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sábado, 22 de julho de 2017

MÚSICA & MÍDIA – A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA NA INDÚSTRIA CULTURAL - PARTE 02

SALDANHA, Leonardo Vilaça (doutor) - Escola de Música da UFRN/RN


Resumo: Música Popular Brasileira e Indústria Cultural. A influência exercida pela mídia no processo de afirmação, transformação e consolidação dos gêneros populares. A música surge para a mídia assimilando nomes e rótulos. Assim, assume a característica de produto. Bem imaterial adotado pelos meios de produção e comunicação de massa, transforma à tradição musical, resultando em produtos novos e resignificados. Símbolos de uma cultura plural e reconhecidamente rica em volume e qualidade. Este artigo busca apresentar a Música Popular Brasileira e o importante papel desempenhado pelos agentes midiáticos na sua consolidação e construção como produto representativo da identidade contemporânea do seu povo, dentro de um cenário globalizado. Palavras-chave: Tradição, Música Popular Urbana, Mídia e Indústria Cultural


Mercado profissional, engajamento político e tecnologia.

O profissionalismo na música popular brasileira chega com a vinda ao Brasil do tchecoslovaco de origem judaica Frederico Figner, em fins de 1891. Desembarca em Belém e segue para o Rio de Janeiro, desembarcando no dia 21 de abril de 1892, onde se estabeleceria residencial e comercialmente explorando as exibições públicas com o fonógrafo. Percebendo o potencial industrial e comercial do aparelho, deixa de explorar as audições públicas pagas, exibidas com o fonógrafo, para então, em 1897, após ter aberto sua loja, a Casa Edison4 , explorar o comércio de vendas de aparelhos e cilindros. Em decorrência da concorrência5 , resolve, em sociedade com seu irmão Gustavo Figner, partir para a gravação de cilindros com música popular brasileira, conquistando em definitivo o mercado interno. Iniciava-se, em 1897, o profissionalismo na música popular do país. Fred Figner convida os cançonetistas, Manoel Evêncio da Costa Moreira, conhecido pelo apelido de Cadete (Ingazeira – PE, 1874 – Tibagi – PR, 1960) e Manuel Pedro dos Santos, conhecido como Baiano (Nazaré das Farinhas – BA, 1887 – Rio de Janeiro – RJ, 1944), para gravar fonogramas com acompanhamento de violão. Figner paga aos cançonetistas um cachê de mil-réis por cada canção gravada. Com isso, torna-se o responsável pelo surgimento do profissionalismo e pelo início das gravações com cantores brasileiros. No ano de 1900, Figner publica os seus primeiros catálogos. Dois anos depois, já com o nome de Casa Edison, contava com uma extensa lista de cilindros gravados por Cadete e Baiano. A música popular, em especial a música de carnaval, já era lançada pela indústria fonográfica desde os primeiros catálogos da Casa Edison. No início do século XX, antecedendo o rádio, a divulgação de marchas, sambas e choros, era feita através dos aparelhos de reprodução fonográfica, comercializados pela Victrola. No ano de 1919 surge o Rádio Clube de Pernambuco, primeira emissora do país. No ano de 1923, surge a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a primeira rádio educativa do Brasil. Ao final da primeira década de existência, o rádio alcança boa audiência com a divulgação de música popular.

Ao final da década de 1920, com o acontecimento da gravação elétrica, os discos de goma–laca6 em 78 rpm se consolidam como o principal meio de gravação e armazenamento de música, as gravações aconteciam como em uma apresentação ao vivo. Contendo até duas faixas de áudio por lado, passam a dominar o mercado. Mais precisamente em 1927 a gravação elétrica chega ao Brasil, o que representa um avanço extraordinário no processo de gravação. Com ela, os cantores não mais precisam se esgoelar para terem a sua voz impressa no disco. Essa possibilidade trouxe para o mercado um novo modo de cantar, mais coloquial, mais próximo do recitativo. O mercado começava a mudar com os avanços tecnológicos, também, a concorrência se acirrava cada vez mais, com a chegada de novas gravadoras multinacionais como a Parlophon, Brunswick, Columbia e Victor7 . Em 1928 a Casa Edison começa a perder mercado para as concorrentes e termina por desaparecer. Durante a década de 1930, na chamada “Era do Rádio”, o veículo se torna de fundamental importância na divulgação e consolidação dos gêneros ditos populares. Também, o principal responsável pela assimilação de outras culturas musicais que terminam por influenciar a nossa. Por seu intermédio, grandes nomes, artistas da cultura popular ficam conhecidos e se tornam ícones da música popular brasileira. Com o aparecimento dos programas de auditório na década de 1940, o rádio, já capitalizado pelas agências de publicidade, começa a contratar, além dos artistas nacionalmente conhecidos consagrados artistas internacionais. A presença, a performance ao vivo, os arranjos trazidos por esses artistas influenciaram os músicos e a música do país. Nesse momento, por exemplo, o samba já era influenciado pelo bebop e pelo bolero. Em 1948 surgem os LP’s discos de 33 1/3 rpm, feitos de vinil eram mais leves, flexíveis e resistentes que os 78 rpm8 . Além de possibilitar um tempo muito maior de gravação, em média 20 minutos por lado, em decorrência dos sulcos de gravação menores. Um avanço por permitir, com qualidade sonora muito melhor, a gravação analógica em canais separados. Inicialmente eram quatro canais, que permitiam a inserção de vozes e instrumentos em etapas distintas do processo, possibilitando uma posterior mixagem e finalização da gravação. Na década de 1950, além do surgimento da televisão que toma para si o lugar até então ocupado pelo rádio, tem o incremento dos investimentos na produção musical. Em concordância com as suas matrizes norte americanas, visando à amplitude dos negócios, as grandes gravadoras começam a investir mais pesadamente na qualidade, imagem e divulgação dos artistas nas variadas mídias, tornando o produto musical cada vez mais “necessário” e participante do cotidiano das pessoas. A política da boa vizinhança imposta pelos EUA no período pós Segunda Grande Guerra, trouxe mais uma vez a importação de gêneros e produtos musicais, também, do mesmo modo, em escala bem menor, possibilitou a exportação dos produtos musicais brasileiros. Desta feita, a música local, através da elite social brasileira que, havida por consumir modismos internacionais representativos de uma pretensa modernidade, passa a sofrer em esferas diferentes fortes influências do rock e do jazz. Assim, novos gêneros ou, subgêneros de alguns já existentes, passam a existir, mesclados às novas influências são reconhecidos como próprios, mas, com traços de uma identidade nova, representativa de uma modernidade almejada. Talvez o mais representativo dos gêneros ou, subgêneros surgidos, seja aquele que aparece por volta de 1958 e se concretiza com o lançamento, em fevereiro de 1959, do disco Chega de Saudade. Esse movimento provoca uma ruptura no curso da música popular brasileira ao ter instituído novos paradigmas a execução, instrumentação, concepção e temática do samba tradicional. Com direção musical e arranjos de Tom Jobim, interpretação vocal e violão de João Gilberto, o samba passa a apresentar-se sob uma nova forma, um novo contexto, uma nova moda representativa da modernidade pretendida pelo Brasil na era do Presidente Juscelino Kubitschek. Surge assim, o samba em bossa nova. Contudo, é a partir do concerto dos músicos brasileiros no Carnegie Hall em Nova York em 1962 que, se abre uma nova perspectiva de divulgação e reconhecimento para a música popular brasileira no cenário internacional. A suavização da temática das letras, agora não mais ufanista e eloquente como até então, mas, tratando de assuntos mais cotidianos e urbanos como o mar, o amor, a cidade e a beleza feminina, assim como, um cantar quase falado e sussurrado, possibilitado pelo avanço tecnológico das gravações com o uso de potentes microfones, confere a Bossa Nova um caráter mais “simplista” e intimista. Por outro lado, uma sofisticada harmonia baseada no bebop e cool jazz, as influências de Schoenberg e Debussy, sofridas por Tom Jobim, o desenho melódico típico de canção e uma levada rítmica bastante singular com batidas irregulares ao violão, confere a Bossa Nova uma ruptura a tradição da música popular brasileira. Resulta desta um novo colorido sonoro não só aos ouvidos brasileiros, mas, também aos ouvidos de outras culturas. Tem o seu período áureo entre os anos 1958 e 1963 quando os discursos “engajados” de esquerda passam a considerá-la ideologicamente submissa e alienada. Entre os períodos de 1963 e 1967 desponta o samba-jazz. Música popular que já havia dado os seus primeiros passos no início dos anos 1950 com Johnny Alf, Dick Farney e Bola Sete, retorna após o patrulhamento ideológico sofrido pela Bossa Nova. Para fugir ao patrulhamento, músicos retomam o estilo mais voltado para a música instrumental, com influências claras do Hard Bop, estilo surgido depois do be bop, com sessões de improvisações intermináveis. A música continha uma construção jazzista montada sobre as matrizes do samba. Em 1967, o Quarteto Novo formado por Hermeto Pascoal, Heraldo do Monte, Theo de Barros e Airto Moreira encerra o ciclo do chamado samba-jazz. Com a entrada de Hermeto, o grupo que tinha se formado 1966, como Trio Novo, para acompanhar Geraldo Vandré9 , em shows e festivais da TV, passa a adotar as matrizes rítmicas nordestinas do forró, como o baião, xote e xaxado, nas suas composições. O discurso instrumental também se torna mais “engajado”. Estes posicionamentos conferem certo grau de autenticidade e propriedade à música, intencionando assumir características claras de brasilidade. Estava nascendo uma moderna música popular instrumental brasileira. A partir dos anos 1960 aflora o samba-jazz e ao final da década a moderna música popular instrumental brasileira começa a se consolidar. Desde então, amadurece uma música com influências múltiplas, criadas e executadas por artistas que se consagram no mercado da música instrumental. Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti e tantos outros nomes se destacam em carreira internacional. Outros movimentos surgem ao final da década de 1960. O movimento antropofágico do Tropicalismo mesclava o rock à canção de protesto, tiveram entre seus expoentes os cantores baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso e o grupo paulista Os Mutantes. Mesclando influências dos Beatles a Bossa Nova e as toadas do interior de Minas, surge o Clube da Esquina, movimento de artistas mineiros como Flávio Venturini, Beto Guedes e Lô Borges, liderados por Milton Nascimento e Wagner Tiso. Esses movimentos se consolidam durante a década de 1970, em plena ditadura militar. É importante ressaltar que todos terminam por se fundir em torno de um grande caldeirão musical que se concretiza como MPB, Música Popular Brasileira. Ratifica nomes como Chico Buarque, Elis Regina, Gonzaguinha, Edu Lobo, Ivan Lins, entre outros. Os principais líderes consolidam suas carreiras em domínio internacional. De certo modo, ainda representam a imagem musical do país no mercado internacional. O Rock Nacional ressurge na década de 1980, com destaque para as bandas surgidas em Brasília, além das do Rio, São Paulo e Belo Horizonte. Com características próprias, mescla elementos do rock a já consagrada MPB. Também, nesse período surge uma nova leva de artistas nordestinos como Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Elba Ramalho. O engajamento político resurge em torno das Diretas Já. A década de 1990, além das novas correntes musicais que se consolidariam na década de 2000, é fortemente marcada pelo começo das transformações digitais. O aparecimento dos CD’s, as gravações digitais, a miniaturização dos aparelhos de escuta, tornam a fruição da música acessível em qualquer ambiente e lugar. Iniciam-se uma série de transformações que revolucionariam o mercado da indústria cultural. Aparecem novos artistas como Lenine, Mariza Monte, Nação Zumbi, entre outros.


O Momento Atual

A pluralidade cultural do país se torna cada vez mais envolvente e não mais só as influências negras, indígenas e europeias formam as nossas bases. Outras influências absorvidas pela indústria cultural, pelos meios de comunicação e entretenimento, constituem a nossa estrutura, se fundem e coexistem com as nossas tradições. A aceitação do diferente é parte da nossa formação miscigenada. Esse é o nosso diferencial identitário em relação a outras culturas e povos de etnia “pura”. Nossa diversidade cultural nos coloca em posição de aceitação abrangente dentro de um cenário globalizado. Entram em cena novos elementos, sonoridades asiáticas, do oriente médio, pop-rock, reggae, hip-hop, funk e a música eletrônica, fundem-se à tradição, a religiosidade e ao local e constituem o novo. A extensão territorial e colonização diversa contribuem para a nossa pluralidade. Regionalismos variados terminam por adquirir características unificantes, assemelhadas, a partir de uma midiatização nacionalizada e globalizada que, provoca forte influência nesses diferentes polos culturais regionalizados. Expressões como o hip-hop paulistano, o funk carioca, a nova cena mineira, o forró universitário, o sertanejo universitário, o manguebeat pernambucano, as guitarradas e o tecnobrega paraense e o reggae maranhense, entre outros. Encontram espaço e consumo, constroem identidade e movimentam um mercado paralelo criado pelas novas mídias digitais. A chamada revolução digital tem possibilitado uma nova forma de consumo da produção musical, sem intermediários, direto e bem mais barato, muitas vezes gratuito. O novo paradigma da relação compositor, público e produto, têm ocasionado alterações severas no funcionamento da estrutura de mercado, consumo e produção da obra musical. A internet e a tecnologia digital transformam o mercado da indústria cultural. Agora o consumidor atua dentro de um espaço coletivo virtual e plural. No entanto, bastante singular e individual no momento das escolhas musicais pessoais.


Considerações Finais

Tem importante papel à influência exercida pela indústria cultural, através dos meios de produção e divulgação fonográfica, indústria de comunicação de massa e entretenimento, para a consolidação, transformação e continuidade de variados gêneros da cultura musical brasileira. Tal influência se revela, na medida em que muitas vezes definidora de novas terminologias ou possibilitadora e expositora de novas culturas e tendências, como no caso citado do rádio e mais recentemente da internet, determinantes para a resignificação ou mesmo a criação do novo. Como no exemplo do ocorrido com a Música Popular Brasileira durante os anos 1930, 1950, 1960 e 2000. Períodos significativos, determinantes de estilos e geradores de novas cenas musicais no mercado interno, com repercussão no cenário externo. Esses períodos proporcionaram a música com base na tradição popular assimilar características de estilos, linguagens e terminologias definitivas para sua qualificação como música popular urbana, de reconhecida aceitação no mercado da indústria cultural globalizado. As características rítmicas, melodias, harmônicas e de instrumentação assimiladas, colocam a nossa música como produto representativo de um modelo estético identificador de modernidade e sofisticação no mercado mundial. Contudo, ainda assim, singular e apontador do nosso diferencial identitário ante outras culturas e povos.


Referências
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CONTIER, Arnaldo Daraya. Brasil Novo – música, nação e modernidade: os anos 20 e 30. São Paulo, SP: Tese de Livre Docência em História, USP. Mimeografada, 1988.
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FRANCESCHI, Humberto Moraes. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Sarapuí, 2002.
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TINHORÃO, José Ramos. Pequena História da Música Popular – Da Modinha a Canção de Protesto. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes Ltda, 1974.
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