AS MÚSICAS DE PIXINGUINHA COM LETRA (II)
Pixinguinha: um dos fundadores da música brasileira
Ainda na temática da música instrumental, que depois recebe letra – e tratando de Pixinguinha – trago para esta coluna a discussão de qual das duas versões se dá mais ao ouvido: a versão instrumental, do mestre Pixinguinha e Benedito Lacerda, ou a música dos dois, acrescida de uma letra. Tenho opinião formada sobre o assunto, que direi ao final do texto. Espero que façam suas apostas!
O choro “Um a Zero”, de dois dos maiores mestres da música brasileira – Pixinguinha e Benedito Lacerda – foi composto em 1919, para comemorar uma vitória do Brasil sobre o Uruguai, na histórica decisão do Campeonato Sul-americano de Futebol, em 29 de maio do mesmo ano.
A partida, das mais difíceis, só foi decidida no segundo tempo da prorrogação, com um gol do lendário Arthur Friedenreich, que naquele jogo ganha o apelido de “o Tigre”. A peleja, no estádio das Laranjeiras, praticamente parou o Rio de Janeiro.
Há quem diga que “1 X 0” foi a primeira música brasileira dedicada ao futebol. O choro ganharia letra, muito tempo depois, feita pelo compositor Nelson Ângelo, um velho conhecido do ‘Clube da Esquina’.
Vai começar o futebol, pois é,
Confesso agora a minha posição: preferência inarredável pela versão instrumental, no caso de “1 a 0”, e de tantos outros trabalhos que nasceram melodia e depois foram letrados. Não são sequer casados em sua concepção.
Com muita garra e emoção
São onze de cá, onze de lá
E o bate-bola do meu coração
É a bola, é a bola, é a bola,
É a bola e o gol!
Numa jogada emocionante
O nosso time venceu por um a zero
E a torcida vibrou
Vamos lembrar
A velha história desse esporte
Começou na Inglaterra
E foi parar no Japão
Habilidade, tiro cruzado,
Mete a cabeça, toca de lado,
Não vale é pegar com a mão
E o mundo inteiro
Se encantou com esta arte
Equilíbrio e malícia
Sorte e azar também
Deslocamento em profundidade
Pontaria
Na hora da conclusão
Meio-de-campo organizou
E vem a zaga rebater
Bate, rebate, é de primeira
Ninguém quer tomar um gol
É coisa séria, é brincadeira
Bola vai e volta
Vem brilhando no ar
E se o juiz apita errado
É que a coisa fica feia
Coitada da sua mãe
Mesmo sendo uma santa
Cai na boca do povão
Pode ter até bolacha
Pontapé, empurrão
Só depois de uma ducha fria
É que se aperta a mão
Ou não!
Vai começar…
Aos quarenta do segundo tempo
O jogo ainda é zero a zero
Todo time quer ser campeão
Tá lá um corpo estendido no chão
São os minutos finais
Vai ter desconto
Mas, numa jogada genial
Aproveitando o lateral
Um cruzamento que veio de trás
Foi quando alguém chegou
Meteu a bola na gaveta
E comemorou
Agora, vamos ouvir “1 X 0”, apenas instrumental:
Confesso agora a minha posição: preferência inarredável pela versão instrumental, no caso de “1 a 0”, e de tantos outros trabalhos que nasceram melodia e depois foram letrados. Não são sequer casados em sua concepção.
Em minhas primeiras vivências com os compositores de melodias, descasadas de letras, aprendi logo a ouvir a sonoridade e depois decifrar letras, com ou sem rimas, se conteúdo fútil ou de complexidades construtivistas.
Mesmo Lamento, Rosa e Carinhoso, com as quais já me acostumei às letras e considero conjuntos harmônicos de música e verso, ainda as ouço só tocadas.
O caso de “1 a 0” me causa interesse particular por vários motivos, realçando a extrema comunicação melódica que, por si só, contém a sugestão do título; a minha paixão por futebol; e, por fim, o fato de a letra não trazer nada que historicamente pudesse me interessar, não acrescenta qualquer dado que me levasse para o gramado.
“1 a 0” quando, onde, por quê? Em quais circunstâncias? Qual estoicismo e heroísmo essa batalha levou a ganhar um choro a homenagear.
Nada disso – informação objetiva – a letra traz. Portanto, não contribuindo em nada.
De minha parte, nenhuma dificuldade em traduzir o acorde lúdico fazendo-me visualizar o ir e vir e o vir e voltar e dar o arrodeio em vários breques (os beques) rítmicos que me levam a Garrincha, premonição ou simplesmente o retrato musical do que já fazia o mulato-descendente alemão Friendenreich e do que fariam Pelé, Julinho Botelho, Zico, R. Gaúcho, Heleno.
Há nuances, notas, sopros, agudos e volteios que são as bolas alçadas na área, a matada do jogador, do craque, a bola resvalada, o quase gol, a pelota rolando sem dono por trinta metros de gramado. Tudo isso está descrito na melodia de “1 X 0”. Basta ouvir com os sentidos mais agudos. Até a parte maxixada me lembra Didi, procurando a ponta direita para resolver o quem tem de ser resolvido.
Portanto, que fique claro, não deixo de ouvir a melodia – agora canção, com a letra de Nelson Ângelo – mas para mim é cristalino que esse choro foi feito para dizer somente com música o que queria dizer. Sem o auxílio de um tradutor, mesmo que este tradutor seja o ótimo Nelson Ângelo.
Nelson Ângelo nos remete imediatamente às Minas Gerais, ao “Clube da Esquina”, “Turma do Funil”, trabalhos com Toninho Horta, Joyce, Milton, Naná, Gil, Ronaldo Bastos, Fernando Brant.
Apenas em 1 a 0, achei desnecessária a letra, com todo o respeito.
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