Potente, álbum 25 de dezembro sobrevive à pecha negativa que ganhou recentemente na internet e segue com espaço cativo na cesta natalina dos brasileiros
Por Cecília Emiliana
Se existe um período afeito a mitos e lendas, este é, sem dúvida, o Natal. Enumerar os símbolos associados à festividade, que muda de significado conforme o contexto em que é celebrada, é tarefa semelhante a separar as uvas-passas da tradicional farofa da ceia do dia 24: impossível reunir todos sem deixar nenhum para trás. Além de Papai Noel, ícone oficial do comércio, e Jesus Cristo, o do sacrifício, o Brasil, porém, há 20 anos ganhou um mito peculiar. Capaz de causar, simultaneamente, os sentimentos mais nobres e os mais coléricos em cristãos, ateus e agnósticos: o polêmico disco 25 de Dezembro, gravado pela cantora Simone, em 1995.
No âmbito das redes sociais, duas décadas após o lançamento do álbum natalino feito pela artista baiana, a sensação que se tem é de que, cansados de escutar a obra 20 natais seguidos pelos shoppings, comércio de rua e reuniões familiares, todos querem crucificá-la. Sobretudo pela execução do carro-chefe do disco, a canção Então é Natal, versão de Happy Xmas, de John Lennon – que, de fato, tocou e toca até hoje à exaustão.
Desde 2011, assim, usuários do Twitter e Facebook passaram a empreender uma espécie de campanha por um Natal sem Simone – e transformaram o disco em meme. Imagens da capa do CD com a cantora de boca tapada, pegando fogo ou acompanhada de mensagens do tipo “desliga isso aí” circulam aos montes na web. Michele Ribeiro, gerente de uma loja de sapatos do Shopping Cidade, Região Central de Belo Horizonte, faz coro com a turma que está de “saco cheio”. “Trabalho há 16 anos aqui no Centro. E todo Natal é a mesma coisa. Agora diminuiu bem, as lojas não colocam mais tanta música pra tocar no fim do ano. Mas, se estiver tocando em qualquer lugar, tenho vontade de ir embora. Saturei!”, brinca a moça, de 41 anos.
Raoni Lucas, advogado, de 28, diz que o set list temático é o motivo pelo qual evita ir à casa de alguns parentes durante o período de festas. “Tenho uma tia que põe o CD todo fim de ano. Ninguém aguenta! Tenho pena dos vizinhos dela. Brinco com ela assim: ‘Te amo, tia, mas nos vemos em janeiro’”, conta. Bom termômetro do que pauta conversas no mundo inteiro, a internet, entretanto, não é exatamente um espelho fiel da vida em sociedade, tampouco da complexidade das interações culturais humanas. O fato é que, se a horda de enfarados da pegada natalina de Simone é grande, a de fãs do projeto até hoje também é gigantesca.
NA TABELA
Os números do showbiz são os primeiros a entregar tal faceta. Lançado em 25 de novembro de 1995, em LP e CD (na época, uma novidade), pela então gravadora Polygram – hoje Universal Music –, o álbum vendeu 1,5 milhão de cópias em menos de um mês e meio. Isso, contando apenas a primeira versão. Em 1996, um segundo disco com o repertório de 10 faixas gravado em espanhol superou a cifra, e teve 2 milhões de cópias vendidas. Uma terceira gravação, contendo uma faixa bônus – Ave, Maria, com participação das Meninas Cantoras de Petrópolis – chegou ao mercado em 1998, mas a Universal Music não tem dados atualizados sobre as vendas deste último. Mais incrível é que o 25 de dezembro, ainda vivo no catálogo da Universal Music, até hoje é recordista de vendas, com saída de cerca de 50 mil unidades no fim de ano. No iTunes, onde o trabalho temático já chegou, as estatísticas atuais também não mentem. Entre os dias 14 e 17 deste mês, o disco figurou entre os 100 mais baixados da App Store brasileira. E a (para muitos) famigerada canção Então é Natal promete galgar posições ainda mais ambiciosas – pelo menos a julgar pelos dados de 2014, quando, em 24 de dezembro, foi a 19ª gravação com mais downloads. Entre os comentário, todos são pródigos em elogios. “A voz marcante da Simone, aliada ao espírito sempre renovador do Natal, é uma combinação certeira. Um presente para quem adora viver sempre ligado a esse sentimento de paz e alegria sem fim”, derreteu-se um fã no comércio virtual.
Flávio Ricci posa com sua coleção: "Eu tinha acabado de me tornar policial. Saí da delegacia e fui comprar o disco"
#VAITERSIMONE Elogios como esse também são ditos sem economia pelo policial civil Flávio Fernando dos Santos, de 42, que mora em Rio Claro, interior de São Paulo. Seu exemplar de 25 de Dezembro foi adquirido em 1995, logo que o produto chegou às lojas da cidade. “Lembro-me de que eu tinha 22 anos e acabado de me tornar policial. Saí da delegacia e fui comprar o álbum”, recorda-se o moço, fã de Simone desde a infância. Para desespero dos que não compartilham do mesmo gosto musical, Então é Natal é uma das faixas preferidas do policial.
Layranny Maciel aprendeu a tocar no piano: "Posso ouvir a semana inteira que não me enjoo"A mesma composição é a predileta de Layra Macyel, de 33. “Então é Natal foi a primeira música que aprendi a tocar no piano. Estudo música desde os 10. Aprendi para uma audição de fim de ano. A professora passou algumas partituras e eu escolhi essa. Acho linda. Maravilhosa!”, conta a técnica em segurança do trabalho residente em Paranavaí, no Paraná. Embora o disco seja sazonal, ela faz questão de reforçar: o desejo de escutá-lo é permanente. “Não enjoo. Posso ouvir a semana inteira”, reforça.
SUCESSO
O trabalho que renderia a Simone o recorde de vendas de 1995 nasceu de uma conversa mais ou menos despretensiosa entre a cantora e o então presidente da gravadora Polygram, Marcos Maynard. Era uma tarde de 19 de setembro quando a artista, recém-chegada dos EUA, comentou o desejo de gravar um álbum de Natal, inspirada no mercado americano. “‘Ué, por que você não grava também?’, eu disse pra ela.” E dali mesmo nasceu o projeto. “Dessa conversa mesmo eu liguei pro Max (Pierre, vice-presidente da Polygram e produtor do disco). E falei: ‘Olha, tô aqui com a Simone, vamos fazer um disco assim e assado, estou aqui na casa dela. Vem pra cá e já vai pensando no repertório aí no caminho’. E daí começamos a escrever o set list.”
É curioso que um dos álbuns mais difundidos do Brasil tenha sido todo gravado no mais absoluto segredo. “O contrato da Simone com a Sony estava terminando, mas temíamos que a empresa dificultasse a saída da cantora. Então, começamos a produzir o disco em outubro, em sigilo. Ninguém podia saber. A ideia era que, quando ela saísse da Sony, o trabalho já estivesse pronto. E assim foi”, relembra Max Pierre. A gravação foi feita em tempo recorde. Quase um milagre natalino: cerca de 20 dias, pois precisava chegar às lojas a tempo de ser vendido no Natal.
A boa recepção do mercado era, de certa forma, esperada – mas não com tanta intensidade. Cautelosos, os executivos da música contam que mandaram produzir 500 mil cópias – o que já era muita coisa pensando em qualquer disco, e uma aposta especialmente alta para um disco de Natal – até hoje, um produto nada tradicional do mercado brasileiro. Não demorou 15 dias, no entanto, para que toda a produção evaporasse das prateleiras. A solução foi mandar fazer, às pressas, mais 1 milhão de bolachas.
O segredo do estouro é uma espécie de mistério da fé – embora profissionais inseridos no contexto musical arrisquem alguns palpites. Dono de uma loja de discos raros no Centro de Belo Horizonte, Horeme Franco rodou muitas vezes o bolachão em seu estabelecimento no fim do ano, a fim de atrair os clientes. “Era só tocar que a loja enchia de gente”, garante. “Hoje não faço mais isso. O comércio, aliás, parou de trabalhar assim. Mas funcionava. Para mim, o CD é bom. Tem qualidade, é bem gravado. O repertório é bacana. Há quem considere brega, mas é um pessoal de uma geração que não tem mais essa ligação com o Natal. O disco só ficou muito batido. Mas é bom, sim. E até por isso mesmo pegou”, acredita Franco.
DESGOSTO
Simone parece magoada com os ataques virtuais. Reação compreensível quando se vê a estrela falar sobre o projeto num vídeo antigo, que registrou a coletiva de lançamento do CD realizada há 20 anos no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. Na ocasião, com os cabelos “leoninos”, ela definiu, cheia de satisfação e carinho, o “filho” que acabava de parir como lindo, visceral, além de bem brasileiro. Atualmente, evita tocar no assunto (não atendeu, aliás, a reportagem, que tentou ouvi-la insistentemente). Nas raras vezes em que se pronunciou sobre o tema, deixou um recado triste: “Com relação ao disco de Natal, tenho um imenso orgulho em tê-lo realizado. É um disco lindo, que não apenas celebra o Natal, mas tem um sabor especial para mim, porque 25 de dezembro é também o meu aniversário”, desabafou em conversa com o jornalista Bruno Astuto, publicada em novembro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário