20 - Procópio Ferreira, apaixonado por Dalva
Minha mãe, com aquela meiguice e lindos olhos verdes, sempre teve muitos pre-tendentes. O primeiro deles que conheci oficialmente foi Paim (Haroldo Paim Pamplona). Era um homem bonito em sua farda imponente de oficial da Aeronáutica. Não durou muito, mas era um sujeito legal com a gente. Imagino que foi difícil conciliar a filosofia de vida militar com a vida de artista de minha mãe. Além do mais, era a época do desquite, tinha de ser um namoro muito escondido. Outro namorado de minha mãe que conhecemos foi Djalma Ferreira, organista famoso da noite do Rio, nos anos 50. Que eu saiba, foi importante para ela. Ele tocava um Hammond B3 fantástico, todo iluminado nos teclados, e tinha um swing bárbaro. Co-mandou a Boate Drink, antes do Cauby Peix-oto, e contribuiu muito para que a noite do Rio fosse alegre e, acima de tudo, criativa. No fim dos anos 60, encontrei-o em Las Vegas, onde morou por muitos anos. Eu me lembro de uma passagem com eles em Jacarepaguá, na casa que minha mãe acabara de comprar. Antes da reforma, era uma casinha pequena, simples, de subúrbio mesmo, onde só faltava em cima da porta aquela plaquinha simplória: “Isto é um lar”. Numa madrugada, acordei meio assustado e procurei minha mãe no quarto. Ela não es-tava. Ouvi vozes que vinham da varanda da casa. Fui até lá e flagrei-a no maior namoro com um homem. Aquilo foi terrível para mim . Comecei a chorar e, é claro, acabei com o clima romântico deles. Ela teve de me colocar na cama, me acalmar e ficar comigo até eu pegar no sono novamente. O homem na varanda era Djalma Ferreira. No entanto, o mais apaixonado, o mais declarado, o mais fervoroso de todos os seus namorados, sem sombra de dúvida, foi o grande ator Procópio Ferreira. Era algo assustador e comovente. Minha mãe chegava às vezes a seu camarim no teatro ou em alguma boate e quase não podia entrar de tantas flores que ele mandava, com cartões apaixonados e convites para jantares românticos. Ele a mimava muito. Era muito generoso com Dalva e a presenteava bastante. Deu-lhe de presente um piano para a sua casa de Jacarepaguá, pois dizia que uma cantora como ela precisava de um para as suas reuniões musicais. E, muito mais tarde, vim a saber que um automóvel Austin que ela teve também havia sido presente dele. Conosco era muito carinhoso, apesar do jeitão sério. Fazia tudo para nos agradar. Lembro que, num Natal, mandou nos buscar em casa, Bily e eu, e fomos com Edith até o Teatro Serrador. Lá, surpreendeu-nos com um presente que enlouqueceria qualquer menino: um relógio para cada um . Mas não era só isso. Quando chegamos em casa, mais surpresa: Procópio havia mandado uma bi-cicleta para mim e outra para meu irmão. Para ver a que ponto chegava essa paixão, vou contar uma passagem deles. Foram jun-tos fazer um show em Fortaleza. Minha mãe havia ficado muito tempo em pé e começou a sentir dores. Assim que chegaram ao quarto do hotel para descansar, Procópio saiu dizendo que não demoraria. E, dali a pouco, apareceu com uma bacia cheia de água e um remédio, dizendo que ia lavar e massagear os pés de minha mãe. Encantada, ela aceitou o mimo. Infelizmente, ela não o amava do mesmo jeito. Machucada pela forma grosseira com que fora tratada nos últimos tempos de casamento com meu pai, sentia-se uma verdadeira princesa com todo esse carinho de Procópio. Mas daí a aceitar o pedido de casamento havia uma grande distância… Dalva tentava dissuadi-lo de seu amor, explicando que tudo ainda era muito recente para ela e que não poderia retribuir com a mesma intensidade. Procópio não queria aceitar a sua recusa e dizia que bastava que ela o deixasse amá-la! Digo infelizmente porque fico imaginando como poderia ter sido diferente o desenrolar da vida da minha mãe se tivesse casado com Procópio. Um homem de caráter e sensibilidade. Um artista de peso que não se ofuscaria com seu brilho. Ao contrário, poderia ter orientado sua carreira. Minha mãe sempre careceu desse apoio. Mas ela era muito ver-dadeira e transparente em seus sentimentos e não admitia sua vida sem amor. Como não o amava, deixou Procópio, abrindo mão do seu braço forte e carinhoso. Muitos anos mais tarde, soube que minha mãe assinara algumas promissórias para conseguir comprar a casa de Jacarepaguá. Numa época de pouco trabalho, ela acumulou dois ou três meses de pagamento e foi ficando nervosa. Como não era um financiamento da Caixa, mas um compromisso particular com o antigo dono, corria o risco de perder a casa. Foi ficando aflita — não podia pedir outro adiantamento à gravadora Odeon, porque já havia recebido um para a primeira reforma que fez. Minha tia Edith, acompanhando toda essa agonia, resolveu procurar Procópio às escondidas, no teatro onde ele estava se apresentando. Já havia passado um bom tempo desde que Dalva terminara o romance, mas ele não titubeou: disse a Edith para dar um jeito de pegar as tais promissórias. Edith conseguiu (não sei o que inventou para minha mãe) e levou os documentos para ele. No dia seguinte, voltou ao teatro e recebeu as promissórias quitadas, mas não antes de jurar a Procópio que jamais contaria à minha mãe o que ele fizera. Ela só soube disso de-pois que ele já havia morrido. Procópio foi um verdadeiro gentleman com minha mãe, apaixonadamente carinhoso na expressão do seu amor! Alguns anos atrás, numa festa no apartamento de Beki Klabin, na avenida Vieira Souto, no Rio, encontrei Bibi Ferreira, filha de Procópio. Ela me chamou num canto e disse que tinha um presente para mim: “O meu pai, grande apaixonado por Dalva, mandou fazer há muitos anos um par de abotoaduras de ouro, com a fotografia da tua mãe em cada uma delas. Eu guardava como relíquia e agora quero te dar de presente ”. Estou para ir buscá-las a qualquer momento.
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