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sexta-feira, 16 de junho de 2017

'GONZAGA JÁ TERIA DESISTIDO DE TOCAR', DIZ SOBRINHO, SOBRE AS FESTAS DE SÃO JOÃO ATUAIS

Joquinha Gonzaga se une a músicos de todo o Nordeste em crítica às programações dos principais polos juninos



Por Alef Pontes



Rei do Baião não se apresentaria nos palcos juninos atualmente, garante sobrinho do músico. Foto: Band/Divulgação


Às vésperas do início do ciclo junino, forrozeiros de diversos estados denunciam a descaracterização do São João com a ausência de sanfoneiros nas grades de programação das festas organizadas pelas prefeituras no Nordeste. Munidos de cartazes com a frase-manifesto "Devolvam o nosso São João", músicos como Joquinha Gonzaga, Waldonis, Flávio Leandro, Chambinho do Acordeon e Targino Gondim chamam a atenção, em suas redes sociais, para o espaço dedicado aos gêneros tradicionais em um dos principais festejos da cultura nordestina.

O sobrinho de Luiz e neto de Januário Joquinha Gonzaga, um dos herdeiros musicais do Rei do Baião, acredita que veteranos do forró sofrem com os "novos" arranjos das grades de programações dos festejos juninos nas principais cidades no Nordeste. "A gente que está vivo é que sofre as consequências. Eu estou pegando os dois lados do São João, aqueles que estão entrando agora até que não sofrem, porque se acostumam com o sistema. Pra gente que é antigo, fica complicado", declara Joquinha.

Sobre o futuro, o sanfoneiro não guarda muitas esperanças para os ritmos tradicionais do período junino: "Daqui a alguns anos, no São João, vai estar escrito apenas o título 'São João', mas, quando você vai para a grade... Aí, são só cantores internacionais e nacionais do Sul. E os sanfoneiros, que realmente são do São João, não vão participar". "Eu até imagino tio Gonzaga hoje, vivo, no meio da gente, o que ele estaria dizendo e fazendo com o que está acontecendo. No mínimo, ele já tinha desistido. Porque tem tem muita coisa que evoluiu, mas evoluiu pro lado errado", opina. "Ele gostava de respeitar o povão, seus fãs, e não admitia que as pessoas trabalhassem errado ou empresário com segundas intenções", lembra.

Os principais motivos para a perda de território nos festejos da época, acrdita, são a falta de aporte e interesse dos setores públicos e as negociações com grandes empresas de entretenimento: "Eles é que estão montando esse esquema. Os empresários estão manipulando tudo, chegam nas prefeituras e compram o espaço todo. Botam quem eles querem, menos os sanfoneiros".

Foi do músico Nivaldo Expedito de Carvalho, mais conhecido como Chambinho do Acordeon, intérprete do Rei do Baião no filme Gonzaga: De pai pra filho, a iniciativa da campanha "Devolva nosso São João". A ideia surgiu no ano passado, a partir de sua experiência no universo ficcional, enquanto interpretava o personagem Targino dos 120 baixos na novela Velho Chico. O músico da ficção, que saía do sertão para se apresentar em um vilarejo, se deparava com uma situação muito parecida com a enfrentada pelos sanfoneiros na realidade.

Na mesma época, foi se apresentar, na véspera de São João, na cidade de Feira de Santana (BA) e se emocionou com o depoimento de um sanfoneiro local, J. Sobrinho. "Ele é um músico com uma articulação muito grande na região e me disse que, em 30 anos, seria a primeira vez que ficaria sem tocar no São João. Eu fiquei com isso na cabeça", revela Chambinho. O episódio inspirou o diretor a denunciar a descaracterização dos festejos juninos no enredo da novela.

Com uma agenda de 25 shows para o mês de junho, Chambinho diz que a maior preocupação é com a situação dos "pequenos" músicos. "Nosso objetivo é lutar por leis que protejam os sanfoneiros que dependem do período junino para investir na própria carreira, comprando uma sanfona melhorzinha, e até na vida mesmo", explica. "Veja, ainda assim estou fora das grades de grandes praças como Caruaru, Campina Grande e Mossoró. E não foi por falta de pedidos. O próprio Joquinha Gonzaga não está com uma agenda boa", atesta.

A alternativa é procurar pequenos espaços, como casas de shows e restaurantes, a oportunidade de se apresentar. "Infelizmente, nós estamos tendo que procurar outros lugares, porque, onde eles ganham dinheiro, nós não temos espaço", critica Joquinha, afirmando que, para os sanfoneiros, as apresentações do mês de junho costumam ser como um 13º salário. "Já tem muito tempo que eu estou vendo isso e eu tenho a impressão de que não vai parar de piorar", emenda.

Outro fator, diretamente relacionado, que tem diminuído a presença dos músicos e ritmos tradicionais nas programações é a apropriação dos espaços públicos por empreendimentos privados, a exemplo da camarotização dos festejos. "A gente achava que ia melhorar, mas este ano está ainda pior. E os prefeitos ficam aí falando desculpas: 'está ruim, a grana tá difícil, então eu preferi vender o espaço'. E a gente pergunta 'quanto, prefeito?', R$ 3 milhões... alguém está levando vantagem com alguma coisa, né?", provoca o neto de Januário.

A crítica de Joquinha recai principalmente sobre os grandes polos do ciclo, como as cidades de Caruaru, em Pernambuco, e Campina Grande, na Paraíba. "Em Patos, no sertão da Paraíba, tem até Luan Santana", aponta, sobre o sertanejo que se apresenta no dia 23 de junho. Chambinho do Acordeon, por outro lado, tem uma opinião mais amena do que a do herdeiro da família Gonzaga. "Eu não sou contra a presença de outros estilos. O São João é uma festa do povo e que cresceu muito, mas acho que exageraram na dose", pondera. "O sertanejo também é uma música do sertão de Goiás e do Tocantins. Eu, por exemplo, fui convidado para tocar em Barretos, mas vou tocar em um palco menor, dedicado a outros estilos, como a mpb e o samba. Aqui, no Nordeste, acontece o inverso, os artistas de fora comandam os palcos principais e, como opção, as prefeituras enxugam os cachês dos forrozeiros tradicionais e deslocam para espaços menores", emenda.

Questionado se essa não seria uma alternativa para atrair o público jovem, Joquinha é afiado na resposta: "E não tem outra época pra isso não? Tem o aniversário da cidade, a festa de padroeiro, o natal... Por que não bota a gente para mostrar ao público jovem quem nós somos, já que eles não conhecem?", questiona. "Agora eles botam Safadão, Xitãozinho e Xororó... que todo mundo está vendo na televisão. A gente não está sendo visto por ninguém", diz.

A convocatória nas redes sociais, explica Chambinho, é o início de uma ação que deve contar ainda com veiculação de um manifesto em vídeo e de projeto a nas prefeituras dos principais polos juninos. "A gente viu, por exemplo, o projeto Viva Dominguinhos receber cerca de 60 mil pessoas por noite, em uma iniciativa formada exclusivamente de forrozeiros. Então está descartada essa hipótese de que sanfoneiro não leva público", argumenta Chambinho, que acaba de retornar de uma apresentação em Londres, Inglaterra, pelo projeto Brasil Junino, com nomes como Alceu Valença e Elba Ramalho.

"Eu estou querendo sair de porta em porta, na casa dos sertanejos lá sul, pedir a eles para saírem de férias no mês de junho. Aí sim dá oportunidade da gente tocar, porque eu quero ver os empresários contratarem alguém", gaita Joquinha. "Eu até achei engraçado, a gente com uma placa, igual a presidiário", continua. Entre as frases divulgadas pelos artistas na campanha, estão "Devolvam o nosso São João", "São João é do Nordeste" e "São João só é grande quando tem forró". "Luiz Gonzaga batalhou muito por um movimento que se tornou mundial. As coisas têm que acontecer daqui para lá, não o inverso", encerra Chambinho.

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