Vida Pessoal e Família do Rei do Baião
Luiz não era muito unido com o filho, cuja alcunha era de Gonzaguinha. Ele não viu mais o filho na infância do garoto e sempre que se viam brigavam. Mas, apesar de amá-lo, acreditava que ele não teria um bom futuro, acreditando que ele seria um malandro ao crescer, já que o garoto tinha amizades ruins no morro, além de viver com malandros tocando viola pelos becos da favela. Dina tentava uni-los, porém Helena não gostava da aproximação deles, e passou a disseminar para todos que Luiz era infecundo e não era o pai do menino, mas Luiz sempre desmentia, já que ele não queria que ninguém soubesse que o menino era seu filho somente no civil. Ele amava o menino de fato, independente de ser filho de sangue ou não.
Na adolescência, o jovem se tornou rebelde, não aceitava ir morar com o pai, já que amava os padrinhos e odiava ser órfão de mãe, e dizia sempre que Luiz não era seu pai biológico, o que entristecia-o. Helena detestava o menino e vivia implicando com ele, e humilhando-o e por isso Gonzaguinha também não gostava da madrasta Helena, o que afastou e causou mais brigas entre pai e filho, já que Luiz dava razão à esposa. Não vendo medidas, internou o jovem em um colégio interno para desespero de Dina e Xavier. Gonzaguinha contraiu tuberculose aos 14 anos e quase morreu. Aos 16, Luiz pegou-o para criar e o levou a força para a Ilha do Governador, onde morava, mas por ser muito autoritário e a esposa destratar o garoto, o que gerava brigas entre Luiz e Helena, Gonzaga mandou o filho Gonzaguinha de volta ao internato (DREYFUS, 1997, p. 13).
Ao crescer, a relação ficou mais tumultuada, pois o filho se tornou um malandro, tornando-se viciado em bebidas alcoólicas. Ao passar o tempo, tudo foi melhorando quando Gonzaguinha resolveu se tratar e concluiu a universidade, e se tornou músico como o pai. Pai e filho ficaram mais unidos quando em 1980 viajaram o Brasil juntos, quando o filho compôs algumas músicas para o pai. Eles se tornaram muito amigos, e conseguiram em fim viver em paz.
Luiz Gonzaga morreu em 2 de agosto de 1989, às cinco e quinze da manhã, depois de quarenta e dois dias internado no Hospital Santa Joana na cidade de Recife e no seu sepultamento compareceram mais de vinte mil pessoas que cantaram Asa Branca quando o caixão descia às quatorze horas e cinquenta minutos do dia quatro de agosto. Uma data que ficou marcada na vida de muitos brasileiros.
E assim o Brasil perdia um ícone da música popular e ganhava um mito que viverá para sempre em suas músicas, pois o homem simples soube cantar a simplicidade do sofrido povo brasileiro e chegou a conquistar a todos, independente da classe social, Luiz Gonzaga é querido por todos, é sem dúvida alguma o eterno Rei do Baião.
LUIZ GONZAGA E A MÚSICA COMO EXPRESSÃO POPULAR NORDESTINA
Ilude-se quem acredita que o Baião é fato do passado. Muito pelo contrário, ele continua vivo e influenciando a Música Popular Brasileira até hoje. E como o próprio criador do gênero cantou "Luiz Gonzaga não morreu / Nem a sanfona dele desapareceu". Isso porque desde que foi criado em 1946, sua batida está presente, direta ou indiretamente, em todos os movimentos musicais que surgiram em seguida.
Luiz Gonzaga foi a maior expressão da música popular brasileira no Nordeste de todos os tempos. Um exemplo disto tem-se esse pequeno refrão de uma de suas músicas que retratou o baião nordestino/brasileiro:
"Eu vou mostrar pra vocês
como se dança o baião
e quem quiser aprender
é favor prestar atenção"
(Baião, Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira, 1946)
O Brasil deu atenção e estudou como se dança o Baião. E se seduziu com o balanço do gênero musical popular que deu início, lado a lado com a perfeição, em retratar e contar histórias, a vida, os folclores, a cultura e o sofrimento do povo nordestino, assim como, em bradar e fazer denúncias das suas aflições em face de diferenças políticas que sempre existiram neste País, em relação ao Nordeste.
E o grito retumbante ressoou justamente do núcleo de todos esses acontecimentos, surgindo simplesmente por força da natureza e transformando-se em mito, sem precisar adicionar, devido à grandeza da sua áurea, enfeites externos, para ser a maior expressão da música verdadeiramente popular brasileira.
Luiz foi nome dado para homenagear a Santa Luzia, a Santa do dia da sua origem, dia 13 de Dezembro. Gonzaga foi apelido dado pelo padre que o batizou, para completar o nome do Santo Luiz Gonzaga. Nascimento foi adicionado porque o menino nasceu na véspera de Natal, quando se celebra o nascimento de Cristo.
Luiz Gonzaga cresceu ouvindo o fole de oito baixos do pai Januário e em meio à cultura do lugar, representada fortemente pelo balanço promovido por um trio de instrumentos aparentemente simples, mas com recursos para produzir harmonias musicais complexas e ritmos extremamente agradáveis para a dança: a sanfona, o zabumba e o triângulo (ÂNGELO, 1990, p. 19).
No Nordeste, naquela época, o trabalho roceiro, o manuseio com o gado e a luta pela vida, numa seca insensível, eram elementos consideráveis para registro, na forma cultural de maior expressão regional: a música.
O menino Gonzaga se contagiou com o barulho da sanfona e logo transpôs a demonstração da aptidão para puxar o fole. O curioso disso tudo é o registro parecido com o percurso do grande maestro Vila Lobos, que foi amarrado e chicoteado pelo pai quando revelou interesse pela música. Com Luiz Gonzaga algo muito parecido aconteceu, quando o velho Januário estava trabalhando na roça, Luiz tomou posse da sanfona do pai e começou a tirar algumas modinhas do período. Vendo aquela cena, D. Santana chamou sua atenção com uma tapa e o avisou de que não queria que tocasse sanfona, para não se perder pelo sertão a fora.
De nada adiantou a repressão dos pais e Luiz Gonzaga logo foi notado pelos sanfoneiros da região e admirado pelo talento que possuía, a ponto de não haver mais oposição dos pais, que passaram a admitir que “filho de peixe peixinho é”. A andança pelos terreiros de forró resultou em namoro com a filha de um fazendeiro importante da cidade, que ao saber da pretensão do sanfoneiro, mandou lhe o seguinte recado: “Um diabo que não trabalha, não tem roça, não tem nada, só puxando aquele fole, como é que quer se casar? É isso, mora nas terras dos Aires e pensa que é Alencar. Os Aires podendo tirar o couro daquele negro, dão liberdade e agora quer moça branca pra se casar...”. Luiz não gostou e chegou a comprar uma peixeira para tomar satisfação com o pai da moça. O encontro não aconteceu porque, D. Santana soube da história e deu-lhe uma grande surra (DREYFUS, 1997, p. 15).
Então, Luiz Gonzaga envergonhado com a recriminação da mãe, tomou a decisão de fugir de Exu, sua terra natal. No entanto, só tinha uma saída: sentar Praça no Exército. Então, tornou-se o recruta 122, corneteiro da tropa e designado como Bico de Aço. E como ele mesmo fala nos relatos entre uma música e outra, nos seus shows: “participei de muitas revoluções mais nunca dei um tiro”.
Em 1939, Gonzagão deixou o Exército e voltou à contradição do seu destino, pois foi aconselhado por um colega de farda, no Rio de Janeiro, onde estava abrigado no quartel, de que careceria tentar uma forma de vida tocando na Região do Mangue que era a zona de prostituição da época.
Ao ouvir o conselho do amigo, pensou, e como não lhe surgiu outra ideia, reuniu outros músicos e encarou a zona da prostituição carioca, onde imediatamente conquistou seus frequentadores com o fole da sanfona, o balanço do baião e a sua bela voz. Sem muita demora, as portas foram abertas para a música nordestina que trazia em suas veias. Enfiado no meio, conheceu outros artistas e logo estava expandindo espaço e conquistando a sociedade carioca com uma nova moda musical.
Certo dia conheceu Ary Barroso, que ao ouvi-lo cantando ritmos estrangeiros, lhe aconselhou: “Rapaz, procure um emprego”. Luiz ficou decepcionado e respondeu: “ Seu Ary, me dá oportunidade pra tocar um chamego? Chamego? O que é isso no rol das coisas mundanas? perguntou Ary Barroso. Luiz respondeu: “Chamego é musga pernambucana”. Ary voltou a indagar: “Como é o nome disso?” e Luiz respondeu: “Vira e Mexe”. Finalizou Ary barroso: “Pois arrivira e mexe esse danado... a gente vê cada uma”. Luiz tocou o Vira e Mexe e conquistou a todos, inclusive o grande Ary Barroso, que deu-lhe nota 5 e o prêmio de 15$000 (OLIVEIRA, 1991, p. 23).
Em Março de 1941, ao gravar uma pequena participação instrumental na RCA, cativou o seu diretor e o mesmo o convidou para voltar no outro dia para gravar suas músicas.
Porém sua trajetória ainda estava em organização. O acometimento da obra de Luiz Gonzaga advém com o encontro entre o sanfoneiro cantador e seus parceiros musicais, dentre eles, o Cearense de Iguatu, Humberto Teixeira e o pernambucano de Carnaúba, José Dantas Filho.
As melhores músicas começam a ser produzidas em sequência por Luiz Gonzaga e seus mais relevantes parceiros. Asa Branca veio em 1947 por Gonzaga e Humberto Teixeira. Seus versos, em linguagem cabocla, vestiram-se de uma universalidade musical sem igual e tornou-se eterna pelo composto poético de rara beleza, retratando uma história de amor em meio ao sofrimento do sertanejo com a falta de chuva. Esta música, noutro país de maior elevação cultural, teria virado filme. Quiçá um dia isto aconteça por aqui?! “Quando o verde dos teus olhos, se espalhar na plantação, eu te asseguro, não chores não viu, que eu voltarei viu Meu coração”.
Em 1950, quando ainda não existia coro qualquer voz que se levantasse pela preservação ambiental, surge o grito do Assum Preto, registrando os maus tratos a esta espécie da Fauna brasileira. A canção denuncia que a ave era capturada e tinha os olhos furados para que parecesse mansa e assim fosse vendida por melhor preço. A música, além da beleza poética, trás um apelo político de conscientização ambiental numa feliz inspiração da dupla: Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga:
“Tudo em volta é só beleza, sol de abril e a mata em flor, mas Assum Preto, cego dos olhos, não vendo a luz ai canta de dor... ...mil vez a sina de uma gaiola, desde que o céu ai pudesse olhar...” (SANTOS, 2004, p. 90).
Ainda hoje o voar da Asa Branca se repercute com igual beleza e total independência de melodia, fazendo anunciar um novo tempo no sertão: a expectativa de chuva, convocando o sertanejo de volta à terra, no início dos anos 50. É mais uma obra da maravilhosa dupla: Luiz Gonzaga e Zé Dantas, A Volta da Asa Branca. “Já faz três noites que pro Norte relampeia, a Asa Branca ouvindo o ronco do trovão, já bateu asas e voltou pro meu sertão, ai ai eu vou me embora, vou cuidar da plantação...”
Entretanto, nenhum político brasileiro representou tão bem o seu povo, como Luiz Gonzaga, para representá-lo formalmente, gritou com a sua poesia e com a sua música em defesa do sertanejo.
No ano de 1953, a seca esturricou o solo sertanejo do Nordeste, acabou com o pasto, matou o gado e expulsou o sertanejo da sua terra. A fome converteu muitos operários em mendicantes pelas ruas, dependendo da solidariedade do povo do Sul e da compaixão de todo o Brasil. Luiz Gonzaga e Zé Dantas construíram mais uma bela música sertaneja que registrava a seca e a fome no Nordeste, e apelando aos políticos para acudir o povo sertanejo.
Nasceu, então, Vozes da Seca. A canção mexeu com os sentimentos dos brasileiros e Juscelino Kubitscheck de Oliveira, subiu à tribuna da Câmara dos Deputados e clamou: “Sr. Presidente, a música de Luiz Gonzaga e Zé Dantas vale mais do que cem discursos, tenho dito”. Referia o parlamentar à música Vozes da Seca. “...mas doutor uma esmola, a um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”... ...livre assim nos da esmola, que no fim desta estiagem lhe pagamos até os juros sem gastar nossa coragem...
O Rei do Baião deixou o seu reinado há 18 anos, precisamente às 05:15h., do dia 02/08/89, no Hospital Santa Joana, em Recife, mas ingressou na história da cultura brasileira como expressão máxima da nossa música, através da qual encantou e encanta a todos. Sua história é uma das mais pesquisadas por acadêmicos do mundo inteiro, sendo inclusive objeto de pesquisa em tese de mestrado e doutorado em várias universidades do Brasil e de outros países. O acervo da sua obra, documentários e causos registrados nas suas andanças por este País encontram-se no Museu de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, na cidade de Exu, Pernambuco, terra onde nasceu e onde buscou descanso nos seus últimos dias de reinado (SANTOS, 2004, p. 91).
O Brasil ainda não testemunhou as homenagens recompensadas ao seu inesquecível filho Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião, pelo que determinou como poeta, músico e instrumentista dos melhores que esta terra já deu; pela relevância política que desempenhou na defesa do sertanejo e até no papel de pacificador de tumultos na região onde viveu; pela rica cultura que deixou a este país e por tudo que representou ao longo de 50 anos de viajante tocador pelas estradas deste país, especialmente para o sertanejo, do qual era o seu representante maior. Como disse na sua canção, a sua ausência só nos faz repetir: “Saudade assim faz doer e amarga que nem jiló, mas ninguém pode dizer que me viu triste a chorar, saudade, o meu remédio é cantar...”
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