista Ivinho era um músico conhecido apenas de um pequeno círculo de admiradores, artistas e colegas de profissão, em 1978, quando embarcou para a Suíça, como uma das atrações da primeira noite brasileira no então seleto Festival Internacional de Jazz de Montreux. Levava 50 dólares na carteira, e uma case com uma viola de doze cordas, com o bojo furado. Além dele, viajaram o grupo A Cor do Som, e Gilberto Gil, com uma banda à qual foi incorporado o conterrâneo Pepeu.

Naquele tempo não era comum participações de brasileiros em eventos internacionais de tal porte, com exceção de um punhado de nomes que conseguiu chegar à gravadoras gringas, casos de Milton Nascimento, Egberto Gismonti, percussionistas que viviam nos EUA, Naná Vasconcelos ou Airto Moreira e, claro, a turma da bossa nova. Como o recifense Ivson Wanderley chegou a tal patamar, inalcançável para a maiorias dos músicos brasileiros?

Claude Nobs (1936/2013), o criador e principal curador do festival de jazz de Montreux, encontrava-se no Rio para acertar a participação dos músicos brasileiros no festival. Acompanhado por André Midani, que assumira o cargo de presidente da recém-chegada ao Brasil Warner Music, e o produtor Marco Mazzola, assistiu a um show em que o guitarrista tocava. Entusiasmou-se com a performance do pernambucano, e sugeriu que ele fosse incorporado à comitiva do Brasil em Montreux, com os dois contratados da Warner, A Cor do Som (então a banda mais bem sucedida do pop nacional), e Gilberto Gil, aposta internacional da filial brasileira da multinacional.

Com ingressos rapidamente esgotados, Claude Nobs decidiu realizar uma sessão extra da noite brasileira em Montreux, oficialmente intitulada Viva Brasil, com as participações do percussionista mineiro Djalma Correa, e do tecladista suíço Patrick Moraz (que substituíra Rick Wakeman no Yes). Às 17h, e Ivinho foi incumbido de abrir a primeira edição do Viva Brasil.


O jornalista carioca Tárik de Souza cobriu o festival, e escreveu minuciosamente, para o Jornal do Brasil, o show de Ivinho: “De saída, subiu ao palco o enigmático Ivinho, Magro e miúdo, de calça Lee surrada, camiseta e tênis, além de um chapéu de feltro interiorano, que dividia em duas cascatas, sua longa cabeleira. Ivson Wanderley Pessoa, recifense de apenas 25 anos, não se mostrava nem um pouco assustado, mesmo alguns minutos antes, ainda no ensaio, quando fui entrevista-lo. Um estreia solo, mesmo num festival internacional, era para ele apenas uma questão de curriculum, e seus planos para o show resumiam-se a “me deixar desligar durante 25 minutos, deixar fluir algumas sequencias harmônicas, harmonizando minha vida para dias melhores”.

Ele não sabia que sua carreira chegaria ao auge naquela tarde do verão suíço. Seu concerto, um único e longo improviso, a partir de um tema ad lib, que batizou de Noturno número zero, mistura de escalas oriental com nordestina, recebeu palmas e pedidos de bis. Ivinho não concedeu o bis, porém se apresentou novamente na segunda sessão do Viva Brasil (que recebeu um público bem menor do que o esperado). Mais uma vez transcrevemos um trecho da matéria de Tárik de Souza:

“Ivinho entrou sem muitos aplausos, tocou números mais curtos e foi assessorado pela percussão de Djalma (Correa), que duelou com sua viola utilizando um banjilógrafo, mistura de banjo e máquina de escrever”. Novamente Ivinho saiu do palco debaixo de aplausos e pedidos de bis. Um feito, já que a plateia, “cabeça”, não perdoou o som pop de A Cor do Som, pedia “jazz e não rock”. As vaias tomaram conta do salão, a ponto de ser necessário, segundo o relato de Tárik, o próprio Claude Nobs vir ao palco para acalmar o público, que aceitou com ressalvas o pop brasileiro da Cor do Som. O show final, de Gilberto Gil, foi apoteótico e o público só voltou a vaiar quando o baiano avisou que estava encerrando o concerto, que acabou madrugada adentro.

A Warner lançaria, poucos meses depois, com ampla divulgação, enfatizando ser uma participação no festival de jazz de Montreux ainda, discos das apresentações dos brasileiros. Tanto o de Gilberto Gil (originalmente um álbum duplo), quanto o da Cor do Som tiveram reedições em CD. Mas o álbum de Ivinho (Warner/Nonesuch) continua, inexplicavelmente, fora de catálogo. O que não é de se estranhar. Chega a ser um enigma o fato de ele ter sido lançado. O LP de Ivinho não tinha o menor potencial comercial. Muito menos para uma gravadora cujo recém-chegada ao Brasil e em busca do sucesso. A música foi criada ad lib, ou seja, na hora, no improviso. Só receberam títulos quando precisaram ser registradas para o disco: Os temas do álbum: Teimosia, Clarão vermelho,Meditação, Frevo único e Partida dos lobos.

Confiram áudio de Iviho em Partida dos lobos:

quinta-feira, 28 de junho de 2018

GRAMOPHONE DO HORTÊNCIO

Por Luciano Hortêncio*



Canção: Franciscana

Composição: Ednardo Sousa - Roberto Aurélio Lustosa da Costa

Intérprete - Ednardo

Ano - 1976

Álbum - Berro


* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 10.000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

NA LEVADA DO PANDEIRO: A MÚSICA DE JACKSON DO PANDEIRO ENTRE 1953 E 1967 - PARTE 04

Por Manuela Fonsêca Ramos*


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RESUMO 

Esta pesquisa apresenta uma análise acerca de uma parte da obra de Jackson do Pandeiro, situada entre os anos de 1953 e 1967. Tal análise busca apontar essa obra como um exemplo importante do hibridismo cultural existente na música popular brasileira. Para compreender melhor tal hibridação, perpassa a nossa análise a formação da identidade nacional e da nordestina, que foram sendo construídas, sobretudo, a partir da década de 1920. Compreendemos esse período da obra jacksoniana como uma contribuição para o redimensionamento das ideias de nacionalidade brasileira e de “nordestinidade”, para que possamos perceber como essas formulações de identidade são, antes, parte de um processo histórico, e não, um dado congelado no tempo e em espaços imóveis. Nesse sentido, este estudo corresponde à linha de pesquisa de História Regional, visto que nos auxilia a compreender a construção de uma dada região, o Nordeste brasileiro, a partir da sua articulação com os agentes e os espaços nacionais e globais. Palavras-chave: Jackson do Pandeiro. Hibridismo. Música popular brasileira. Nacionalismo. Nordeste.


1.3  A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NORDESTINA NA MÚSICA POPULAR

A imagem clássica do Nordeste – independentemente de ser o açucareiro ou o sertanejo – descreve-o como uma região agrária, atrasada e avessa à modernização. Essas classificações implicam, necessariamente, a existência de outra região, que é urbana, desenvolvida e moderna.
Tentando traçar a trajetória na qual se embasa tal percepção de Nordeste, Penna percebe que, com o desenvolvimento da lavoura cafeeira, na segunda metade do século XIX,

a fração agrária regional tem consciência tanto da perda de valor das Províncias do Norte no espaço nacional como de crise, embora atingindo diferencialmente vários setores, afeta o regime de classe e as relações de trabalho que lhes interessa preservar. A percepção é de que a crise econômica deve-se ao descaso do governo central, que favorece a província do Sul. Configuram-se, assim, dois outros elementos fundamentais dos discursos regionalistas: a oposição ao Sul, enquanto “espaço-obstáculo”, e ao Estado, interlocutor ao qual são dirigidas as reivindicações (PENNA, 1992, p.23).

Do ponto de vista geográfico, apesar de o Nordeste não corresponder totalmente à classificação das Províncias do Norte – que, nessa época, estendiam-se da Bahia ao Amazonas  o discurso é bastante semelhante àquele que se atribui posteriormente à Região Nordeste. Enquanto região diferente do atual Norte, o Nordeste só foi assim classificado, oficialmente, em 1942, no período do Estado Novo. Entretanto, segundo Albuquerque Jr., na década de 1920, começaram a aparecer os discursos nos quais podemos encontrar uma separação entre a área amazônica e a do atual Nordeste. Essa região surgiu, portanto, como sendo um espaço nacionalmente abandonado em detrimento do Sul – leia-se Sudeste, sobretudo os estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
Ainda segundo Penna, essas reivindicações regionalistas devem ser consideradas como algo articulador da nação na medida em que “as categorias nação e região não se opõem, pois as práticas e o projeto político são nacionalistas, e não separatistas, já que se apela ao Estado para a solução da crise” (PENNA, 1992, p.26). Na década de 1950, por exemplo, ainda permanece a ideia de que o subdesenvolvimento da Região Nordeste estava antes relacionado com as disparidades regionais, como problema nacional a ser solucionado pelo Estado. É nesse sentido que vem do governo federal o investimento nas políticas públicas destinadas ao melhoramento das regiões “atrasadas” e cria-se, em 1959, e ainda no governo de Juscelino Kubitschek, a SUDENE.
A perspectiva de atraso da Região Nordeste, ao mesmo tempo em que coloca o Sul como opositor une, do ponto de vista social, aquela região, porquanto os sujeitos causadores dos seus problemas estão fora dela, “de modo que o processo de homogeneização interna é reforçado, por sobre as diferenças de classe” (PENNA, 1992, p.26). Somando-se a esse “inimigo externo”, as causas das agruras nordestinas também aparecem relacionadas às questões que estão para além das possibilidades de uma ação humana que provoque uma mudança realmente estruturante. É nesse sentido que os problemas ambientais aparecem  como os grandes agentes da miséria e precariedade da vida do nordestino. Não é à toa que a imagem atribuída a esse Nordeste é a da seca, como deixa clara a preferência de Cascudo no seu poema Terra Roxa publicado em 1926:

Não gosto do sertão verde,


Sertão de violeiro e de açude cheio, Sertão de rio descendo,
l
e
n
t
o
[...]
Prefiro o sertão vermelho, bruto, bravo, com o couro da terra furado pelos serrotes hirtos, altos, secos, híspidos
e a terra é cinza paolhando um sol de cobre e uma luz oleosa e mole
e
s
c
o
r
r
e
como óleo amarelo de lâmpada de Igreja. (CASCUDO, 1926 apud NEVES, 2004, p.102-103).

Segundo Penna, essa ideia de “Nordeste-sertão” é um discurso que foi vencido dentro da disputa entre forças político-econômicas existentes no próprio Nordeste, a saber, os latifundiários da zona da mata açucareira e os do sertão algodoeiro-pecuário. Entretanto, para além das disputas locais, cabe pensarmos no fato de que as dificuldades existentes em uma região profundamente assolada pela seca foram fundamentais para a consolidação desse olhar homogeneizado, que fez do Nordeste uma região problemática, em virtude das suas condições ambientais. Isso fez com que as desigualdades sociais, existentes não só na própria região como em seus estados e municípios, ficassem em segundo plano.
Para um dos maiores representantes da música popular produzida no Nordeste brasileiro, Luiz Gonzaga – nascido na fazenda Caiçara, no sopé da Serra de Araripe e zona rural de Exu, sertão de Pernambuco – o Nordeste se centrava no sertão, o que corrobora a perspectiva acima exposta.
Albuquerque Jr. aponta que, nas músicas de Gonzaga, “o Nordeste era visto [...] como um espaço a ser salvo de seu problema natural” (1999, p.163). A figura do Estado aparece como algo salvacionista, e não, como partícipe de uma estrutura política que também ajuda a construir a situação caótica em que se encontra o sertão nordestino. O homem nordestino estabelecia, de acordo com tal perspectiva, uma estreita relação com a natureza. Tal relação foi um dos principais eixos norteadores da ideia de Nordeste, que era o lugar onde a relação homem/natureza permanecia, diferentemente do Sul, cujo processo de urbanização não mais permitia essa relação.

O Nordeste seria eminentemente rural. Do ponto de vista das manifestações culturais, o rural é aqui percebido marioandradinamente, já que seria no sertão nordestino que poderíamos encontrar o “verdadeiramente brasileiro, onde os meninos ainda brincam de roda, os homens soltam balões, onde ainda existem as festas tradicionais de São João. Lugar onde reina a sanfona [...]” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p.162).
O caráter quase idílico do Nordeste só era rompido quando as secas aconteciam, e elas surgem “como o único grande problema do espaço nordestino” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p.157). A cidade era a corruptora de todos os tradicionais valores brasileiros, inclusive dos patriarcais. O Nordeste gonzaguiano é rural, mas um rural bucólico, gostoso, saudoso e parado no tempo. Essa perspectiva de Nordeste já existia no pensamento freyreano, que, segundo Penna,

delineia um Nordeste que, ultrapassando os limites territoriais político- administrativos, ganha unidade enquanto uma sociedade patriarcal e agrária, caracterizada por elementos idealizados (com saudosismo) da economia açucareira em tempos áureos (1992, p.25).

Em Freyre, assim como em alguns romancistas como José Lins do Rego e José Américo, o Nordeste é sempre aquele da zona da mata e da cultura canavieira. Já a seca do sertão é o elemento importante na retratação do Nordeste em Graciliano Ramos e em Rachel de Queiroz. Entretanto, seja o açucareiro, seja o sertanejo, o Nordeste nos provoca, de acordo com essas reflexões, uma sensação muito semelhante. Nesse sentido, Albuquerque Jr. corrobora a nossa reflexão quando afirma que

a música de Gonzaga vai ser pensada como representante dessa identidade regional que já havia se firmado por meio da produção freyreana e do “romance de trinta”. Dará a esse recorte uma sonoridade que ainda não possuía ao realizar um trabalho de recriação comercial de uma série de sons, ritmos e temas folclóricos dessa área do país (1999, p.155).

O Nordeste subdesenvolvido poderia oferecer para um Sul desenvolvido e, portanto, moderno, além da mão de obra barata e do mercado consumidor, um pedaço da autêntica cultura brasileira que a cidade moderna estava, perigosamente, alterando. Lúcia Oliveira constata que “o Nordeste vai ser apresentado tanto como lugar mais subdesenvolvido quanto como o mais nacional, graças as suas tradições populares [...]” (2007, p.5).
Desse modo, o atraso desse Nordeste rural torna-se dialeticamente problema e solução, uma vez que o mundo urbano – leia-se a região Sul – desvirtuava a verdadeira cultura

nacional. Assim, “o percurso do nacional e do regional passa pela defesa do popular, incorporado enquanto autêntico e tradicional [...]” (PENNA, 1992, p.26). Coube ao Nordeste fazer a ponte entre o regional e o nacional, para que fosse garantido um espaço para essa região no concerto da nação brasileira. Se, de forma dialética, o Nordeste se integrava culturalmente ao Brasil moderno – através do quinhão de tradição que representava –, o regional não excluía o nacional, ao contrário, ele ajudava na elaboração da nacionalidade.
Do ponto de vista político, no entanto, o governo Vargas se esforçou para minar os poderes regionais em prol da construção nacional. Francisco de Oliveira apontou como essa unificação da nação brasileira acelerou a derrocada econômica do Nordeste. Para ele, o agravamento das disparidades regionais inicia-se

[...] pela destruição dos capitais do “Nordeste”: são fábricas que não conseguem competir em preço e qualidade, são atividades antes protegidas pelas barreiras, são as próprias formas anteriores de reprodução do capital, nos “Nordestes”, que são postas em cheque; suas circularidades específicas de reprodução são ultrapassadas e dissolvidas pela nova forma  de reprodução do capital da “região” em expansão, tendo em vista o caráter cumulativo que os aumentos da produtividade do trabalho imprimem ao processo de geração de valor; nisto reside a metamorfose da imposição do equivalente geral a todo o conjunto da economia, isto é, na troca de valores iguais ganha o que tem em si maior produtividade do trabalho (1981, p.76).

Esse movimento, contudo, não é apenas econômico, pois os acordos políticos exerceram um papel crucial nessas novas formas de produção. Assim, os próprios nordestinos são participantes ativos do estabelecimento das novas relações de poder  no âmbito nacional. A respeito do discurso elaborado pelo nordestino de que seria ele o maior exemplo da opressão exercida por uma dada região, Albuquerque Jr. nos alerta:

Ora, não existe essa exterioridade às relações de poder que circulam no país, porque nós também estamos no poder, por isso devemos suspeitar que somos agentes de nossa própria discriminação, opressão ou exploração. Elas não são impostas de fora, elas passam por nós. Longe de sermos seu outro lado, ponto de barragem, somos ponto de apoio, de flexão (2011, p.32).

Ainda devemos considerar que, se econômica e politicamente, o Nordeste torna-se ator coadjuvante diante da plateia nacional, culturalmente, ele não deixa de ser uma grande referência de produtividade. Do ponto de vista cultural, alguns representantes do governo Vargas buscavam nas manifestações nordestinas as fontes de nacionalidade a fim de, através do seu manancial cultural, fortalecer-se nos outros âmbitos nacionais. Essa reflexão entrava em consonância com a de Agamenon Magalhães, interventor de Pernambuco entre 1937 e 1950, que pode ser compreendida tendo em vista a colocação de McCann: “De qualquer modo, nem todas as regiões se formaram igualmente e, no processo de consolidação nacional, algumas regiões, inevitavelmente, pareceriam mais „brasileiras‟ do que outras” (2004, p.101, tradução nossa). De modo semelhante, podemos afirmar que Andrade corroborava a ideia de que o Nordeste é o celeiro cultural brasileiro, para onde deveria estar voltada a necessidade de exploração da brasilidade. Segundo Albuquerque Jr., para os modernistas, a música nacional “não deveria ser atravessada pelos ruídos dissonantes do meio urbano, e, por isso, a música nacional seria a música rural, a música regional” (2011, p.173).
No que diz respeito à produção musical, o Nordeste conseguiu, ao longo do século XX, figurar entre as grandes produções brasileiras. Assim, contrariando as expectativas marioandradinas, se o samba conseguiu se firmar como o som de maior representatividade nacional, a música popular nordestina seguiu os seus rastros, aliando-se também à produção musical de massa. Essa aliança fez da música produzida no Nordeste também um importante elemento de representação de brasilidade. A música nordestina passou a significar, de certa forma, aquilo que Mário de Andrade prescrevia. Se Andrade foi um estudioso das manifestações produzidas no Nordeste e, portanto, uma figura central no processo de valorização da sua música nos âmbitos político e científico, Luiz Gonzaga, através da aliança acima citada, foi, ao mesmo tempo, formador e divulgador de uma consciência identitária nacional-regionalizada. Segundo afirma Gilberto Gil, no prefácio da biografia sobre Gonzaga, “o baião [...] passa a se constituir no principal gênero da nossa música popular, depois do samba” (DREYFUS, 2007, p.9). No entanto, enquanto o samba vinha trazendo o conceito de música popular para o universo urbano, na sanfona de Luiz Gonzaga, tal conceito se associava à romântica ideia de cultura popular.
Diante da vitória do Nordeste-sertão nas disputas políticas internas do Nordeste, Luiz Gonzaga, um filho do sertão, tornou-se o símbolo máximo da representação da cultura nordestina. Para além dessas disputas, compreendemos que o sucesso de Gonzaga deveu-se também ao respaldo histórico que as suas canções tinham. As migrações ocorridas desde a década de 1920 e acentuadas entre 1940 e 1960 foram o grande mote da obra de Gonzaga. Elas permitiram a aceitabilidade, por parte do público, do modo gonzaguiano de ler o Nordeste e o nordestino. Dessa maneira, os emigrantes nordestinos se sentiam confortados por terem de volta um pouquinho do Nordeste, ao ligar o rádio e escutar o som inconfundivelmente anasalado de Gonzaga. Os paulistas e cariocas aprendiam, com as canções de Gonzaga, sobre a vida pregressa de um povo que passava a fazer parte do seu cotidiano. Por fim, até os habitantes do Nordeste que não haviam emigrado, enchiam-se de satisfação ao se ouvirem retratados em músicas de sucesso nacional e, por mais que tais canções falassem de um estrato social menos abastado, todos os outros se sentiam – e se sentem – um pouco gonzaguianos.
A respeito do impacto que as migrações nordestinas tiveram para o Brasil, McCann, partindo da análise das canções de Dorival Caymmi e de Luiz Gonzaga, afirma: “Como ambos os compositores reconheceram mais adiante, a migração nordestina estava transformando a cultura popular do Rio e São Paulo e, por extensão, a do próprio Brasil” (2004, p.97, tradução nossa). A migração nordestina foi fundamental para a consolidação desse “ser nordestino”. Sobre isso, McCann aponta: “Não é nenhuma surpresa que a jornada para fora do Nordeste venha à tona no trabalho tanto de Caymmi quanto de Gonzaga, os dois músicos populares nordestinos mais proeminentes da época (2004, p. 97, tradução nossa)”.
As músicas de Luiz Gonzaga são percebidas como autênticas e tradicionais, como descreveu Humberto Teixeira em 1950: “O Baião é tão antigo quanto o sertão nordestino.” (TEIXEIRA, 1950 apud McCANN, 2004, p.115, tradução nossa). Entretanto foi justamente o processo migratório que possibilitou a articulação da identidade nordestina, pois, na verdade, são os choques culturais que permitem uma recriação de modos de ver o mundo. Nesse sentido, a criação identitária é, por si só, uma recriação identitária, na medida em que a autorreflexão só tem sentido quando confrontada. No entanto, mais do que confronto, a cultura nordestina expressada na voz do Rei do Baião significava uma tradução do Brasil para os brasileiros. Gonzaga fazia uma ponte entre diferentes culturas brasileiras, já que ele narrava a migração tão

[...] festejada pelo discurso nacionalista como um fator de integração nacional, um fator de encontro e interpenetração dos “dois Brasis” que ameaçavam se distanciar irremediavelmente. As grandes cidades do Sul seriam enfim o lugar onde se gestaria a cultural nacional de há muito perseguida (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p.172).

Foi o Sudeste a região destinada a amalgamar um país cuja estrela guia era, justamente, o fato de ter sido amalgamado por diferentes culturas no processo de colonização. Luiz Gonzaga utilizou-se, pois, de todo o arcabouço propagandístico do moderno Sudeste para fazer da tradição nordestina mais tradicional do que nunca, já que o Brasil e, sobretudo, os nordestinos de todas as classes sociais passavam a se perceber tanto como tradição, quanto como parte da nação. McCann afirma que, embora boa parte do público de Luiz Gonzaga não o associasse à lógica mercadológica, o próprio artista nunca negou a sua vinculação com as empresas que buscavam comercializar os seus produtos, utilizando-se, para tal, da carreira do músico.
Foi, sem dúvida, a utilização de recursos modernos que fez do baião uma sonoridade característica do Nordeste, um verdadeiro guardião da cultura da região. Sobre Gonzaga, Caetano Veloso assim se expressa:

A formação de Luiz Gonzaga é pop, uma solução que ele, emigrante, morando no Rio, tentando a vida, descobriu, ali na Rádio Nacional e gravadoras. Ele inventou algo que funcionou. É algo pop, como os Beatles, assim. Luiz Gonzaga para mim, é um grande artista pop (VELOSO, 1988 apud DREYFUS, 2007, p.254).

Aquilo que favorecia a popularidade de Luiz Gonzaga era, além do respaldo da própria história dos movimentos internos da população nacional, o sentimentalismo expresso em suas canções. É no apelo saudosista que esse sentimentalismo apareceu fortemente marcado em sua obra. Albuquerque Jr. aponta que Gonzaga fez do Nordeste um espaço de saudade.
O nordestino descrito na obra de Luiz Gonzaga é aquele que não se adapta às mudanças da vida moderna urbana. Ele próprio nos transmite essa sensação quando a sua indumentária nos remete, sobretudo, aos cangaceiros. A partir de 1947 e inspirado no artista gaúcho Pedro Raimundo – que se apresentava com trajes típicos –, Luiz Gonzaga passou a compor seu personagem se apresentando, primeiramente, com um chapéu que lembrasse Lampião, mas, aos poucos, usaria o figurino completo do cangaceiro, cuja figura fez com que ele transmitisse a imagem de nordestino inadaptado e, portanto, eternamente saudoso.
O nordestino de Gonzaga é aquele que, apesar de não morar mais no Nordeste, rejeita qualquer referencial cultural novo. Na verdade, o que há é um retrato do nordestino que precisava se fechar para o diferente, sobretudo se esse diferente fosse justamente a região que representava a motivo pelo qual o Nordeste vinha perdendo o seu espaço político-econômico. Nesse sentido, o nordestino é, “antes de tudo, um forte”. Só que aqui esse “forte” traz o sentido de fortaleza, isto é, ele é a personificação de uma construção fortificada de dificílima invasão, isolada, impenetrável. No Ceará não tem disso não é uma canção, encontrada no LP 50 anos de chão (1988) que exemplifica bem tal visão:

[...]
Nem que eu fique aqui dez anos Eu não me acostumo não
Tudo aqui é diferente Dos costumes do sertão
Num se pode comprar nada




Sem topar com tubarão Vou vortá pra minha terra No primeiro caminhão Vocês vão me adescurpar
Mas arrepito essa expressão:

No Ceará não tem disso não,
Não tem disso não, não tem disso não Não, não, não,
No Ceará não tem disso não

Desse modo, embora Gonzaga propagasse essa figura quase que monolítica do nordestino, ele próprio não trazia tais referenciais no início de sua carreira. Apesar de Dreyfus tomar um direcionamento que chega a nos fazer crer que Gonzaga sempre teve dentro de si um nordestino autêntico, à espera de um espaço midiático para que pudesse desabrochar, não é isso que o início de sua carreira nos faz crer. Depois de passar nove anos servindo ao exército e tendo morado em diversos lugares do país, Luiz Gonzaga chegou até mesmo a perder boa parte do seu sotaque – como indica Dreyfus. Ainda de acordo com Dreyfus, foi somente quando assumiu o papel do cantador, capaz de transmitir as dores, os horrores e as alegrias do nordestino, que o seu sotaque retornou. Gonzaga, no entanto, terminou trazendo para si próprio a imagem do Nordeste:

Ele próprio é a fonte, a origem de suas criações. O sertão é ele. A paisagem pernambucana...tempos perdidos nas pequenas cidades revivem nas suas canções, para cantar e sofrer quando ele coloca seus dedos na sanfona (CASCUDO, 1981 apud McCANN, 2004, p.99, tradução nossa).

A popularidade de Luiz Gonzaga ajudou na consolidação dessa imagem do Nordeste rural e árido. Tal imagem se tornou tão forte que, na década de 1960, ainda podemos senti-la, quando o representante do mundo rural João do Vale, no show do teatro Opinião, cantou Carcará, ao lado de Nara Leão e Zé Keti. Gonzaga tornou-se, portanto, no final da década de 1940 e início da de 1950, um ícone nordestino sem o qual fica quase impossível analisar as produções musicais advindas dessa região – sobretudo se essas produções são praticamente contemporâneas às dele, como o são as canções de Jackson.
A trajetória pessoal de Jackson do Pandeiro, entretanto, diferencia-se da de Luiz Gonzaga. Comecemos por este último. Em 1912, Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu em uma família pobre do sertão de Pernambuco, politicamente vinculada ao poderoso clã dos Alencar. Essa relação de dependência refletiu em seu próprio engajamento político que, de maneira geral, tendia mais para um assistencialismo mantenedor das estruturas sociais existentes do que para uma ruptura substancial das práticas político-sociais. Serviu ao Exército brasileiro entre 1930 e 1939, em plena Revolução de 30, o que lhe rendeu certo caráter autoritário que viria a dificultar muitas de suas relações pessoais. Em 1939, Gonzaga se encontrava no Rio de Janeiro, já que fora para lá que o exército lhe enviara, a fim de que ele pegasse um navio de volta ao sertão pernambucano. Apesar de a música ter sido algo constante em sua infância e juventude, já que o pai, Januário, era sanfoneiro, sua carreira musical no Rio de Janeiro começou quase que por acaso. Aceitando a sugestão de um soldado, ele começou a tocar em vários bares do Bairro do Mangue e, aos poucos, foi se assentando na capital. Após o sucesso da música Asa Branca, lançada em 1947 e composta em parceria com Humberto Teixeira, Luiz Gonzaga transformou-se na referência da música nordestina, cujas características já dissecamos.
José Gomes Filho, mais conhecido como Jackson do Pandeiro, nasceu em 1919, no engenho denominado Tanques, na cidade de Alagoa Grande, região do brejo paraibano. Mudou-se aos 11 aos para Campina Grande. Por causa da morte do pai, Jackson teve de trabalhar como ajudante de padeiro e até mesmo limpador de fossas. Assim, sua vivência difere da de Luiz Gonzaga pelo caráter urbano das suas experiências, já na adolescência.  Entre 1936 e 1937, Jackson começava a frequentar a zona de baixo meretrício, a se relacionar com os músicos que circulavam por tal ambiente e a afinar o seu ouvido musical. Se com dezoito anos Luiz Gonzaga estava começando a servir ao Exército, Jackson do Pandeiro já era figura garantida nos cabarés campinenses. Não que Gonzaga não tivesse tido uma vasta experiência com as chamadas “mulheres da vida” e sido, assim como Jackson, namorador. No entanto

[...] a maioria das namoradas ficou anônima, e até esquecida. Seja porque a memória do sanfoneiro falhou no assunto, seja, o que parece mais provável, por motivos morais. Luiz Gonzaga sempre fez questão de preservar uma imagem de homem de bem, abstendo-se habilmente em tudo o que dizia respeito à sua vida amorosa, ou melhor, contando apenas o que o valorizava. E o tremendo namorador que foi a vida inteira não encaixava bem com a sua idéia de moralidade (DREYFUS, 2007, p.47).

Jackson chegou a casar em 1938, com Maria da Penha, cuja mãe era prostituta. Entretanto, o casamento – fruto de uma pressão social, já que ele havia tido relações com uma moça menor de idade – teve vida curta. De qualquer modo, o seu primeiro relacionamento duradouro foi com uma artista, Almira Castilho, enquanto que Gonzaga nunca pretendeu se relacionar seriamente com alguém do seu meio, onde a liberdade era algo mais apreciado. O fato de Jackson ter ficado órfão de pai muito cedo, fazendo com que ele exercesse a função de patriarca da família, talvez tenha contribuído para que passasse a ter certa autonomia no que diz respeito às suas relações familiares e, portanto, às suas escolhas matrimoniais.
A formação musical de Jackson foi diversificada, assim como veio a ser a de Gonzaga quando ele se estabeleceu no Exército. O rádio propiciou, em larga medida, essa diversidade sonora a que ambos foram expostos. Gonzaga, quando iniciou a sua carreira na capital nacional, tocava polcas, tangos e sambas, já que executava os ritmos que o público solicitava. Foi apenas quando um grupo de cearenses – que lhe escutava em um bar – pediu-lhe para que tocasse algum som do Nordeste, que o artista começou a sua empreitada em defesa da região. Se Gonzaga, a princípio, gravou esses diferentes ritmos, não foram essas as gravações que o consagraram.
Jackson, ao contrário, ficou conhecido justamente por ser o Rei do ritmo. Ele demonstrou suas diferentes referências musicais através da sua versatilidade rítmica, ao menos no que se refere ao período estudado. Essa diferença é perceptível não só por causa dessa versatilidade, como também pelo modo como se utilizou dessa sua capacidade rítmica. Dessa maneira, esse artista não somente gravou vários sambas, como conseguiu uma hibridação rítmica entre o samba e seus derivados – como a bossa nova – e os ritmos ditos nordestinos. Luiz Gonzaga atestara essa capacidade de Jackson e considerava-a problemática, na medida em que o primeiro “[...] não se furtava a ironizar sobre a dose de samba que o pandeirista colocou, conscientemente, nos ritmos nordestinos [...]” (DREYFUS, 2007, p.227). Jackson, apesar de ter nos ritmos tradicionalmente nordestinos a referência básica da sua formação musical, dialogou bastante com a cultura carioca, seja atendendo às exigências nacionalistas hegemônicas seja porque essas exigências já não eram tão destoantes das suas próprias.
Apesar da existência da força da hibridação musical jacksoniana, não se deve desconsiderar a influência de Gonzaga em seu repertório. Outros artistas nordestinos importantes também já haviam feito sucesso nacionalmente, a exemplo dos Turunas da Mauriceia e da dupla Jararaca e Ratinho. Os primeiros surgiram na década de 1920 e influenciaram até mesmo os músicos do Bando Tangarás, composto por Almirante, Noel Rosa e João de Barro, “mas logo depois o bando subiria o morro, em busca dos batuques da Mangueira” (NAPOLITANO, 2007, p.17). Diferente dos Turunas, a dupla iniciada em 1923, entre rompimentos e acertos, teve vida longa. Ela terminou, definitivamente, com a morte de Jararaca em 1977. Essa dupla também foi bastante relevante para a divulgação das músicas nordestinas, tanto o é que, em entrevista concedida a Grande Othelo, no programa da TVE denominado Othelo e os cantores, Jackson concorda com o entrevistador quando ele sugere a importância da dupla para a música nordestina. No entanto, foi Gonzaga que se consagrou como a maior referência da música nordestina e, portanto, foi o baião que abriu as portas para muitos artistas nordestinos na cena nacional.
O sucesso de Luiz Gonzaga, no final da década de 1940 e início da de 1950, deu passagem ao de Jackson do Pandeiro em 1953, quando ele gravou Sebastiana. Apesar de o Rei do Baião já ter feito uma sólida carreira, na segunda metade da década de 1950, ele entrou na fase do ostracismo. Dreyfus aponta, no entanto, que tal ostracismo não ocorreu em “suas bases”, o Nordeste. Ainda durante essa fase, Gonzaga gravou a canção de João do Vale e Sebastião Rodrigues, Pronde tu vai, baião? (1963), em resposta a tal momento de sua carreira:

Pronde tu vai, baião? Eu vou sair por aí... Mas por que baião?
Ninguém me quer mais aqui

Sou o dono do cavalo De garupa monto não
Eu vou pro meu pé de serra Levando o meu matulão
Lá nos forró sou o tal Eu sou o rei do sertão

Nos clubes e nas boates Não me deixam mais entrar
É só twist, rock, bolero e chá-chá-chá Se eu estou sabendo disso
É bom me retirar
(GONZAGA, 1963 apud SANTOS, 2004, p.70-71)

Na segunda metade da década de 1950, o baião teve que concorrer com o samba carioca, com a bossa nova e com os ritmos internacionais como o jazz, o bolero, o mambo, entre outros. Essa concorrência contribuiu, naquele momento, para a marginalização de Luiz Gonzaga, que pode ser atribuída, segundo Albuquerque Jr., ao fato de a música de Gonzaga

[...] ter se identificado como uma música regional, como expressão de uma região que era vista como um espaço atrasado, fora de moda, do país; região marginalizada pela própria forma como se desenvolveu a economia do país e como foi gestada discursivamente (1999, p.159)


 Dessa forma, a ideia de progresso tão difundida pelo desenvolvimentismo nacionalista de Juscelino Kubistchek não coadunava com as composições musicais que descreviam um Nordeste avesso à modernização que, desde a década de 1930, já vinha sendo moldada:

Num período relativamente curto de cinquenta anos, de 1930 até o início dos anos 80, e, mais aceleradamente, nos trinta anos que vão de 1950 ao final da década de 1970, tínhamos sido capazes de construir uma economia moderna, incorporando os padrões de produção e de consumo próprios dos países desenvolvidos (MELLO; NOVAIS, 2010, p.562)

Se a tradição propagada pelo estilo gonzaguiano foi a grande responsável pela ascensão musical de Gonzaga, foi justamente ela que, posteriormente, relegou-lhe um menor espaço na indústria fonográfica. O baião passava, portanto, a figurar entre os ritmos arcaicos da música brasileira.
O que justificaria então o sucesso de Jackson do Pandeiro, considerado – junto com Luiz Gonzaga – um dos artistas que figuram no panteão da música brasileira e nordestina, na segunda metade da década de 1950? Partimos do pressuposto de que a música de Jackson descortinou outro Nordeste – o brejeiro, o litorâneo – tanto nas letras quanto no ritmo. Esse Nordeste foi justamente aquele que, nas disputas regionais, ecoou menos fortemente no discurso nacional e para o qual não se destinaram projetos políticos nacionais, como ocorrera com o sertão. Isso contribuiu para que, em sua obra, Jackson não tomasse para si o papel de porta-voz dessa região, ao menos de forma tão veemente. A questão regional não tinha um peso tão forte para Jackson, até porque, como ele não era o representante máximo desse discurso no âmbito musical – como o era Gonzaga –, não preservar plenamente tal perspectiva em suas escolhas musicais não significava uma ruptura, mas uma marca de singularidade frente ao seu concorrente.
Acreditamos que a inexistência de uma discussão nacional mais forte – no que se refere aos problemas dessa região brejeira e litorânea – não foi o único fator que possibilitou Jackson de, musicalmente, a se expressar de um modo diferente do de Gonzaga. A sua trajetória de vida o fez um sujeito menos atrelado às amarras sociais, permitindo-lhe desenvolver a sua versatilidade musical e trazer para a sua obra um caráter híbrido que, como canta Lenine, fez “o samba embolar” e o “coco sambar” (1999). É claro que tal hibridação foi também possível porque o samba já havia garantido um público nacional cativo.
Apesar de o diálogo que a obra de Jackson estabeleceu com o samba ter sido para nós a porta de entrada, para que percebêssemos as conjugações culturais realizadas pelo artista, consideramos importante fazer desse processo hibridatório apenas um subitem do segundo eixo temático: Incursões culturais diversas, porque as canções nos levaram para outras reflexões que reforçam o que aqui pretendemos defender: que, embora a identidade regional tenha sido a leitura mais frequente que se estabeleceu acerca do artista, a obra jacksoniana demonstra uma constante relação não só com aquilo que musicalmente se passou a considerar nacional, mas também com os traços de modernidade cada vez mais marcantes no Brasil da época. Como exemplo disso, apontamos algumas canções que se centram em uma temática extremamente vinculada às discussões modernas que se travavam na época, sobretudo, nos centros urbanos: as modificações do comportamento feminino.
Contudo não podemos deixar de perceber que a incursão que Jackson realizou no universo do samba fez dele um sujeito mais cosmopolita, se comparado com Luiz Gonzaga. “Carioquizando-se”, Jackson se nacionalizou. A questão nacional era fundamental para a sua consagração e, para isso, ele seguiu um duplo caminho. Se Mário de Andrade já havia considerado o coco como algo que fazia parte da autêntica música popular brasileira, ele não havia “massificado” tal interpretação. Então, o primeiro caminho de Jackson nessa empreitada era a tentativa de nacionalizar o coco no imaginário brasileiro, como analisaremos no segundo tópico do primeiro eixo: As delimitações do híbrido. A segunda maneira que ele encontrou para essa nacionalização foi “dançar conforme a música” e a trilha sonora dessa “dança” era o samba. Mostraremos, portanto, em um dos itens do capítulo quatro, que foi o samba o sujeito utilizado, inclusive, para dialogar com a cultura importada.
Antes de dissecar a aproximação de Jackson com as tendências nacionais, procuramos apresentar o caminho por ele trilhado para delimitar o seu espaço enquanto nordestino. A sua identidade nordestina estava estritamente relacionada à de Luiz Gonzaga. É em virtude dessa aproximação que ele estrelou o filme Cala a boca, Etelvina, em 1959, cantando nada menos do que a música Baião. Como ele mesmo afirmara: “„Quando eu vi Luiz Gonzaga cantando
„A moda da mula preta‟, pensei: „Ué, a minha mãe cantava coco, que é mais pra frente, então eu vou cantar coco também[...]‟” (PANDEIRO, 1972 apud MOURA;VICENTE, 2001, p.166). Mas não foi somente no “cantar mais pra frente” que ele se diferenciou de Gonzaga. A maneira como Jackson alinhavou a sua identidade nordestina não foi importante unicamente para diferenciá-lo do Rei do Baião, mas também para fazer da sua obra “a síntese de traços compatíveis e a coexistência ou justaposição de elementos considerados incompatíveis ou conceitualmente ilegítimos” (CANEVACCI, 1996, p.22).



* Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em História do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, em cumprimentos as exigências para obtenção do título de Mestre em História, Área de Concentração em História e Cultura Histórica.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

NA LEVADA DO PANDEIRO: A MÚSICA DE JACKSON DO PANDEIRO ENTRE 1953 E 1967 - PARTE 03

Por Manuela Fonsêca Ramos*



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RESUMO 

Esta pesquisa apresenta uma análise acerca de uma parte da obra de Jackson do Pandeiro, situada entre os anos de 1953 e 1967. Tal análise busca apontar essa obra como um exemplo importante do hibridismo cultural existente na música popular brasileira. Para compreender melhor tal hibridação, perpassa a nossa análise a formação da identidade nacional e da nordestina, que foram sendo construídas, sobretudo, a partir da década de 1920. Compreendemos esse período da obra jacksoniana como uma contribuição para o redimensionamento das ideias de nacionalidade brasileira e de “nordestinidade”, para que possamos perceber como essas formulações de identidade são, antes, parte de um processo histórico, e não, um dado congelado no tempo e em espaços imóveis. Nesse sentido, este estudo corresponde à linha de pesquisa de História Regional, visto que nos auxilia a compreender a construção de uma dada região, o Nordeste brasileiro, a partir da sua articulação com os agentes e os espaços nacionais e globais. Palavras-chave: Jackson do Pandeiro. Hibridismo. Música popular brasileira. Nacionalismo. Nordeste.


1.2  A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE MUSICAL NACIONAL

Ao mesmo tempo em que o modernista Mário de Andrade refletia sobre a música nacional e, consequentemente, sobre a música popular produzida no Brasil, a indústria fonográfica brasileira começava a trilhar a sua trajetória na história do Brasil.

Data de 1902 o primeiro disco gravado no país – pelo compositor e cantor Xisto Bahia   e em 07 de setembro de 1922, foi realizada, na comemoração do centenário da independência, a primeira transmissão radiofônica. Na ocasião, foi transmitido o discurso do então presidente da República, Epitácio Pessoa, assim como algumas óperas. Esses acontecimentos modificaram o sistema de comunicação no Brasil, inserindo-o na lógica da modernização ocidental. Assim, a implantação do rádio no país não estava distante das ideias de modernização, tão em voga no Brasil na década de 1920, encontradas, inclusive, na perspectiva de Andrade.

Apesar de Mário de Andrade ter percebido as Regiões Nordeste e Norte como as mais frutíferas, do ponto de vista da música popular brasileira – por estarem diretamente associadas ao “mundo rural” – e como a maior fonte de brasilidade, e de os modernistas terem influenciado diversos intelectuais na década de 1930, que se encontravam para além da Região do Sudeste, foi nessa região que primeiro se instalou todo o aparato fonográfico brasileiro, como também o mais significativo meio de comunicação do início do século XX, o rádio. Isso está associado ao fato de que todo o processo de modernização brasileira ocorrido nesse século foi extremamente concentrado nessa região que, ressalte-se, já vinha concentrando os lucros da riqueza nacional desde o século XVIII com a descoberta das minas. Com a intensificação do processo de modernização do país, na década de 1920, houve um aumento no processo migratório. Assim, além da concentração da riqueza e do domínio político nacional, o Sudeste passava a absorver, com a crescente urbanização e industrialização, um grande contingente populacional.

Do ponto de vista da música popular, foram as manifestações populares urbanas da capital nacional que tiveram mais acesso às novas tecnologias que ajudavam a difundir determinadas práticas culturais. Na música popular urbana, já na década de 1920, sobretudo na década de 1930, o gênero do samba passava a ser o seu representante máximo a ponto de tornar-se, em 1930, um elemento de brasilidade. Assim, “dada à influência cultural e econômica da capital do país, o samba deixou de ser apenas carioca, para se tornar „brasileiro‟, „ nossa parte na sinfonia musical‟” (NAPOLITANO, 2007, p. 31). Por isso o processo que levou o samba a angariar o status de nacionalidade, na década de 1930, não  pode aparecer dissociado das contingências históricas que fizeram com que os sambistas tivessem – do ponto de vista geográfico – um acesso relativamente fácil às novas tecnologias divulgadoras das suas músicas.

Não queremos negar os embates sociais que ocorreram nesse processo, mas apenas deixar claro que o gesto que possibilitou a ascensão de setores populares do Rio de Janeiro advém de uma série de acontecimentos importantes na configuração histórica brasileira. Em nossa investigação, é importante atentar para isso, já que a música popular produzida no Nordeste brasileiro – aqui analisada a partir das obras de Jackson do Pandeiro – estabeleceu um importante diálogo com as produções nacionais. Esse diálogo se deu, portanto, pelo fato de que, a partir da década de 1930, as músicas urbanas passaram a ser veiculadas pelo rádio, tornando-as assim, “um fato social cada vez mais relevante” (SANDRONI, 2004, p.27).

Mais do que as gravações realizadas no gramofone, instrumento a que a música popular urbana tinha acesso, o rádio foi um elemento de transformações da realidade brasileira. Na década de 1930, desenvolveu-se de modo mais sólido. O governo Vargas foi perspicaz em perceber as contribuições que esse meio de comunicação teria na aplicação dos preceitos nacionalistas. Assim, sobretudo no Estado Novo, o rádio teve um importante papel na política getulista, não só na divulgação da música urbana como também na integração da nação. Capelato afirma que “muito se insistia no fato de que o rádio devia estar voltado para o homem do interior, contribuindo para o seu desenvolvimento e integração na coletividade nacional” (1999, p.177). Então, apesar de as políticas para o rádio, no Estado Novo, não terem exercido um controle tão forte, se comparado ao fascismo alemão e ao italiano, não se pode menosprezar a importância de sua propaganda política.

Nesse sentido, verifica-se que o rádio fez com que a música popular urbana – representada, sobretudo, pelo gênero do samba produzido no distrito federal – invadisse o cotidiano da população nacional e colaborasse para que houvesse uma mudança efetiva na concepção da música popular brasileira da época. Napolitano aponta que, a partir de 1930, “o samba deixou de ser apenas um evento da cultura popular afro-brasileira ou um gênero musical entre outros e passou a significar a própria idéia de brasilidade” (2007, p.23). O governo de Vargas, especialmente no Estado Novo, teve uma importância salutar nesse processo, na medida em que incorporou “uma maneira de pensar o gênero samba como música brasileira que grassava entre parte considerável dos intelectuais, jornalistas e mesmo sambistas comunitários desde o início da década” (NAPOLITANO, 2007, p.40).

Do ponto de vista musical, o rádio alterava a maneira de se apreciar a música, porquanto modificava a forma de escuta, já que abarcava um maior número de ouvintes, fazendo com que as pessoas, cada vez mais individualizadas de acordo com os preceitos modernos, ficassem coletivamente sintonizadas. Sevcenko descreve assim esse processo dialético trazido pelos meios de comunicação de massa:

[...] é fenômeno [...] notável como essas pessoas que não conseguem ou não toleram estabelecer comunicação entre si, se entregam uma a uma embevecidas, se o fluxo da comunicação vier, por exemplo, por meio do rádio. Partindo cada um do seu isolamento real, se encontrarem todos nesse território etéreo, nessa dimensão eletromagnética, nessa voz sem corpo que sussurra suave, vinda de um aparato elétrico de um recanto mais íntimo do lar, repousando sobre uma toalhinha de renda caprichosamente bordada e ecoado no fundo da alma dos ouvintes, milhares, milhões, por toda parte e todos anônimos (2010, p. 584-585).

Fruto das descobertas científicas do início do século XX, o rádio acentuou, na “sociedade dos indivíduos”, a preocupação com aquilo que poderia agradar um público cada vez maior. Do ponto de vista musical, ao mesmo tempo em que o número de ouvintes aumentava, crescia também o número de produtores. Assim, os novos elementos tecnológicos modificam tanto as formas de apreciação quanto as de produção.

No Brasil, a década de 1930 foi marcada justamente por uma mudança na articulação da produção musical popular urbana, com a massa de ouvintes. Com o rádio, antes de buscar apenas o aval das elites, essas produções se direcionavam, sobretudo, para os anônimos ouvidos, que possibilitavam um lucro cada vez maior e mais fácil para o rádio. Isso não quer dizer que os embates e acordos realizados com as elites não estivessem mais presentes na época de Noel Rosa. Até porque “ainda não era possível reconhecer uma indústria cultural, racionalizada e padronizada, naquele momento da história brasileira” (NAPOLITANO, 2007, p. 26).

Entretanto os sambistas vinham conseguindo, desde a década de 1920, sobretudo na década de 1930, adequar-se às exigências da indústria fonográfica. Essa relação que os sambistas passaram a estabelecer com essa massa de ouvintes está estritamente relacionada à legislação brasileira que, em 1932, autorizou, oficialmente, a veiculação de anúncios no rádio, seguindo o modelo estadunidense. O rádio deixou de ser utilizado apenas para fins educativos e passou a entrar na lógica comercial ainda no início do governo nacionalista de Vargas. O fato é que isso deu aos sambistas uma relativa liberdade frente a uma elite que se dividia entre aceitar um samba – desde que higienizado e disciplinado – ou não, já que, “para o bem e para o mal, o rádio estava mais para uma cacofonia musical, através do lucro fácil de que para um coro domesticado” (NAPOLITANO, 2007, p.45).

A adequação dos sambistas às exigências comerciais ocorreu de tal forma que modificou a própria estrutura melódica das suas músicas. Tatit aponta que

o pacto dos representantes da casa de Tia Ciata com os representantes da Casa Edison, e de outras gravadoras que chegariam ao Rio de Janeiro logo em seguida, nunca mais se desfez se considerarmos que o estilo de canção praticado naqueles fundos foi progredindo e se adaptando cada vez mais às condições básicas de um bom registro sonoro para o mercado. Nesse sentido, era notória a tendência de transformação da mentalidade do improviso para a concepção do produto acabado e destinado à veiculação comercial (2004, p.151-152).

Ainda segundo Tatit, o improviso musical brasileiro – advento de uma tradição oral – foi saindo de cena, e a produção popular urbana foi transferindo o seu caráter de improvisação para outra tradição da música popular brasileira, cuja principal característica é a composição das letras musicais com uma linguagem coloquial. O discurso coloquial existente na música popular, uma vez vestido com o traje da tradição, contribuiu para que essa peculiaridade musical popular brasileira se desenvolvesse mais, já que propiciou o aprimoramento de

[...] uma técnica que rapidamente traduzisse idéias “faladas” em soluções “cantadas”. Isto significava, na prática, um certo desprezo pelas coerções musicais do compasso e pela métrica do poema escrito. O número de sílabas dos seus versos seus pontos de acento podiam se alterar indefinidamente, desde que em função das necessidades da expressão coloquial (TATIT, 2004, p. 152-153).

Na indústria fonográfica, não havia espaço para o improviso, tampouco para os outros elementos que estavam atrelados à constituição do samba. Antes de inserir-se no mercado, o samba significava não apenas um gênero musical, mas toda uma configuração social da qual ele fazia parte. A dança, por exemplo, é um elemento essencial no ritmo sincopado do samba que, como se sabe, consiste na marcação do tempo fraco, que o prolonga para o tempo forte. Sodré aponta que,

[...] no samba, atua de modo especial a síncopa, incitando o ouvinte a preencher o tempo vazio com a marcação corporal – palmas, meneios, balanços, dança. [...] Sua força magnética, compulsiva mesmo, vem do impulso (provocado pelo vazio rítmico) de se completar a ausência do tempo com a dinâmica do movimento do espaço (1998, p.11).

Como o formato da indústria fonográfica e do rádio não permite a integração desse elemento corporal, os sambistas se utilizaram de uma estratégia sonora que nos remete, imediatamente, à imagem corporal. Eles passaram a usar tanto a marcação rítmica quanto a letra para trazer esse elemento, impossibilitado de estar presente. Podemos perceber um exemplo importante dessa solução musical na canção de Ary Barroso, Morena boca de ouro, cujas subidas e descidas, assim como a letra, que diz “[...] Roda morena/ vai não vai/ginga morena/cai não cai [...]” (BARROSO, 1941 apud TATIT, 2004, p.156), remetem-nos à imagem da morena sambando. Algo semelhante ocorre com um samba de Jackson, composto por ele e por Sebastião Martins e Álvaro Castilho, gravado em 1964, no LP Coisas nossas e intitulado Meu berimbau:

[...]
Ai morena
Arrasta a sandália aí Que o samba tá bom E não pode parar Cuidado pra não cair

Que bonito o samba Que bom resultado Do meu berimbau E do teu rebolado

A letra novamente nos remete à morena que dança o samba, demonstrando que, com sua dança, ela é parte constituinte do samba. Do ponto de vista rítmico, quando a letra alerta a morena “pra não cair”, a música faz uma parada, como se estivesse ajudando a dançarina a equilibrar-se. Estabelecendo uma relação contígua com o corpo da morena, o intérprete estica as sílabas “la” e “do” da palavra rebolado e, com essa sonoridade prolongada, remete-nos, imediatamente, ao movimento circular do rebolado.

Adorno criticou essa relação da música popular com o corpo ao analisar o jazz. Ele apontava que a música estimuladora da dança parecia impedir um tipo de escuta reflexiva12 que, segundo ele, só poderia ocorrer em um estado de recolhimento quase ascético. Assim, a própria capacidade de escuta do receptor seria atrofiada, na medida em que o modo como a sua apreciação era feita não estava associado ao recolhimento. Tentando fechar o seu raciocínio dialético, Adorno verificou a existência de um potencial de negação13 no jazz, que residiria na liberação sexual expressa na dança. Entretanto essa energia despendida na dança aplacava as tensões sociais e, consequentemente, desviava uma energia que poderia ser direcionada para a transformação do homem.

Sevcenko refere que a presença do corpo, na música do século XX, era necessária porquanto os ritmos frenéticos, na modernidade, também se impunham como presença. O autor esclarece que

há um consenso entre vários pesquisadores quanto ao fato de que foi a atmosfera tensa, gerada pela Primeira Guerra Mundial que deu o impulso decisivo para a dança baseada em ritmos frenéticos tornar-se uma das atividades simbólicas preponderantes da vida social (SEVCENKO, 2010, p.594).

Nesse sentido, de fato, a dança aparece no início do século XX como algo que vem atenuar o clima de tensão, o que não implica, necessariamente, considerá-la como um movimento apaziguador, mas como uma forma de se manifestar diante de determinada compreensão de mundo. Sodré, por exemplo, enuncia que essa presença do corpo é fundamental na tradição do negro no Brasil:


Nos quilombos, nos engenhos, nas plantações, nas cidades, havia samba onde estava o negro, como uma inequívoca demonstração de resistência ao imperativo social (escravagista) de redução do corpo negro a uma máquina produtiva e como uma afirmação de continuidade do universo cultural africano (1998, p.12).

Diferentemente das interpretações adornianas, Sodré reflete a presença do corpo como um caráter mais transgressor do que afirmativo. No Brasil, essa presença do corpo na música do negro marcou toda a produção da música popular brasileira. Percebemos isso claramente ao pensar em diversos gêneros populares brasileiros, já que eles podem significar não só um determinado ritmo, mas também uma forma de dançar, como é o caso do coco, do forró, do samba, entre outros.

Assim, apoiando-nos na forma como Sodré traz essa questão, podemos compreender a dança para além da ideia de submissão. Entendemos, portanto, que as danças que os ritmos “jacksonianos” sugerem são um prolongamento da voz que se quer fazer presença e que expande a sua capacidade vocálica através do canto (ZUMTHOR, 2005). Então, se o canto é a expansão da voz, a dança também o é. O corpo se movimenta, compactuando harmonicamente com essa voz que reivindica – parafraseando Benjamim (1994) – o direito de ser ouvida.

Todas as alterações sofridas pelo samba, ao se adequar às exigências das novas tecnologias, não podem ser compreendidas apenas como uma forma de apropriação socialmente verticalizada de cima para baixo, porque as próprias posições da elite brasileira não eram homogêneas. Nesse sentido é que vários intelectuais, como o próprio Mário de Andrade, questionavam esse espaço que o samba ia alcançando, pelo fato de a música popular ser apenas uma fonte inspiradora de nacionalidade, portanto, não podia ser a própria nacionalidade. Referindo-se a Mário de Andrade e a Villa Lobos, Napolitano compactua com nossa reflexão e afirma que, “para eles, a música popular era fonte inspiradora de nacionalidade, desde que ancorada no passado da cultura popular oral, material rico e bruto a ser lapidado pelo mundo erudito” (2007, p.41). Tatit constata que

Mário de Andrade e Villa Lobos concebiam uma espécie de paternalismo folclorista, necessário, segundo os autores, para administrar o caos sonoro que então assolava o país. [...] Essa nova dinâmica sonora, com luz própria, só pôde ser parcialmente apreciada pela elite pensante, uma vez que não cabia confortavelmente em seus projetos de integração e orientação estética que deveriam refletir a aliança do povo com o Estado numa espécie de concerto para o progresso (2004, p.38-39).

Ressaltamos que, à medida que o samba conquistava seu espaço, o discurso da higienização ia crescendo e, respaldado pelo governo Vargas – sobretudo no Estado Novo – estimulou-se um novo tipo de samba, o samba cívico. Assim, a censura em torno das músicas populares ocorreu antes mesmo do DIP, “pois era uma demanda de boa parte das elites letradas” (NAPOLITANO, 2007, p. 49). Em outubro 1933, a comissão de censura da Confederação Brasileira de Radiodifusão vetou a música Lenço no pescoço, de Wilson Batista. O próprio Jackson, apesar de não ter tido nenhuma música censurada, estava habituado a entregar “aos produtores da Copacabana uma quantidade de letras além do previsto para a gravação agendada” (MOURA; VICENTE, 2001, p. 249-250), a fim de não ter grandes problemas com o Serviço da Censura de Diversões Públicas. Essa preocupação que se encontrava em torno das produções populares relaciona-se não apenas à herança histórica brasileira de um Estado autoritário, mas também, segundo Wisnik, a uma tradição ocidental que remonta Platão. Assim,

o poder atribuído à música tem seu eixo numa ambivalência consistente na concepção de que ela pode carrear as forças sociais para o centro político, conferindo ao Estado, através de suas celebrações, um efeito de imantação sobre o corpo social, ou então, ao contrário, pode expelir essas forças para fora do controle do Estado. [...] a música aparece como um elemento agregador/desagregador por excelência, podendo promover o enlace da totalidade social (quando o nó é pedagogicamente bem dado) ou preparando a sua dissolvência (quando não). (WISNIK, 2001, p.139).

Não podemos ver essa relação que o Estado passou a estabelecer com o samba como algo unilateral. Os próprios sambistas traçaram um caminho que perpassava a busca por uma ampla legitimação social. Sobre esse aspecto, Napolitano assevera:

É preciso reconhecer que o nacionalismo na música popular, principalmente a partir de uma parte do samba e do Carnaval, não era produto apenas do controle e da instrumentalização do Estado Novo, materializado através da ação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda, nome que o Departamento Nacional de Propaganda ganhou a partir de meados de 1939). Também correspondia a uma estratégia de buscar reconhecimento do samba como paradigma de música popular de “bom gosto”, símbolo e síntese da brasilidade musical, desenvolvida tanto por jornalistas entusiastas do Carnaval e da música popular como pelos próprios  sambistas, principalmente aqueles ligados às escolas (2007, p.38).

Essa legitimação do samba ocorreu à proporção que ele foi adquirindo caráter nacional. Esse caráter, por sua vez, foi consolidado com a sua exportação, que veio ajudar a construir a imagem de uma nação do samba. Assim, em 1941, o samba chega às telas hollywoodianas, também, como forma de concretização da “política da boa vizinhança”.

Apesar da exportação do samba na década de 1940, em 1950, esse gênero passou a sofrer com a concorrência de outros gêneros internacionais. Então, ao mesmo tempo em que houve uma facilitação da entrada de produtos estrangeiros no país – sobretudo no governo de Juscelino Kubstichek –, houve uma assimilação de aspectos da cultura dos Estados Unidos, principalmente. Tatit refere que essa influência recaiu até mesmo na adoção de nomes artísticos, como é o caso de Dick Farney e Jonny Alf. O próprio Jackson também pode ser considerado como um resultado dessa influência, apesar de a palavra Pandeiro trazer uma conotação mais nacional, o que demonstrava que o hibridismo jacksoniano já estava presente em sua alcunha. Esse nome começou a ser gestado na década de 1920, a partir do contato que ele teve com os filmes de faroeste. Jackson – ainda José Gomes Filho – ao assistir àqueles filmes, imitava o ator Jack Perrin, o que fez com que ganhasse o apelido de Zé Jack. Em Campina Grande, foi eliminando o “Zé” e ganhando o “Pandeiro” e, em João Pessoa, foi chamado de José Jackson. Em Recife, passou a ser conhecido como Jackson do Pandeiro, atribuindo o acréscimo da terminação “son” ao nome Jack a Ernani Séve, locutor-chefe da rádio Jornal do Commercio.

Houve, entretanto, uma reação a essa entrada da música estrangeira no país. Os chamados por Napolitano de “folcloristas urbanos” passaram a trajar o samba com uma aura de nacionalidade, a fim de angariar os ouvidos ávidos pelas novidades do mercado. Tais folcloristas tinham um espírito muito semelhante ao de Mário de Andrade, já que também se baseavam na perspectiva da autenticidade nacional. No entanto, esses “folcloristas” buscavam tanto em alguns sujeitos que produziam a música popular quanto na música popular urbana os elementos que garantissem a autenticidade de uma música nacional.

Isso significa que, apesar de as manifestações urbanas não terem sido privilegiadas nas reflexões marioandradinas, o processo de nacionalização do samba teve como base a ideia de autenticidade nacional, tão cara ao “considerado patrono dos estudos históricos brasileiros” (NAPOLITANO, 2005, p. 60). Dessa maneira, consolida-se e naturaliza-se a existência do ritmo nacional, com os vários símbolos que tal ritmo, no final da década de 1940 e na década de 1950, passa a engendrar, tais como: a “era de ouro”, a “velha guarda” e a mitificação do músico Noel Rosa.

Assim, a partir de 1950, passou a preponderar a ideia de que a música popular não estaria mais associada ao rural e, sim, ao urbano. Ora, nessa década, já se podiam sentir os resultados de uma política modernizadora, iniciada com Getúlio Vargas na década de 1930. Portanto, na década de 1950, o urbano já parecia superar o rural, ao menos em termos de importância ideológica. O urbano era símbolo de progresso, de modernidade, enquanto que o rural representava o atraso. Do ponto de vista musical, passou-se a associar o rural ao folclórico. Segundo Sandroni (2004), em um congresso de folclore nos anos de 1950, Alvarenga já propunha tal divisão.

Sandroni afirma ainda que, em 1960, a música popular já se encontrava totalmente atrelada à música urbana, assim como também a uma defesa do nacional e, por que não dizer, do “verdadeiro” nacional. Essa separação entre o rural e o urbano terminou por afetar as classificações realizadas em torno das produções musicais brasileiras, e o urbano foi adentrando o conceito de popular, na medida em que a busca do nacional recaía sobre o urbano. Do ponto de vista musical, o urbano, no Brasil da época, associava-se à Região Sudeste, mais especificamente, o eixo Rio de Janeiro/São Paulo. Portanto o nacional estava, necessariamente, articulado às produções realizadas nesse eixo.

Esse processo de construção da identidade nacional – iniciado na década de 1920 e consolidado, ao menos do ponto de vista musical, na década de 1940, com a consagração do samba como ritmo nacional – pode ser considerado como fruto de um movimento contra- hegemônico da cultura popular, já que ele representava a voz das camadas populares urbanas. Contudo, se considerarmos que o próprio processo de legitimação de uma identidade nacional é um movimento histórico hegemônico ocorrido não só no Brasil, mas também no mundo ocidental como um todo, o samba também se torna um símbolo de hegemonia e representará a homogeneização de uma cultura musical, já que o nacionalismo também o faz.

Não obstante a ideia de autenticidade marioandradina ter, indiretamente, contribuído para a consolidação da música popular carioca como música nacional, acreditamos que as reflexões de Mário de Andrade também legitimaram a produção da música popular realizada no Nordeste brasileiro. Isso ocorreu devido ao fato de que, como esse intelectual centrou grande parte dos seus estudos nas regiões Norte e Nordeste, suas análises foram fundamentais para que as expressões musicais nordestinas tivessem acesso à mídia nacional, a partir da década de 1940. Nesse sentido, Napolitano afirma: “No final dessa década, o Baião de Luiz Gonzaga se nacionalizou, via rádio, consagrando definitivamente a música nordestina nos meios de comunicação e no mercado do disco do „sul maravilha‟” (2005, p. 39).

A incursão do baião e de “outros gêneros „regionais‟ (embolada, coco, moda de viola) também foi ganhando espaço na rádio, tornando-se referência para além das suas regiões de origem” (NAPOLITANO, 2005, p. 57). Foi nesse quadro que Jackson surgiu, talvez como uma tentativa da gravadora Copacabana – concorrente da RCA de Luiz Gonzaga – de encontrar algum artista que tivesse uma popularidade compatível com a de Gonzaga, que abarcasse, sobretudo, o mercado nordestino.

Não há como negar que os gêneros musicais nordestinos adquiriram um caráter nacional. Contudo, a música popular dita nordestina não teve força para desbancar a concorrência das produções efetuadas na Região Sudeste, principalmente a do samba que, a essa altura – na década de 1950 – já havia conquistado esse status de ritmo nacional, porque, apesar de a defesa do nacional “autêntico” pelos “folcloristas urbanos” objetivar, principalmente, desbancar a música estrangeira, terminou por relegar a um segundo plano a música popular advinda de outras regiões brasileiras. Soma-se a isso o fato de que a música popular produzida no Nordeste conquistou o seu espaço nacional a partir de uma perspectiva regional, fazendo com que fosse compreendida apenas como parte das manifestações nacionais.

O espaço regional-nacional obtido por essa música popular encontra-se atrelado à própria ideia de Região Nordeste, que suscita uma série de significados que devemos analisar, a fim de compreender melhor como e porque a música popular produzida no Nordeste brasileiro traz determinadas marcas simbólicas que auxiliam no processo de afirmação identitária dessa região.






* Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em História do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, em cumprimentos as exigências para obtenção do título de Mestre em História, Área de Concentração em História e Cultura Histórica.