41 - O sonho de Shangri-lá
De volta do México, nos primeiros tempos, fiquei em Jacarepaguá. Depois, acostumado a ter minha própria casa, aluguei um aparta-mento ao lado do Hotel Sheraton. Era um dúplex minúsculo, onde minha mãe gostava de ir. Sentava-se em frente da janela e permanecia alheia admirando o mar. De vez em quando, ficava comigo por uns dois dias e gostava de cozinhar seu famoso macarrão só para nós dois. Nos fins de semana, a gente inventava as maiores reuniões em sua casa. Era churrasco, era macarrão, era tudo o que pudesse acontecer para deixá-la um pouco mais contente. E como ela ficava feliz de nos ver e aos nossos amigos em volta da piscina, que construíra para nos agradar! Eram re-uniões muito gostosas. Ela estava com Nuno e eu sentia que aquele rapaz, quase da minha idade, tomava conta dela de uma forma tão carinhosa quanto um filho. Era um rapaz simples, de mais ou menos 28 anos, de família de portugueses, que um dia se encantou com minha mãe, já com quase 50 anos. Conheceram-se quando ele foi trabalhar para ela como motorista e secretário. No início, ela ainda relutou em aceitar o assédio, mas a solidão e total carência, após a separação de Tito, a fizeram aceitar o carinho de Nuno, que realmente se apaixonou por ela. Depois que minha mãe faleceu, não soube mais nada dele. Só recentemente tive a triste notícia de que havia sofrido um desastre de automóvel e morrido com mulher e filho. Não consegui mais detalhes, mas parece que as circunstâncias em que Nuno e sua família vieram a falecer foram muito parecidas com o desastre que Dalva e ele sofreram. A vida de minha mãe em Jacarepaguá, na casa que passava por mais uma reforma, foi ficando muito triste. Ela estava aumentando a casa, dizia, porque queria um quarto para cada irmã e um quarto para cada filho. Sonhava em ter todos nós morando com ela de novo. Uma característica forte de minha mãe era o sentido de proteção que nutria em re-lação às irmãs. Procurava de todas as maneiras ter Margarida, Lila e Nair a seu lado o máximo de tempo possível e ajudá-las e protegê-las. Queria que fossem morar com ela. Teriam seus quartos privativos e toda a assistência. Mas com uma condição: que não levassem seus maridos. Ela considerava to-das malcasadas e pretendia apoiá-las para que se separassem. A casa foi se tornando um elefante branco, enorme, e um sorvedouro de dinheiro, que andava cada vez mais escasso. Dalva tinha de dormir num quartinho improvisado, cheio de poeira. A re-forma tirou totalmente seu conforto. Ao lado dela, Nuno aguentou esse momento com muita dignidade. Acho que, em sua simplicidade, sentia que ela precisava ter um elo com alguma coisa, para não deixar apagar a sua chama de vida. Precisava ter algo para lutar. Então, ele a incentivava, trabalhando na obra, dizendo que ela era uma estrela e tinha de ter uma casa como as grandes estrelas norte-americanas tinham. As atuações nessa fase, mesmo esparsas, ainda seriam suficientes para mantê-la relativamente bem, mas essas sucessivas re-formas desequilibravam completamente sua vida financeira. Nessa confusão de reforma, a presença dos amigos já não era tão frequente. Minha avó e meu avô não moravam mais lá. Já ia longe o tempo em que ela chegava em casa de madrugada, vinda de um show numa boate de lona qualquer (os circos), cansada e com o cachê que havia ganho num lenço amarrado. Os circos pagavam em dinheiro re-colhido dos ingressos e é fácil imaginar os trocadinhos que era obrigada a trazer num lenço de cabeça. Naquela época, minha mãe chegava, colocava tudo em cima da mesa e minha avó começava: “Preciso de tanto pra mercearia, de tanto pro açougue, preciso de tanto pra tinturaria…”. Muitas vezes, perdia-se o controle do dinheiro totalmente. E, quando minha mãe dava pela coisa, só sobrava o lenço. As discussões muitas vezes eram fortes: “Mas, mãezinha, eu já dei todo o dinheiro que você pediu no outro dia, todas as contas deveriam estar pagas. E, no entanto, você vem me pedir mais agora? ”. Isso era motivo de muita tristeza para ela, porque jamais procurou controlar o dinheiro que deixava com minha avó — afinal era sua mãe. Mas era deixar o dinheiro com ela, e desaparecia. Vale lembrar que meu avô, que gostava muito de sapatos, só calçava DNB, famosa marca masculina, de legítimo cromo alemão. A vida inteira minha mãe procurou amparar sua família, principalmente mãe e pai. Nessa nova reforma, construiu um aparta-mento completo e independente no fundo da casa para eles. Quando falou com minha avó Alice para ver com o marido (era seu segundo marido, o avô José, considerado como pai por minha mãe) se queriam morar definitivamente com ela, nesse apartamento, meu avô mandou dizer que só aceitaria se tivessem a escritura do apartamento. Caso contrário, não iria. Minha mãe ficou arrasada com a resposta. Ela se sentia sugada pela família. Sentia que abusavam de sua generosidade. Em meio a tanta decepção, Nuno era seu amparo, permanecendo a seu lado como fiel escudeiro da grande estrela.
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