Compositor e jornalista recifense Fernando Lobo, Caetano Veloso, Luiz Gonzaga, Nora Ney e Orlando Silva, teve participação crucial nos bastidores da música - embora nem sempre receba os créditos da história
Por Luiza Maia
Fernando Lobo em momento familiar com o neto, Bena, e o filho, Edu. Foto: Acervo pessoal
Uma das músicas mais conhecidas do recifense Fernando Lobo (26/07/1915-22/12/1996), Ninguém me ama não teve participação dele na autoria e ainda foi um dos capítulos da briga com o conterrâneo Antônio Maria. Jornalistas, compositores e boêmios, os dois foram personagens e testemunhas da efervescência musical do Rio de Janeiro de meados do século passado.
Geralmente mencionado como pai de Edu Lobo, o jornalista, radialista e compositor Fernando não é lembrado com celebrações ou homenagens na data do centenário de nascimento, amanhã. O recifense criado em Campina Grande (PB) nunca ganhou um livro biográfico, mas aparece como coadjuvante nas trajetórias artísticas de vários ícones da musicografia brasileira.
Nas linhas pessoais - às vezes irônicas e ferinas - da coluna Depois da 1/2 noite, no jornal A noite, sapecou os primeiros elogios a Dolores Duran na imprensa, em julho de 1949. "Não acredito que os diretores de rádio não tenham ouvido essa magnífica cantora que está atuando no Vogue com o notável conjunto de Claude Austin", protestou, segundo com biografia dela assinada por Rodrigo Faour.
Duas semanas depois, o apresentador César de Alencar a convidou para um testes na Rádio Nacional, da qual passou a integrar o casting. Assíduo frequentador de bares e boates, acompanhava tudo, com o copo em punho ou em frente à máquina de escrever. Há quem defenda ter sido ele o primeiro a usar o termo bossa nova. A tese, sem bases sólidas, tende a ser inverídica e a origem do título é desconhecida, mas dá sinais de como ele estava presente. Lobo chegou a escrever À mesa do Villariño (Record, esgotado), sobre o reduto boêmio e famoso ponto de encontro onde Tom Jobim e Vinicius de Moraes teriam sido apresentados por Lúcio Rangel para compor a trilha do musical Orfeu da Conceição, em 1956.
O livro de memórias, uma única gravação como cantor - o frevo-canção Pare, olhe, escute e goste, de Nelson Ferreira - e o disco Antônio Maria & Fernando Lobo, com interpretações de Caetano Veloso (Chuvas de verão), Luiz Gonzaga (Chofer de praça) e Orlando Silva (Saudade), são as únicas obras lançadas. Todas esgotadas.
Após os constantes elogios a Dolores Duran, veio um romance de menos de seis meses, que não resistiu a uma turnê dela no Uruguai e uma viagem dele pela Europa, mas rendeu a gravação Bom é querer bem, no primeiro 78 rpm da cantora.
Pai ausente
Quando Fernando se separou de Carminha Lobo, em 1944, Edu tinha menos de 1 ano. Ele se mudou para os EUA e conheceu o filho após dez anos. "Eu dizia que ele tinha ido para a guerra e morrido", conta Edu, emEdu Lobo: São bonitas as canções, de Eric Nepomuceno.
Clube da Chave
Fernando Lobo foi um dos sócios do Clube da Chave, grupo restrito para degustação de bebidas, frequentado por Aracy de Almeida, Vinicius de Moraes, Paulo Soledade, Tom Jobim, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga.
Abelardo Barbosa
Eram amigos desde a juventude, no Bando Acadêmico do Recife, com Rubem Braga e Noel Nutels. No Rio, foram vizinhos, e Fernando conseguiu emprego para o futuro Chacrinha na Rádio Tupi.
Homenagem do neto
O cantor, instrumentista e compositor Bena Lobo, filho de Edu, desenvolve projeto com canções do avô. Ele já dividiu o palco com Daniel Gonzaga (filho de Gonzaguinha e neto de Luiz Gonzaga), em tributo aos pais e avôs.
Bena Lobo tem uma parceria com o avô, cuja letra foi iniciada na mesa de um restaurante.
Entrevista // Bena Lobo
Como será o projeto com músicas dele?
Por causa do centenário, resolvi fazer este projeto. Pesquisando, vi que ele tinha músicas gravadas por vários nomes da época, mas ainda não sei como vai ser. Seriam as músicas dele mais conhecidas. Chuvas de verão,Nêga maluca, Zum-zum são três que estão garantidas.
Como era tua relação com ele?
Muito boa. Eu era o único neto dele homem e a gente morava muito próximo. Ele era flamenguista e a gente via muito futebol. A gente chegou a fazer uma parceria, no restaurante Arlequim, em um almoço de família, e perguntei "quando vamos fazer uma parceria?". Na hora, ele começou "Se você me chamar, eu vou/ Se você me quiser, estou/ No mesmo lugar, vou ficar/ Do jeito que sou, eu sou". Depois ele terminou a letra, adoeceu. Muito tempo depois, ele já tinha morrido, eu fiz a música em cima da letra. Gravei Eu sou no meu primeiro disco. Ela era autodidata, fazia música sem instrumento.
Os encontros de vocês eram regados a música?
Não. A gente se encontra muito em restaurantes, na casa dele e da minha avó. Ele não saía muito, mas gostava de almoçar todos os domingos em restaurantes.
Ele te apoiou no início da carreira?
Ele e meu pai sempre apoiaram. Meu avô era mais torcedor, mas comecei a minha carreira em 1994, e ele morreu em 1996. Ele viu os meus primeiros shows, mas não pôde curtir muito. Lembro bem dele na plateia no Shopping da Gávea, no café do Teatro dos Quatro, numa das minhas primeiras apresentações.
Assista à interpretação de Nora Ney para Ninguém me ama:
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