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sexta-feira, 31 de março de 2017

CANÇÕES DE XICO


COM A DEVIDA VÊNIA

A placa estava lá: PROIBIDO ESTACIONAR. Também estavam lá as listas no chão e o meio-fio pintado de amarelo indicado a proibição de ali estacionar. Havia, porém, a truculência, a prepotência e a falta de educação de quem deveria zelar pelas leis. Parou seu carro e desafiou todas as outras autoridades locais. Achando pouco, saiu esbravejando: daqui não saio, daqui ninguém me tira. Jogou no lixo todo e qualquer resquício de dignidade, de respeito à missão que abraçou. Achou-se Deus e era apenas um Juiz a desrespeitar toda a população e o estado de direito. O povo, atônito, a tudo assistia naquele circo-esquina de uma cidade do interior. Deu-se o poder a alguém que passou a ser a verdadeira pessoa que é. A autoridade fez prevalecer sua vontade e seu carro ali ficou, indiferente à lei e aos pedidos de outras autoridades mobilizadas para contornar a situação. Na outra esquina, o vendedor ambulante parou de vender suas canetas. Ninguém as queria e a população sequer o enxergava. Ele também assistia ao espetáculo grotesco que se lhe oferecia. O camelô, com a dignidade de um magistrado, perdeu de 1×0 pro juiz enfezado. A cidadania, impiedosamente goleada.

ESTUDO MOSTRA QUE O CÉREBRO DOS GUITARRISTAS É DIFERENTE DE TODOS OS OUTROS


É claro! Sempre suspeitamos disso, mas agora achamos um estudo que comprova: o cérebro dos guitarristas é diferente do cérebro das outras pessoas.

Em um estudo feito em 2012 em Berlim, pesquisadores escanearam os cérebros de 12 duplas de guitarristas enquanto todos tocavam a mesma música. Eles descobriram que as redes neurais desses guitarristas entravam em sincronia quando tocavam juntos - e mais, entravam em sincronia até mesmo antes de começarem a tocar.

De acordo com o estudo - que você pode ler em inglês aqui - quando um guitarrista sola na guitarra, ele (ou ela) temporariamente desativa a região do cérebro que apaga quando pensamos em objetivos de longo prazo, o que indica que existe uma mudança do tipo de pensamento consciente para o inconsciente.

Quando guitarristas inexperientes tentam solar, a parte consciente do cérebro se mantém ativa, o que leva a crer que guitarristas "de verdade" são capazes de atingir esse modo mais criativo de pensar de maneira mais natural.

De acordo com o site policymic.com, esse estudo torna claro que guitarristas são pessoas mais intuitivas, espirituais, nas palavras deles. Esse tipo intuição influencia até a forma como guitarristas aprendem a tocar. Diferente de outros músicos, que aprendem a tocar usando partituras, os guitarristas, de acordo com os pesquisadores da Vanderbilt University, aprendem mais facilmente vendo alguém tocar do que lendo as músicas em uma partitura.

A intuição deve vir de algo que os guitarristas já sabem bem: que tocar guitarra vai muito além do que apenas essas tais conexões neurais. Pat Martino, um guitarrista de jazz da Philadelphia, teve 70% da parte esquerda de seu cérebro removida aos 30 anos, devido a uma hemorragia. Quando saiu da cirurgia, ele não conseguia mais tocar.

Em dois anos, Martino conseguiu recuperar completamente a forma como tocava guitarra. Cientistas usaram o caso de Pat Martino como um exemplo da plasticidade do cérebro, ou seja, a forma como o cérebro consegue se regenerar.

Para os guitarristas, o caso do Martino representa algo mais: tocar guitarra não é só uma habilidade. É nosso estilo de vida, é o nosso jeito de viver.



Fonte: Musicjungle

quinta-feira, 30 de março de 2017

GRAMOPHONE DO HORTÊNCIO

Por Luciano Hortêncio*


"Matriz C8P-1011, lado A do disco. Este rasqueado foi também incluído no segundo LP de Cláudio de Barros, "Teu desprezo"." (Samuel Machado Filho)





Canção: O beijo

Composição: Valter Amaral - Claudio de Barros

Intérprete - Claudio de Barros

Ano - 1961

Disco - Chantecler 78.0506


* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 10.000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

CONHEÇA A MINEIRA QUE DISPUTA O 'THE VOICE' DA FINLÂNDIA

A mineira Iara Dias, de Viçosa, avança na disputa do reality show e afirma que está aprendendo muito e pretende se dedicar à música nos palcos e nos bastidores

Por Ana Clara Brant 

A vencedora do último The voice Brasil é a cantora de Belo Horizonte Mylena Jardim, de 17 anos. Minas Gerais também está fazendo bonito na versão finlandesa da atração.


Isso porque a mineira Iara Dias dos Santos, de 33, é uma das sensações do programa no país nórdico. Natural de Viçosa, ela já está disputando os knockouts (segunda fase de batalhas). A performance da artista será transmitida na próxima quinta-feira, dia 9. “Cantei numa festa de aniversário de uma amiga e o irmão dela gostou tanto que me sugeriu inscrever no The voice. Achei que iria ter problemas pelo fato de ser estrangeira, mas tem muita gente de outros países na competição. Já está na sexta temporada e este ano foi recorde de inscritos. Estou muito feliz com tudo que está acontecendo”, celebra Iara.

Uma de suas primeiras lembranças musicais foi quando algum amigo da família esqueceu um violão em sua casa, ainda em Viçosa. Iara ficou fascinada e decidiu que queria aprender a tocar. “Eu tinha uns 6 anos e, como era muito pequena, minha mãe me deu aqueles violões de criança mesmo, apesar de eu insistir em ter um de verdade. Só três anos depois é que, finalmente, ganhei um e comecei a ter aulas. Já nessa época, os meus coleguinhas da escola se surpreendiam comigo tocando Janis Joplin eThe Doors, por influência do meu irmão”, recorda.

Nessa época, a viçosense começou a soltar a voz. O irmão Mahyhaly, músico e sete anos mais velho, tinha um disco da Madonna e ela não perdeu tempo. “Nem entendia o que ela cantava, porque eu tinha uns 7 anos e era em inglês. Mas decorei e adorava cantar Like a prayer. Sempre fui muito tímida e cantava mais para os amigos e a família. E olha só. Hoje, curiosamente, canto na TV e para milhares de pessoas”, comenta.

Vivendo há três anos em Joensuu, na Finlândia oriental, com a esposa Mariana – as duas se casaram em 2013, em Belo Horizonte, onde Iara também morou –, a artista mineira terminou o mestrado em gestão de projetos e aproveitou para estudar canto clássico no conservatório da cidade. “Queria melhorar as minhas técnicas vocais, me conhecer melhor vocalmente. Foi excelente pra mim. Não sei se teria me inscrito no The voice se não tivesse estudado no conservatório, porque hoje me sinto bem mais segura”, admite.


BANDA

Atualmente, Iara Dias se apresenta regularmente com uma banda em um pub de Joensuu, onde tocam de tudo um pouco: pop, r&b, jazz e até bossa nova. Lá, se surpreendeu ao conhecer uma cantora finlandesa fã de música brasileira. “Ela canta até João Bosco, difícil de interpretar até para quem é brasileiro. Os finlandeses adoram música e conhecem e respeitam muito a nossa. Joensuu é uma cidade do tamanho de Viçosa e tem um conservatório, para você ver a importância que eles dão ao assunto”, destaca.

Em suas apresentações no The voice, um dos programas de maior audiência da TV na Finlândia, até agora Iara cantou em inglês. Inclusive, é nesse idioma que se comunica com os jurados. “Ainda não tive a tarefa de cantar em finlandês (risos), que não é um idioma muito fácil. Mas, como aqui praticamente todo mundo fala inglês, as apresentações têm sido assim. Quem sabe, se eu prosseguir na disputa, eu não canto até uma canção brasileira? Seria bacana”, anseia.

A cantora se diz impressionada com a repercussão da produção e o sucesso que faz entre o público. Exibido às quintas e sextas-feiras, o programa é uma espécie de “esquenta” para quem vai curtir a balada. “É tipo uma pré-festa. E é um programa muita família também. As pessoas se reúnem para assistir em casa, vibram. Agora, com uma representante aqui de Joensuu, muita gente da cidade me reconhece, torce por mim”, acrescenta.

Independentemente de qualquer resultado, a mineira acredita que a música é o seu caminho, mas não apenas cantando e tocando. “Não me vejo fazendo uma coisa só. Depois de ter feito mestrado em gestão de modelo de negócios da indústria musical, quero estar envolvida com essa parte. Vejo-me atuando tanto nos bastidores quanto nos palcos”, frisa.

Iara costuma visitar a família e os amigos no Brasil pelo menos uma vez por ano e mantém contato frequente. Sente falta, mas não se vê morando mais por aqui. Para atenuar a saudade, ela faz o próprio pão de queijo. “Não é a mesma coisa. O queijo daqui não é igual ao nosso. Mas, enfim, faz parte. A gente nunca sabe o dia de amanhã. Quero muito ir ao Brasil para cantar, mostrar meu trabalho, pois estou compondo também”, revela.

As oportunidades e o aperfeiçoamento artístico já fazem Iara Dias se considerar uma vencedora. “Fico analisando minhas audições e percebo como melhorei. Tenho me dedicado muito, estudado. É uma chance maravilhosa. Quero continuar fazendo música porque me dá uma energia incrível e uma alegria enorme”, festeja.

quarta-feira, 29 de março de 2017

GEOGRAFIA DAS EXPRESSÕES

Um ensaio fotográfico sobre o homem e seus territórios, focando as expressões diversas dos indivíduos no cotidiano e em suas respectivas paisagens. 

Por Fábio Nunes







SHOW DE JOÃO BOSCO EM PORTO ALEGRE É TRANSFERIDO

Apresentação foi reagendada para o dia 28 de maio no Teatro do Bourbon Country


Show de João Bosco ocorre no Teatro Bourbon Country no dia 28 de maio


O show de João Bosco em Porto Alegre marcado para o dia 27 de maio, no Teatro do Bourbon Country foi transferido para o dia seguinte, às 20h. O local da apresentação permanece o mesmo, assim como os valores dos ingressos seguem sem alterações. Quem já garantiu as entradas não terá necessidade de troca, mas quem preferir pelo reembolso deverá solicitar até o dia 24 de março no local de compra e apresentar a identidade e o ingresso adquirido. Os que compraram através do cartão de débito, terão 20 dias úteis para reembolso e os clientes do cartão de crédito, o estorno acontece na próxima fatura.

No ano em que completa 45 anos de carreira, João Bosco vem a Porto Alegre apresentar seu último álbum, lançado em 2012. As mais de quatro décadas de carreira de Bosco são anos de diálogo de sua obra com mestres da tradição e, principalmente, da sua geração. O disco que será apresentado é uma leitura pessoal de toda sua trajetória e reúne alguns sucessos como "Tarde", "Trem Bala", "Tanajura", "Lilia" e "Bodas de prata".

O show ainda comportará as versões de Sinhá que João gravou com Chico em seu no último trabalho, "Agnus Sei" e "Caça à Raposa", além de surpresas que não entraram no álbum, mas ganham espaço na apresentação, como Milagre, de Dorival Caymmi, e Água de beber, de Tom Jobim, entre outras surpresas cheias de significado. Estão presentes na interpretação de Bosco nomes como Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Tom Jobim, João Donato e Chico Buarque.

terça-feira, 28 de março de 2017

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*


O que é canção? Sandra Ximenez

Sandra Ximenez

- O que é canção para você? De onde vem a canção?
A gênesis da canção pra mim seria aquela época primitiva em que fala e canto fossem a mesma coisa... em que brincar com sons, inventar palavras, entoá-las ludicamente, não tinham nome de fala ou canto. Isso parece que o coro grego tentou recuperar e o que eles faziam, por registros (ficaram partituras) e estudos antropológicos, etc. Dizem que era isso, cantofala, falacanto, um só. Daí a canção seguiu nesses ambientes da mistura, do povo, da poesia e da música popular. Hoje eu acho que ela é muito ampla, com várias facetas, não me alinho totalmente com a visão do Tatit e cia (apesar de que gosto das canções do Tatit), e da própria grande MPB, de que ela é a letra sobretudo, poesia em primeiro lugar. Acho que nem saber do que se trata a letra também é um jeito de fruir canção, dançar é outro jeito, e o meu jeito de construir e fruir canções é bem sensorial: música é sensação, e também o que me vem de letra, de sentido, fica nesse âmbito do "um elemento a mais" pra me fazer viajar. Se eu não entendo a língua em que se está cantando a própria palavra-som já me é suficiente pra curtir.

- Para que cantar?
Acho que cantar é humano, todos sempre cantaram em seus rituais, seus trabalhos, seus afagos e cuidados, e o mundo urbano foi nos distanciando disso. Então agora não são todos os humanos que cantam. Sou professora de canto há mais de 20 anos, e pela minha experiência todo mundo quer cantar, e pode cantar. Mas tem aqueles que escolhem isso como profissão. E no meu caso tem a ver com a vibração e transformação que o canto traz ao meu corpo, e também tem a ver com comunicação de algumas estéticas que eu faço por meio da música.

- Cite 3 artistas que são referências para o seu trabalho. Por que estes?
A Bjork, os provençais, e as trobairitz. A Bjork não dá nem pra falar o porquê, é por tudo. Radiohead é pelo canto do Tom Yorke e a sensibilidade dele nas harmonias, adoro as composições, e as 3 guitarras são completamente sedutoras pra mim. Nem sei quem escolher em terceiro lugar. São muitos artistas que gosto, mas esses dois se destacam de forma muito clara e especial. Se fosse falar de mais alguém teria que falar de mais uns 30.





* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

RAPPERS BRASILEIROS APOSTAM NA DIVERSIDADE PARA CRIAR PRÓPRIO MERCADO

De olho em novos públicos, o hip-hop aderiu ao carnaval e adotou o empreendedorismo como lema para conquistar espaço no mercado 

Por Ângela Faria 


Renam Samam diz que o rap empodera jovem brasileiro

O primeiro bloco carnavalesco de rap estreou no sábado de folia, no fim de fevereiro, arrastando multidão animada pelo Centro de São Paulo. MCs e DJs de várias gerações subiram no trio elétrico, que trocou a cuíca por beats e flows. Estavam lá os veteranos KL Jay, Helião e Edi Rock ao lado dos jovens do grupo 5 pra 1 e de Rincon Sapiência. Sucesso no YouTube com o “rap-batuque” Ponta de lança, que bateu 3,2 milhões de visualizações, Rincon compôs Meu bloco especialmente para a folia.

“Foi histórico. Fizemos aquele show na rua, que é a nossa casa, com todo mundo cantando e ‘pulando’ rap”, comemora Renan Samam, de 27 anos. Integrante do coletivo 5 pra 1, o paulistano é considerado um dos produtores mais talentosos da nova geração do hip-hop nacional – trabalhou com Criolo, Emicida e Marcelo D2, entre outros. Comandado pelo respeitado DJ Cia, o bloco Beat Loko só veio comprovar: o rap abrasileirou de vez.

“Ele está cada vez mais forte aqui, o jovem se sente empoderado ao ouvir a nossa música”, diz Samam. Poderoso na cena internacional – sobretudo norte-americana –, o gênero tem tudo para ser a nova onda nacional, acredita Renan. E aposta: a próxima “febre” será o encontro do funk carioca com o trap, subgênero do rap criado em Atlanta, nos EUA, marcado pelos graves e a eletrônica. As duas linguagens, aliás, já têm se dado muito bem nas pistas brasileiras, reforça Samam.


COSMOPOLITA

Há alguns dias, o 5 pra 1 mandou para as redes o clipe Traps band$, single marcado pela sonoridade de Atlanta. Dirigido por Victor Adelino, o vídeo remete a metrópoles, com ruas tensas, bares enfumaçados e o perigo à espreita. Pioneiros do rap nacional, KL Kay, o DJ do Racionais, e Xis participam. No início de fevereiro, o grupo divulgou o single Inbraza, que fala de garotas e bailes. Ambos fazem parte do EP Fábrica de papéis, com oito faixas, cujo lançamento está previsto para o primeiro semestre. Será o terceiro trabalho do grupo, depois dos CDs Kush e garotas (2014) e GoodFellaz (2015).

A diversidade é a marca do 5 para 1, formado também pelos rappers William, Filiph Neo e Dee. Além de trap, estão lá R&B, soul, funk, samba e MPB. “As letras falam de problemas sociais, do cotidiano da quebrada, que é a nossa vivência, do ‘corre’ da cidade e também de amor. Nosso disco é eclético, assim como os outros dois”, explica Samam.

O ecletismo, aliás, vem marcando o rap nacional. O veterano Racionais experimentou a sonoridade contemporânea do trap em seu último disco de inéditas, Cores & valores (2014). Estrela das pistas, Karol Conka explora novidades da música eletrônica em parceria com o duo Tropkillaz. Criolo flerta com o samba e a MPB. Mano Brown, no projeto solo Boogie naipe, bebeu na fonte do soul, R&B, samba-rock à Jorge Ben Jor e do funk das antigas. Fã de jazz, Tássia Reis celebra o empoderamento feminino e a negritude com R&B e eletrônica.

Projota, que aposta na veia pop, bateu 5,6 milhões de visualizações no YouTube com Oh meu Deus, parceria com Renan Samam lançada há um mês. O paulista Rashid, que passou a adolescência no interior de Minas, flerta com samba, Clube da Esquina, reggae e rock. Emicida mergulhou nas batidas africanas em seu último álbum. O mineiro Matéria Prima acaba de lançar 2 atos, produzido pelo paulista Gui Amabis, nome de ponta da MPB contemporânea.

Samam garante: “O rap brasileiro tá no game”. Ou seja, luta por seu lugar no mercado e cria estratégias para conquistar novos públicos. O “ritmo e poesia”, canto falado que veio dos Estados Unidos nos anos 1980, virou porta-voz das favelas e dos negros brasileiros, diversificou sua temática e vai deixando para trás a pecha de “música de bandido”, carimbo que ganhou por dar voz a segmentos da população empurrados para o crime pela exclusão social.

“O gueto é o berço”, explica Samam, convicto de que o hip-hop sempre estará presente ali. Mas ele se expande tanto esteticamente (flertando com samba, forró, MPB e até sertanejo) quanto em termos de público. Para o produtor, a contribuição de sua geração ao rap brasileiro está na liberdade, fruto das facilidades oferecidas pela internet. A revolução tecnológica, além de pôr os jovens em contato com tudo o que é lançado no mundo, democratizou a gravação de singles, EPs e discos.

Porém, o “game” é mais ousado do que isso, afirma Samam. Os jovens rappers vêm aprendendo (e ensinando aos veteranos) a estruturar a própria carreira – da agenda de shows ao lançamento de clipes, EPs e CDs. Vendem camisetas e bonés com a própria marca, influenciando o visual dos jovens. Organizam-se coletivamente para gerenciar o negócio, de forma a tirar o sustento de sua arte. “Trouxemos o pensamento empreendedor para o rap”, resume. O bloco carnavalesco de DJ Cia, inclusive, é prova disso, ao articular apoio de patrocinadores à iniciativa.


IMPROVISO

Acabaram-se os tempos da improvisação. Racionais MCs montou a própria empresa, a Boogie Naipe, que também cuida da carreira solo de Mano Brown, do RZO e do 5 pra 1. Rashid toca a produtora Foco na Missão. Emicida não se limita a gerenciar a Laboratório Fantasma, sua produtora e selo fonográfico – um case do empreendedorismo –, em parceria com o irmão, Evandro Fióti. Ano passado, a dupla e o estilista João Pimenta lançaram coleção de roupas da grife LAB, que bombou na São Paulo Fashion Week. Desfilaram jovens negros empoderados, com seus cabelos black power, modelos gordas e portadores de vitiligo.

“Fiz com a passarela o que eles fizeram com a cadeia e com a favela. Enchi de preto”, declarou Emicida aos jornalistas. À sua maneira, o rap abrasileirou o fechadíssimo game do mundinho fashion.


BOY KILLA

Jovem revelação do rap paulista, Boy Killa está concluindo as gravações de Vários relatos, EP produzido por Beatz Blood com participação especial de Rincon Sapiência e Coruja BC1. Integrante do grupo de MCs que se apresenta com o Racionais, Killa mandou para as redes o single No corre. Com batidas pesadas, ele fala da realidade das favelas: racismo, drogas e a determinação de superar a exclusão social.


LUXÚRIA E POLÊMICA

O mineiro Flávio Renegado é outro rapper que incorpora pop, samba e MPB a suas batidas. Ele acaba de mandar para as redes o clipe de Luxo só, parceria com Jana Lourenço. A picardia do funk carioca e o refrão “ai/ tá gostozim” marcam a canção, que simboliza a luxúria no disco Outono selvagem, cujas faixas são dedicadas aos pecados capitais. No vídeo, Flávio é o homem-objeto quase “devorado” por garotas. Fãs e feministas criticaram o trabalho e o acusaram de “objetificar a mulher negra”.


O elenco do clipe integra o coletivo Batekoo, que reúne mulheres negras e promove festas em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Uma delas, Amanda Coelho, diz ter gostado de “sensualizar”, lembrando que é gorda e mãe de dois filhos. Para ela, Luxo só valoriza a estética da periferia e o empoderamento feminista.

Nesta segunda (6), o rapper postou mensagem no Facebook argumentando que o Batekoo é “um novo e instigante capítulo do movimento negro, que está crescendo em vários estados do Brasil”. Explicou que a proposta do clipe é falar de sexo de forma natural, “festejando os corpos como força de liberdade e de ação política, sem moralismos”. Para ele, o vídeo não objetifica mulheres.

Maíra Colares manifestou sua indignação na página do artista. “Respeite as mulheres. As mulheres negras. Ainda dá tempo, volte atrás, reconheça o erro e retire do ar. Se retrate. Na sua história não cabe esse tipo de preconceito. E vc não é do tipo ‘ostentação’. ‘Acabou o amor’... Vc não deve nos decepcionar tanto! Essa não é sua história”, criticou ela.

SERVIÇOS DE STREAMING DE MÚSICA PODEM FICAR MAIS CAROS NO BRASIL

Uma decisão do STJ desta quinta-feira (9) afirma que serviços como o Spotify e o Deezer terão que pagar direitos autorais ao Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição)

Por Júlia Miozzo 


SÃO PAULO – Uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) desta quinta-feira (9) pode fazer com que os serviços de streaming de música fiquem mais caros. Ela se refere a um recurso especial enviado pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) em 2013 por conta da falta de pagamentos dos serviços de streaming ao Escritório.

O relator do recurso foi o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que questionava se a legislação atual permite considerar o streaming como uma forma de execução pública, por conta da transmissão digital que oferecem. Ele baseou o argumento na lei 9.610/98, que considera como local de frequência coletiva – e, portanto, público – onde se transmitam obras musicais, como a internet. No julgamento, o STJ definiu que a lei suporta a decisão de acolher o recurso.

Em nota divulgada, o STJ afirmou que a decisão de reconhecer a necessidade de pagamento de direitos autorais ao Ecad é uma tendência mundial, além de que a receita proveniente dos serviços “cresce ‘vertiginosamente’ e que o movimento natural é o de buscar equilíbrio entre os interesses dos criadores musicais e das companhias que exploram a música”.

“O acesso à plataforma musical é franqueado a qualquer pessoa, a toda coletividade virtual, que adentrará exatamente no mesmo lugar e terá acesso ao mesmo acervo musical, e esse fato, por si só, é que configura a execução como pública”, afirmou o relator do recurso.

Os serviços de streaming de música que atuam no Brasil, como o Spotify e o Deezer, ainda não se posicionaram sobre a mudança e se o valor do pagamento de direitos autorais será repassado para o consumidor.

Vale lembrar que o preço da assinatura mensal do Spotify sofreu aumento já no início de fevereiro.

segunda-feira, 27 de março de 2017

PAUTA MUSICAL: O CASAMENTO - PRIMEIROS BOATOS

Por Laura Macedo


Ivan Lessa

Nem bem a noiva disse "Eu gostaria de pensar mais um pouco" (e esse é o primeiro boato) começaram a ser espalhados, como era de se esperar os primeiros boatos a respeito do Real Enlace que nesta sexta-feira, dia 29 de abril, passa para a História como O Dia do Casamento de uma moça chamada Vilma (e esse é o segundo boato) com um rapaz de sangue vermelho como o de qualquer plebeu (e esse é o terceiro boato) que atende, ou não, dependendo de quem está chamando, pelo nome de Robby Flores (quinta linha e eu e minhas fontes, Carlos Espiridião e senhora, "dona" Belinha, Chepstow Villas, 38, flat B, Londres SW8 0NV, telefone celular 073158967, já conseguimos enfileirar três boatos de bom tamanho).

O clima na cidade é de festa, o tempo variável como um nobre, político (Tony Blair, Gordon Brown) ou diplomata não convidado para a cerimônia realizada, ou a se realizar, conforme o ponto cardeal, os fusos horários e o senso de orientação dos jornalistas, hoje na Abadia de Eastminster (mais um boato: 321 convidados, destituídos de um mínimo de luzes e um mapinha razoável da cidade, foi parar num lugar situado a 47 milhas de distância do verdadeiro local do drama épico).

"Drama épico?" dirão muitos. Dezoito pessoas pelo menos. Meu desfile único de boatos é o furo jornalístico do ano. Enquanto 18 mil profissionais vindos de todas as partes do mundo (só do Brasil, 1,7 mil, não contando os técnicos) se preocuparam com a narrativa daquilo que 2 bilhões de pessoas espalhadas pelos quatro cantos do globo estavam vendo, eu nem liguei para o vestido da noiva (era verde-pano-de-sinuca, se insistem em saber) ou o penteado dos longos cabelos negros como a asa do watering martin, uma ave comum no nordeste da Inglaterra, daquele que uma maioria esmagadora (e olha que eles esmagam mesmo. Jornalismo moderno é fogo) insiste que era o Príncipe.

E tomem, de quebra, mais um boato antes que eu passe apenas a enfileirá-los como as peças derrubadas do bowling: na verdade tratava-se de um sósia especialmente contratado para confundir e, em seguida, apreender, um confuso terrorista malgaxe, o "Xacal com X"que jurara se vingar da Família Real pela morte de seu porco favorito, o "Sultão", que, na verdade, o Special Branch da Scotland Yard conseguiu apurar, algumas horas depois do atentado felizmente frustrado. A tragédia do porco malgaxe não passava de morte das mais naturais na ilha de Madagascar: virar banquete aos domingos. Servido, aliás, com muita baunilha, uma especiaria da referida região do globo.

Mas vamos aos fatos. Ou ao que muitos divulgaram para o mundo como fatos. Que eu, municiado por minhas fontes fidedignas (Carlos Espiridião e "dona" Belinha), agora desmascaro e divulgo para as plebes atônitas e como que hipnotizadas pelos efeitos da hipnotização em massa malévola. Vamos lá:

* Hipnotização em massa malévola. A única explicação plausível para essa mórbida obsessão com a reunião, perante um Deus obscuro, e autoridades judiciais corruptas, de dois mortais. A coisa toda não passa de mais uma experiência que vinha sendo tramada, com verba do contribuinte, por uma equipe de cientistas menores da Universidade de Glasgow na Escócia.

* O príncipe em questão é imortal e faz parte de um grupo de heróis moldados em HQ mal desenhadas, de menor vendagem e, assim, subsequentemente, de menor vendagem. O grupo se auto-intitula "Justiceiros Nobres". E mesmo em sua ficção jamais conseguiram apreender um ladrão de galinhas ou abrir um guarda-chuva durante um terremoto no Japão.

* A noivinha é plebeia. Terceira pessoa do singular do verbo "plebear", inexistente em qualquer língua falada ou escrita no mundo inteiro. Ela queria mesmo é ser "plebéia" com um acento no "e", conforme usou, com muita graça e elegância, como se fosse um chapéu de grife, ao lado do imponente Gregory Peck, a Audrey Hepburn naquele filme do William Wyler, A Princesa e o Plebeu. Forças misteriosas impediram-na de ver seu sonho concretizado, logo no começo de sua nova vida, repleta de responsabilidades caridosas, Essas forças ainda darão muito o que falar.

* O Arcebispo da Cantuária, muitas vezes sofrendo bullying, ou intimidação para os que preferem o idioma de Camões e Paulo Coelho, vem sendo cognominado (ainda mais essa) Arcebisbo de Canterbury. Pois o santo homem nasceu mulher e costurava para fora. Seu nome de pia batismal era Virginia Lillian Whitehorn. O médico responsável pela operação alegou "privação dos sentidos", quando de seu julgamento em Melbourne, na Austrália, em outubro de 1965.

O resto? Jornalista precisa de assunto, de furos, de viagens pagas de primeira classe. O resto, pois, depois eu conto, conforme dizia o cronista social Ibrahim Sued, e o Miguel Gustavo encaixou o bordão num sambinha delicioso que o Jorge Veiga gravou. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

MINHAS DUAS ESTRELAS (PERY RIBEIRO E ANA DUARTE)*




09 - Carmen Miranda

É motivo de orgulho para mim ter feito xixi na cama de uma mulher muito famosa. Já explico! Minha mãe contava uma história bem engraçada de quando eu era pequeno e Carmen Miranda morava na Urca, perto de nossa casa. Ao terminar seu primeiro contrato nos Estados Unidos, onde ficou seis meses, Carmen retornou ao show do Cassino da Urca, com a promessa do empresário norte-americano de mandar novo contrato, mais longo, para levá-la de vez para morar nos Estados Unidos, filmando em Holly wood. Carmen, naquela expectativa, entrou em compasso de espera. Meses se passaram, e nada. O tal Mr. Lee não dava notícias.  Carmen então se agarrou a uma espécie de simpatia. Se uma criança fizesse xixi em sua cama, seria o sinal da chegada do tal contrato, do empresário norte-americano. Carmen não tinha filhos. Durante algum tempo, contava minha mãe, ela passou a ir a nossa casa e pedia “o Pery emprestado”. Em sua casa, Carmen me encharcava de água, suco, qualquer líquido, me colocava em sua cama e… nada de o xixi acontecer. Eu não era mais tão pequeno, não molhava mais tão facilmente a cama. Um dia, Carmen entrou correndo por nossa casa, aos berros: “Ele fez, ele fez, Dalva, ele fez!”. Finalmente eu havia feito xixi na cama de Carmen. Ela acreditava que era o sinal para a simpatia se cumprir. E assim foi. Carmen Miranda se tornou o que todos nós sabemos, The Brazilian Bombshell, — e eu ando buscando alguém que também faça xixi na minha cama…  Anos mais tarde, Carmen veio ao Brasil e Otelo me levou para encontrá-la no Anexo do Copacabana Palace. Divertida, Carmen recordou essa história e me contou que insistiu muito com minha mãe para deixar me levar com ela para os Estados Unidos, já que não tinha filhos, onde cuidaria de meus estudos e me teria sob sua proteção. Minha mãe jamais permitiu e nunca comentou isso comigo. O engraçado, irônico até, é que, depois da separação de meus pais, fui “despachado” a viver em cada lugar! E ninguém se lembrou dessa oferta, excitante, de Carmen.



* A presente obra é disponibilizada por nossa equipe, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo.

CURIOSIDADES DA MPB

Entre muitos nomes da música popular brasileira que admiravam o trabalho de Ismael, estava o do cantor Chico Buarque. Em 1970, quando ganhou um prêmio em dinheiro do Governo do Estado da Guanabara, o cantor doou o cheque ao compositor. Mesmo passando por dificuldades financeiras, Ismael demorou um bom tempo para descontar o dinheiro. Preferiu exibir para os amigos o gesto de respeito e carinho, mostrando lhes a assinatura de Chico.

domingo, 26 de março de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB

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Falar de samba no Brasil é perpassar por todas as fases da música popular brasileira e rememorar alguns grandes nomes que contribuíram para escrever a história de uma das músicas mais cultuadas do planeta. A influência do samba dentro da MPB é notória, e para atestar isso desde os anos de 1910 que diversos nomes vem produzindo canções que entraram para o rol dos clássicos do nosso cancioneiro. Dentro do samba contemporâneo nenhum grupo existente se equipara ao Fundo de Quintal, que teve origem a partir de sambistas da escola Imperatriz Leopoldinense na segunda metade da década de 1970 dentro do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, em Ramos, subúrbio da região da Leopoldina, na cidade do Rio de Janeiro. A primeira formação do conjunto de samba teve Almir Guineto, Bira Presidente, Jorge Aragão, Neoci (filho do célebre compositor João da Baiana), Sereno, Sombrinha e Ubirany. Dá para se perceber que se tratava de um time de peso que apresentava-se na quadra de futebol onde se realizavam além dos ensaios do bloco, um dos maiores movimentos de samba que se tem notícia nos anos de 1970: os pagodes de Fundo de Quintal. Essas reuniões, sem dúvida alguma, nos anos posteriores, muito contribuiu positivamente para escrever a história do samba contemporâneo.  A princípio, as reuniões aconteciam sempre às quartas-feiras para que fazer aquilo que eles mais gostavam: samba de qualidade. Essas reuniões começou a atrair a atenção de gente importante do mundo do samba porque além de tocar músicas de renomados sambistas, lá eles também apresentavam composições próprias. Essas canções vinham muitas vezes acompanhadas por de instrumentos até então incomuns nas rodas de samba e eram executadas, muitas vezes, em um ritmo diferente. Um exemplo da excentricidade do grupo era o tantã criado por Sereno, o repique-de-mão criado por Ubirany e o banjo com braço de cavaquinho criado por Almir Guineto. Esta inovação sonora, credita ao Fundo de Quintal a criação de um estilo influenciador a muitos grupos que surgiram posteriormente como é possível observar no cenário musical brasileiro contemporâneo.

Ainda na década de 1970, devido à ascensão e originalidade do grupo, Beth Carvalho convidou-os para participar do disco "Pé no Chão", o décimo primeiro disco da carreira da sambista (terceiro pela RCA Vitor). No álbum, além de executarem alguns instrumentos, um dos integrantes foi responsável por um dos maiores sucessos da artista carioca até os dias de hoje, quase quatro décadas depois. É neste álbum, entre canções da lavra de Beto sem Braço, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, Monarco e Paulo Portela, Wilson Moreira e Nei Lopes, Cartola, Nelson Sargento, Candeia e Martinho da Vila; que se destaca a canção "Vou Festejar", que tem dentre os seus autores Jorge Aragão. É neste trabalho também que o grupo se aproxima do produtor Rildo Hora, que mais tarde viria a produzir vários trabalhos do grupo. Apesar do relativo sucesso no universo do samba, o grupo não tinha até então nenhum registro fonográfico, fato que só veio a acontecer  em 1980 quando a gravadora RGE lançou o primeiro disco do grupo que trazia por título "Samba é No Fundo do Quintal", trabalho que foi muito bem aceito pela crítica musical da época. Neste primeiro álbum há canções como "Sou Flamengo, Cacique e Mangueira", "Bar da esquina", "Marido da madame", "Prazer da Serrinha", e canções de relativo sucesso à época como "Você Quer Voltar", "Zé da Ralé" e "Gamação Danada".

sábado, 25 de março de 2017

PETISCOS DA MUSICARIA

Por Joaquim Macedo Junior


SÉRIE “AS MINAS GERAIS” – COZINHA MINEIRA

Cozinha Mineira: café da manhã; chá da tarde


Aqui em São Paulo há algumas décadas, tinha convicção de que o ‘Tutu à Mineira’ era a matriz do meu habitual ‘Virado à Paulista’.

Vamos começar esta parte da viagem desfazendo essa máxima. Saibam todos que aqui me ouvem que os bandeirantes levaram o virado para Minas Gerais, onde o prato se converteu no tutu à mineira.

E a grande diferença é que o tutu mineiro é feito com feijão moído e o virado a paulista feito com grãos inteiros. (Está nos compêndios de gastronomia). O pior é que aprendi a versão errada justamente na capital bandeirante.

Pois bem, nesta passagem por um dos pontos mais importantes de Minas e do Brasil, as cidades históricas que compõem a Estrada Real e a dos Inconfidentes pensava em passear, conhecer os lugares, os museus-cidade, a prosódia, as alterosas, os pontos de atração, as obras do Aleijadinho, o moderníssimo acervo e saudável ambiente de Inhotim, mas não pontuei um dos quesitos mais característicos da terra, que é a gastronomia.

Sabor é memória, memória é cheiro, cheiro é sensualidade. Descobrimos a diferença gritante do tutu para o virado e um punhado de comidas, comidinhas, guloseimas e muita novidade.

Restaurante mineiro: mais um frango com quiabo


Para mim, a maior delas foi a dupla, presente em quase todos os restaurantes, self service, lanchonetes e botecos foi ‘frango com quiabo’. Sei que não há unanimidade quanto ao quiabo (longe disso), mas sou quiabo-maníaco, desde que morei na Bahia, nos 1970.

Cafezinho gostoso no CBBB, praça da Liberdade


Um panorama da comida mineira:

A carne de porco é muito presente, sendo famosos o ‘tutu com lombo de porco’, costelinha de e o ‘leitão à pururuca’. São apreciados a ‘vaca atolada’, o feijão tropeiro com torresmo, a ‘canjiquinha com carne (de boi ou de porco)’, linguiça e couve, o frango ao molho pardo com angu de fubá, o ‘franco com quiabo ensopado e arroz com pequi’.

São famosos os doces mineiros, especialmente o doce de leite (hum), a goiabada e a paçoca. O pão de queijo (vá no natural, fuja das franquias), os queijos (e o seu modo artesanal de preparo) e o café também estão entre as principais referências da cozinha mineira.

Muitos pratos têm origens indígenas, cuja culinária era predominantemente à base de mandioca e milho e teve incremento dos costumes europeus, com a introdução dos ovos, do vinho, dos quentes e dos doces.


Alguns dos melhores

É passeio, mas vale a pena dar nota e classificar pelos itens tradicionais de sabor, variedade, higiene geral, ambiente, físico e de receptividade, relação preço/consumo e assim por diante. Faço isso pelo prazer de ressaltar os que mais gostei e, quem sabe, indicar a algum amigo que por aquelas terras vá passar. Nem fiz freela pela 4Rodas.


01) ‘Sabor Rural’, tudo feito na hora, comida mais primitiva de Tiradentes – nota 10;

02) ‘Parada do Conde’, em Ouro Preto; foi um encontro de sabores, amizades e simpatias recém concebidas. O Ricardo e a Poliana fazem o casal perfeito no atendimento, graça e profissionalismo, sem perder o humor. Eu degluti ou degustei um prato de carne, mas fiquei encantada com a polenta, deliciosa e esparramada no prato. Foi mais que um grande almoço meus amigos. Trilha sonoro de primeira – nota? 10.;

03) “O Bar do Museu do Clube da Esquina’, do qual aqui já falei em outras colunas é imperdível. Falem com a Virginia, sabe tudo, amiga de todos os Borges – 10, claro;

04) Por fim, o ‘Tamboril’, principal restaurante do Instituto Inhotim. Primeiro, conhecer d. Naílde, uma figura simpaticíssima e disposta a tirar todas as dúvidas dos clientes sobre os cordeiros e demais iguarias. Afinal, ela é a Chief do Tamboril e de todos os locais de alimentação do Inhotim, inclusive do Helio Oiticica. Outro 10.

Semana que vem, tem mais…

UM NOME POR TRÁS DA CANÇÃO

Um dos mais produtivos compositores da música brasileira ainda em atividade, Bráulio de Castro não pára de produzir nos mais variados gêneros da MPB, em especial a pernambucana

Por Bruno Negromonte


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Se há uma única palavra que poderia ser associada a história do compositor dentro da música popular brasileira seria ressentimento. Salvo os compositores/intérpretes, poucos são aqueles que tem o seu trabalho por trás das canções reconhecido. Infelizmente é uma questão erroneamente cultural, e que com o passar dos anos e o advento das novas tecnologias tem se acentuado essa hábito de modo que em rádios, sites, aplicativos e programas de TV só há destaque para o intérprete. No entanto é preciso reconhecer a importância e o valor de tais profissionais que conseguem através de inspiração e transpiração produzirem canções pontuadas pelas mais distintas características. Pensando nisso, em 2013, o então deputado federal paulista João Paulo Cunha apresentou o projeto de lei n.º 5.985, onde dispõe sobre a regulamentação do exercício da profissão de compositor e dá outras providências. Neste projeto de lei o autor buscou o reconhecimento da atividade de compositor como profissão artística, pois os considera de suma importância na formação cultural de um povo. Segundo o mesmo projeto as emissoras de rádio devem, obrigatoriamente, divulgar o nome dos compositores das obras musicais veiculadas em sua programação e o descumprimento do disposto sujeitará as emissoras infratoras em um primeiro momento ao pagamento de multa, e caso haja reincidência, os canais de comunicação poderão sofrer interdição em sua programação por período de até trinta dias. No entanto o que se ver rotineiramente nos mais distintos espaços é a omissão daqueles que compõem. Raramente há a divulgação dos autores e isso acaba por privar o grande público de conhecer expressivos nomes que ficam no anonimato por trás de versos e melodias.


É neste adverso contexto que Bráulio de Castro se encontra. Natural de Bom Jardim, município localizado no Agreste pernambucano a pouco mais de cem quilômetro da capital do Estado, Bráulio traz em seu gene essa aptidão para a música a partir do seu avô paterno que, no ano de 1932, fundou a Banda de Música Grêmio Litero-Musical Bonjardinense. Sendo assim é válido frisar que o seu interesse por música vem desde a infância como o próprio Bráulio recorda em entrevistas cedidas, mas apesar de algumas incursões pelo universo da composição, foi só ao mudar-se para o Recife que o pretenso compositor resolveu investir na carreira de modo mais sério. Esse fato ocorreu quando o bonjardinense, por volta dos dezoito anos, teve a sua primeira composição, um frevo, gravada pelo músico Martins do PandeiroPosteriormente, outros intérprete do gênero vieram a gravar suas composições, dentre eles Claudionor Germano. O nome mais expressivo do frevo chegou a fazer três registros fonográficos compostos por Bráuliodois na década de 1970 e um outro em 1990. Ao mudar-se para o Sudeste a sua carreira como autor deslanchou. Fixando morada em São Paulo, o autor pernambucano teve como primeiro intérprete o saudoso Noite Ilustrada, que gravou uma marcha carnavalesca (já atestando ao grande público sua verve criativa a partir de outros gêneros e ritmos). Daí em diante o leque de intérpretes e parceiro vem se estendendo até os dias de hoje, pouco mais de cinco décadas depois de sua primeira composição gravada. Dentre seus intérpretes, Bráulio pode enumerar expressivos nomes dos mais variados gêneros dentro da música popular tais quais o Grupo Tradição (que acompanhados por Zeca Pagodinho eternizaram um samba que Benito de Paulo tinha lançado duas décadas antes: "Bendito Seja"), Wilson Simonal (que fez em 1976 a gravação da canção "30 dinheiros"),  Nando Cordel Fafá de Belém (que registraram "Meu bombom"), Maria Alcina ("O aperto"), MiltinhoGenival Lacerda (com Rock do jegue)Jair Rodrigues, Germano MathiasElza Soares Jackson Antunes (que gravou "Vai Devagar, Conceição"), Luiz GonzagaLuiz Américo e Alcione ("Desafio (Cuca cheia de cachaça)"), Alcymar MonteiroFlávio José entre outros tantos nomes da música popular brasileira de expressão local e nacional que emprestaram as suas respectivas vozes para cantar e decantar a obra de Bráulio de Castro a partir dos mais distintos ritmos e gêneros musicais existentes em nosso país sempre de modo desenvolto e muito original. 

Criador nato, o autor desdobra-se em confetes, serpentinas, zabumbas, sanfonas, pandeiros, e tantos outros instrumentos que representam os mais variados ritmos existentes em todo o território nacional. São frevos (de bloco e canção), forrós, sambas e maracatus que vem adornando a cultura nacional e pernambucana ao longo dos últimos cinquenta anos a partir dos mais distintos temas. Para ser mais preciso, desde  1964, quando o próprio gravou pelo Selo Verdi o frevo "Além de mim" e o saudoso "formigão" Cyro Monteiro gravou o samba "Maria Luiza". Sem contar a participação em diversos festivais, onde apresentou composições como "Cem anos de Monteiro Lobato - Antes Que Acabem As Flores", "Recado de Adoniran para Arnesto", "Maracatu Quilombo" e "Bloco para Getúlio Cavalcanti" (composições que alcançaram o 1º lugar respectivamente nos concursos "Frevança" e Festival "Recifrevo"). Soma-se ainda a esta exitosa trajetória o primeiro lugar no Festival de Carnaval em comemoração ao centenário do Frevo com o Maracatu "Pátio do Terço", defendido magistralmente por Walmir Chagas, assim como também a mesma posição, no no último Festival de Carnaval realizado pela prefeitura do Recife com "Lá Vem Cabela", parceria sua com a cantora, instrumentista e compositora Fátima de CastroDentre alguns de seus registros, há três que merecem significativo e merecido destaque. São os discos "Meu Bom Jardim", "Minha Terra" e "Bom Jardim, Terra da Música e das Flores de Ouro", trabalhos dedicados ao seu torrão natal, onde Bráulio teve a oportunidade de unir em disco a fina flor da música pernambucana a partir de nomes como Genival LacerdaDominguinhosMaciel MeloPetrúcio AmorimNádia MaiaExpedito BarachoCaju e Castranha. Tais projetos o coloca no rol dos compositores que mais enaltecem sua terra dentro da música popular brasileira. São, entre vinis e cd's,  55 músicas em homenagem ao município de Bom Jardim.

Bráulio de Castro assemelha-se a uma fonte que parece nunca secar. São mais de 300 composições gravadas e tantas outras ainda inéditas que permite-nos compará-lo a um grande rio sonoro onde a musicalidade brasileira a partir dos mais distintos gêneros são verdadeiros afluentes que alimentam a criatividade do artista e este, concomitantemente, devolve aos ouvidos presentes nas margens ribeirinhas uma rica e inebriante sonoridade que alcança os mais variados rincões a partir de uma gama de ritmos e uma luta diária. Um embate onde a falta de qualidade a princípio até acha-se sem vantagem agora, mas ao longo do tempo tudo se esvai restando apenas aquilo que atemporaliza-se por sua qualidade tal qual o trabalho de nomes como o de Bráulio e tantos outros que escreveram e continuam a escrever a história da MPB. Uma luta onde o reconhecimento dessa imprescindível profissão perpassa por uma série de fatores que já deveriam estar maturados na cultura musical brasileira, mas infelizmente até então deixa-se muito a desejar. Uma luta diária para que contexto atual seja revertido, onde haja uma reestruturação profunda no modo como se ver a produção cultural em nosso país a partir da figura do compositor, profissionais estes, que como o próprio projeto de lei citado ao longo do texto diz "atuam como peça fundamental para um dos nossos mais consumidos e exportados produtos: a música brasileira".



Maiores Informações

EM 'UMA HISTÓRIA DO SAMBA', LIRA NETO APRESENTA AS ORIGENS DO GÊNERO

Em entrevista ao Correio, o autor fala sobre a pesquisa, o livro e as mudanças no estilo

Por Nahima Maciel


O livro apresenta também imagens históricas relacionadas ao samba 


A história do samba é povoada de anti-heróis. Por mais que nomes como Ismael Silva, Cartola e Hilário Jovino Ferreira tenham sido sacralizados, é em um meio muitas vezes povoado por histórias policiais e protagonizado por personagens à margem cujos rostos a classe média carioca preferia não ver, que nasceu o gênero mais popular da música brasileira. São as histórias desses anti-heróis e de como suas realidades pautaram o nascimento do samba que Lira Neto narra em Uma história do samba (As origens), o primeiro volume de trilogia destinada a esmiuçar a trajetória do gênero.

Pelo telefone, gravado por Donga em 1917 e cujo centenário é celebrado neste ano, pode ser considerado o marco das origens do samba, mas Neto escolheu o ano de 1890 para dar início a essa narrativa. O primeiro volume segue até 1930, embora o autor avance um pouco sobre a década de 1940, quando o samba se tornou o gênero mais gravado do Brasil.

Ao pesquisar sobre Getúlio Vargas para a monumental biografia lançada entre 2012 e 2013, o jornalista cearense se deparou com o ambiente cultural efervescente da primeira metade do século 20. “Foi exatamente naquela época que o samba, saindo dos espaços da marginalidade, passou a ser apropriado e alçado à condição de símbolo máximo de uma pretendida identidade` nacional´. Assim, escrever sobre ele é um desdobramento quase natural de minhas pesquisas anteriores”, garante.

Em uma narrativa nada linear e focada em personagens, Neto navega pela história por meio das figuras que configuravam a cena carioca das origens do samba. O autor não se prende a uma cronologia, o que ajuda a desenhar um cenário do Rio de Janeiro da época. A opção rendeu os melhores momentos do livro, iniciado com um episódio de 1945 protagonizado por Heitor Villa-Lobos e pelo maestro inglês Leopold Stowoski, quando os dois juntaram uma turma de bambas da mangueira para gravar um disco de música brasileira em um navio uruguaio ancorado no porto do Rio. Stokowski queria levar o material para um festival de folclore, mas nem o festival nem o disco chegaram a ser concretizados.

O encontro, no entanto, dá o tom do quanto o samba já atraía a atenção da elite brasileira em meados da década de 1940, realidade bem diferente daquela vivida pelos sambistas no início do século. O gênero surgiu marginal e seus inventores não eram exatamente heróis. Boa parte das fontes de Neto, além da bibliografia obrigatória, foram jornais, gravações e documentos variados, especialmente os boletins de ocorrências, folhas corridas e inquéritos policiais garimpados em arquivos públicos e particulares

“No caso do samba, uma manifestação popular que possui uma narrativa construída com lastro em forte tradição oral, o desafio foi cotejar essa memória coletiva do gênero com a documentação disponível, ora para confirmar versões, ora para relativizar mitologias”, avisa o autor.


Marginalidade

Personagens que viveram por mais tempo, como Pixinguinha (1897-1973) e Ismael Silva (1905-1978), construíram em torno de si uma mitologia, mas boa parte deles viveram em condições marginais e foram alvo permanente de preconceito social e das políticas higienistas da época. “De início, eram invisíveis aos olhos da imprensa, discriminados pela sociedade que os rodeava e, nesse cenário, produziram a sua própria narrativa, estabelecendo seus mitos fundadores, seus próprios heróis — ou seus anti-heróis, melhor seria dizer”, diz o autor.

Segundo ele, os bambas foram hábeis em reconstituir as próprias trajetórias durante entrevistas e depoimentos. “Mas o pesquisador não pode se restringir e se submeter às verdades autocongratulatórias construídas pelos próprios protagonistas”, aponta Neto. “A memória é seletiva e construída. Daí ser importante a pesquisa em outras fontes.”

No início, escolas de samba, blocos de carnaval e o próprio gênero eram vistos com olhar enviesado pela elite brasileira. Foi apenas a partir de da década de 1940, graças a conjuntos como o Época de Ouro e a popularização do rádio, que o samba passou a interessar também nos grandes salões da cena carioca. Mas essa parte fica para o segundo volume da trilogia de Lira Neto.


Entrevista/ Lira Neto

A história do samba é uma parte mal documentada e pouco explorada da nossa história, embora seja um gênero tão popular?

É sempre desafiador fazer pesquisa histórica no Brasil devido ao estado precário das fontes arquivísticas e ao pouco caso com que é encarada a preservação da memória nacional. Some-se a isso o fato de os principais protagonistas dessa história terem vivido em condições marginais, sendo alvos permanentes do preconceito social e das políticas públicas higienistas então em curso.


Quais foram os personagens mais difíceis para a pesquisa e por quê?

Sem dúvida, as maiores dificuldades se concentraram na reconstituição das trajetórias dos personagens da primeiríssima geração, como Hilário Jovino Ferreira, o Lalu de Ouro, pela simples distância cronológica. Circunstância que foi agravada pelo fato de que, naquele momento, o samba ainda não havia sido absorvido pela então nascente indústria do entretenimento — e seus personagens, portanto, ainda viviam em situação de marginalidade e invisibilidade social.


Você fala das queixas de “perda de autenticidade do samba”. Qual o lugar desse gênero musical no Brasil de hoje? 

O samba, assim como qualquer manifestação da cultura popular, está sempre se reinventando, incorporando novas influências. Querer que a cultura popular — e o samba, por extensão — fique congelada no tempo, em nome da sacralização do que ela teria de “genuína” e “autêntica”, significaria relegá-la à condição de folclore. E a folclorização nada mais é do que a mumificação da tradição, a verdadeira morte da cultura. Essa questão, como tantas outras, é mais complexa do que aparenta. O processo de aceitação do samba pelas ditas elites se deu por uma via de mão dupla. Uma manifestação cultural nascida entre pobres, negros, mestiços e marginalizados, tributário da grande diáspora africana, inventou caminhos próprios para conquistar as benevolências do poder e o aplauso das classes bem-nascidas. Para tanto, aprendeu a negociar espaços e a se reelaborar de maneira permanente, antropofágica, orbitando entre os lastros ancestrais da festa e da agonia. Desde que o samba é samba, portanto, é assim: ele transita entre as dimensões antagônicas da resistência e do controle social e trafega nos intercursos entre a potência criadora e as engrenagens normatizadoras do mercado.

O que acha da proibição de marchinhas antigas, hoje consideradas politicamente incorretas? E de letras explícitas de hits como Deu onda?

Ora, qual seria a alternativa a isso? Normatizar o carnaval, impor modelos e padrões aceitáveis aos ouvidos ditos ilustrados e bem-educados? Higienizar algo que é anárquico e libertino por vocação? Boa parte da produção dos primeiros sambistas, como Caninha, Ismael Silva e Sinhô, era machista, marcadamente misógina. E aí, o que fazemos? Vamos deixar de ouvir Ismael? Vamos colocar Caninha no índex prohibitorum da música brasileira? Uma obra de arte é fruto das contradições e circunstâncias de seu tempo.


Podemos dizer que o samba é a expressão mais genuína da música brasileira? Qual o papel do gênero na formação da nossa identidade?

Abomino esse termo, “identidade”, que embute em si uma carga ideológica nada inocente. Toda “identidade” é construída, fabricada artificialmente, a partir de generalizações que aplainam e excluem a diferença, o dissonante, o desarmônico. Como podemos falar de “identidade” em um país plural, caleidoscópico, multiétnico, mestiço, como o Brasil? Qual seria, portanto, a “identidade” brasileira? Getúlio tentou forjar a ideia de uma grande identidade nacional e, em seu projeto, chegou a queimar as bandeiras estaduais e proibir os hinos específicos de cada unidade da federação. Tudo em nome da ideia grandiloquente e farsesca de um Brasil único, unitário, onde as diferenças e as particularidades são abolidas por decreto. O conceito de “identidade cultural” é autoritário, arrogante, higienista.


O samba ainda é autêntico?

Quando surgiram os desfiles das escolas de samba, na década de 1930, ainda como simples cortejos artesanais na Praça Onze, veteranos como Donga e Lalu de Ouro esbravejaram, pois julgavam que aquilo era uma profanação de algo que seria “essencial” ao samba, ou seja, o modelo dos velhos ranchos do início do século 20. Pouco mais tarde, nos anos 1950, um bamba como Ismael Silva chiou porque as escolas estariam perdendo a sua proclamada “essência”, a vitalidade que elas teriam, veja só, justamente nos anos 1930, renegados por Donga e Lalu. 

A partir dos anos 1980, principalmente depois da criação do sambódromo, lamentou-se mais uma vez que algo da “potência essencial do samba” havia se perdido, em algum lugar lá pelos anos 1950, desprezados por Ismael. E assim por diante. Não há dúvidas, contudo, de que as atuais escolas procuram reduzir a natureza dos desfiles à lógica empresarial, a uma alegria estereotipada, vendida como produto colorido. Mas isso não se dá apenas com o carnaval e com o samba. É um fenômeno dos tempos que correm, uma característica da voracidade contemporânea, essa que transforma tudo, inclusive a informação, a privacidade, os indivíduos, a literatura, a notícia, em mera mercadoria.



Serviço

Uma história do samba (As origens)

De Lira Neto. Companhia das Letras 368 páginas. R$ 64,90