Por Alexandre Lucchese
Noel Rosa (acima, em autocaricatura, é um dos é um dos autores analisados no volume
Há duas décadas, a canção ainda era um corpo estranho nas universidades brasileiras. Apesar de ser uma das mais populares manifestações culturais do país, a canção não era tema de estudo regular na academia. Isso começou a mudar por aqui com a atuação do professor Luís Augusto Fischer, que desenvolveu no Instituto de Letras da UFRGS uma disciplina dedicada exclusivamente ao assunto – que, mais tarde, daria origem ao Núcleo de Estudos da Canção.
Os principais resultados de 20 anos de estudo sobre a arte de compositores brasileiros puderam ser conhecidos pelo público no último dia 28 de setembro, com o livro O alcance da canção, que teve sessão de autógrafos na Palavraria (Vasco da Gama, 165) – a obra chega às livrarias pela editora Arquipélago, com apoio da Fapergs.
O volume reúne 22 artigos, a maior parte deles assinada por autores que estudaram o tema sob orientação de Fischer. Apesar de ter sido criado a partir de estudos acadêmicos, o volume não é voltado apenas ao público universitário.
– É um trabalho acessível a qualquer interessado em cultura popular brasileira. Não foi escrito apenas por especialistas e tem a preocupação de conjugar o estudo da canção com outras áreas, como a história – avalia Fischer, que assina a organização juntamente com Guto Leite.
Os artigos foram dispostos em ordem cronológica e abarcam mais de um século de produção. Há desde um estudo que reconstitui referências à milonga em meados do século 19 até um relato que analisa canções da atuante cantora carioca Juçara Marçal, passando por referências como Noel Rosa, Atahualpa Yupanqui, Tom Jobim e Caetano Veloso.
Entre os autores, alguns transcendem o âmbito da academia, sendo também conhecidos por atuarem no cenário musical local, como o baixista Carlo Pianta (DeFalla), que contribui com um artigo sobre a bossa nova; o saxofonista Sérgio Karam, que traça paralelos entre a obra do escritor Julio Cortázar e o jazz; a radialista Katia Suman, que trata da influência do jabá na formação do gosto musical; e o músico e jornalista Arthur de Faria, que aborda diferentes momentos da canção porto-alegrense.
– Um foco importante deste livro é a produção local, com textos que falam sobre músicas criadas em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul. Isso reflete uma demanda da universidade, de analisar o cenário ao qual pertence – explica Guto Leite.
Além do trabalho de Faria, a cor local aparece também no artigo Califórnia da Canção, de Álvaro Santi; Um estrangeiro na capital do império, em que Ian Alexander aborda A estética do frio, de Vitor Ramil; e Porto Alegre em canto e verso, no qual Rita de Cássia Cavalcante analisa como o contexto da Capital é retratado em duas décadas, a partir da gravação do disco coletivo Paralelo 30(1978).
– Muitos estudantes de português e literatura brasileira na Europa começaram seu interesse por nosso idioma por meio da canção. É uma influência que deve ser cada vez mais estudada – diz Fischer.
O alcance da canção
Luís Augusto Fischer e Guto Leite (orgs.)
Ensaios, Arquipélago, 392 páginas, R$ 55.
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