Band Leader da exitosa Pequi, o multifacetado e inquieto Jarbas Cavendish volta ao nosso espaço para esta entrevista generosamente concedida onde aborta distintos temas
Por Bruno Negromonte
De família musical, Jarbas Cavendish souber aproveitar e sorver toda a musicalidade com a qual convivia diariamente em sua casa a partir de sua mãe e sua avó. Desta experiência foi aglutinando outros elementos e características que hoje refletem-se em suas composições e projetos nos quais se envolve por onde tem passado ao longo de todos estes anos dedicados à música. Depois de ter iniciado seus estudos musicais em Pernambuco, graduou-se pela Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO) em 1992. Como professor auxiliar na UNIRIO, foi responsável por disciplinas como Harmonia e Teclado, Percepção Harmônica e Prática de Conjunto. Atualmente, é professor na Escola de Música da UFG, estando a frente de um exitoso e bem-sucedido projeto de extensão e cultura da escola de música da instituição, a Banda Pequi, que ao longo dos últimos quinze anos já soma três projetos: um CD (que conta com a participação da cantora Leila Pinheiro), e dois DVD's (sendo o mas recente uma parceria com o instrumentista Nelson Faria e o cantor, instrumentista e compositor mineiro João Bosco como pode ser conferido recentemente aqui mesmo neste espaço a a partir da pauta "EM NOVO DVD, A BANDA PEQUI CONVIDA JOÃO BOSCO E NELSON FARIA"). Inquieto, atualmente ainda soma à suas atividades o projeto de pesquisa acadêmica que visa observar resultados de performance musical na área da MPB. Batizado de Garagem (alusão aos espaços que durante muitos anos em décadas passadas serviam para guardar os automóveis mas também como estúdio de ensaios), o projeto vem sendo encabeçado por dois grupos: Diphobia e Sotaque. Formado por 5 músicos com idade até 18 anos da rede municipal estadual e federal, o Diphobia busca apresentar um repertório autoral na linguagem do Rock; já Sotaque é formado por alunos de graduação e pós graduação a partir de um repertório composto pelo próprio Jarbas. Tais projetos vem ganhando a devida notoriedade e o êxito tão peculiar àqueles projetos que deixa-se envolver tal qual pode ser conferido a partir da TV UFG em programas distintos assim como também a partir de um curso de gravação e mixagem avançada feito com Rodrigo Lopes, engenheiro ganhador do Grammy 2016 com o disco da Eliane Elias. Pelo visto, tal qual o personagem mitológico Midas, tudo o que Jarbas toca vira ouro.
Sem sombra de dúvidas, sua maior incentivadora e influência foi sua mãe, Carmen Cavendish. Qual a marca mais profunda dela que pode-se observar hoje em seu trabalho?
JC - Acredito que o que trago hoje em minha vida musical advinda da influência da minha mãe foi o talento e a consciência de que ele só se estabelece e floresce com muito estudo e trabalho. Ela foi incansável em acreditar que eu poderia um dia viver da minha arte e não mediu esforços, enquanto pode, para que eu tivesse uma formação sólida e consistente. Além disso me jogou no lúdico que a música proporciona com muito amor e alegria, promovendo verdadeiro ambiente de descontração, harmonia e socialização. Tocamos muito juntos quando eu era muito criança ainda. Na minha casa, em Casa Forte, tinham dois pianos na sala e ela e minha avó Graziela protagonizavam horas de muita música, popular, erudita e o que pudesse ser tocado.
Ao longo de sua trajetória pelo Conservatório Pernambucano de Música você teve a oportunidade de estar ao lado de nomes de extrema relevância dentro da música instrumental pernambucana como Clóvis Pereira, Guedes Peixoto, Mestre Duda, entre outros. Desses nomes há algum que você sempre busca inspiração na hora de compor?
JC - O Conservatório Pernambucano de Música foi o grande formador de diversos músicos da minha geração e também das seguintes. Uma instituição extremamente séria e comprometida com a formação musical de crianças e adolescentes. Tive a oportunidade de conviver com diversos "ídolos" da música pernambucana como Eliane Silveira, Henrique Anes, Maurício Quiapeta, Edson Rodrigues, Cussy de Almeida entre outros. Mas muito me impressionava a linguagem musical de Clóvis Pereira, refinada, com as raízes nordestina bem definidas associadas a uma elaboração composicional que muito me impressionava. E ver o Mestre Duda tocando regendo sua orquestra nos bailes de carnaval dos clubes pernambucanos sempre foi inspirador pra mim. Vivi essa experiência por muitos anos da minha infância e adolescência.
Em muitas canções de sua autoria é possível observar elementos que tem uma forte ligação com a sua região de origem. Essa sonoridade é algo que surge naturalmente em suas composições e arranjos ou acabou tornando-se uma válvula de escape para matar a saudade da região?
JC - Quem viveu a arte nordestina nunca mais sai dela, por mais que queira, devido ao amor e orgulho de representar um povo de cultura tão rica e expressiva. Costumo dizer que embora há quase trinta anos que saí de Recife, o Recife nunca saiu de mim. Minha consciência musical borbulha em frevo, maracatu, xote, baião e por aí vai... embora o Recife que eu vivi não exista mais, o bairro de Casa Forte onde pude deslumbrar de tanta riqueza e liberdade esteja hoje totalmente desconfigurado das minhas percepções emotivas, minha música também me ajuda a manter essa ligação com minhas raízes, meu sotaque. E o interessante é que esse sotaque me trás uma identidade reconhecida e de inquestionável aceitação do meu trabalho.
Desde o ano de 2012, ao menos na teoria, todas as escolas brasileiras deveriam incluir o ensino de música em suas respectivas grades. No entanto, na prática, não é bem isso que acontece. Em sua opinião como bem sucedido docente nesta área, qual a importância da música na formação cognitiva e cidadã?
JC - A música é transformadora, inclusiva e reveladora como forma de transmissão de conhecimento e cultura de qualquer sociedade. É capaz de arregimentar pensamentos, unir ideais e socializar as pessoas de forma clara, simples e objetiva. A educação através da oralidade musical é de uma eficiência inquestionável, haja visto os povos indígenas, que têm na música sua maior forma de transmissão de conhecimento e informação. Acredito que o ensino da música nas escolas regulares é de grande e vital importância para que uma sociedade se identifique e evolua. Mas não é bem isso que vemos acontecer por parte dos nossos governantes, infelizmente.
A Banda Pequi como todos sabem trata-se de um Projeto de Extensão e Cultura da Escola de Música da UFG, que é uma instituição pública federal. Esta nova conjuntura política que vendo sendo delineada de um tempo pra cá corrobora ou interfere de algum modo neste projeto?
JC - A Banda Pequi, por suas características específicas, se consagra como uma forte expressão artística e cultural da Universidade Federal de Goiás, e uma verdadeira escola de formação de músicos com foco na prática da música popular. São mais de 150 músicos que sentaram em nossas estantes desde o ano de 2000 até o presente momento, sem nenhum prejuízo no que diz respeito a sua qualidade e evolução artística. Um projeto consolidado em 16 anos de atividades ininterruptas, proporcionando uma verdadeira interação entre as unidades acadêmicas através de suas apresentações. A atual conjuntura política para as universidades é de extrema contenção orçamentária, inibidora de projetos como a Pequi. Mas felizmente as instâncias superiores da universidade entendem a importância do projeto e o apoio continua sendo o mesmo.
Agora vamos falar a respeito deste novo projeto lançado recentemente cujo título é "João Bosco, Banda Pequi e Nelson Faria". Composto essencialmente por canções da lavra de Bosco, há no repertório um tema de sua autoria intitulado "Girando em torno do sol". Quais foram os critérios que você buscou adotar para a inclusão desta canção no DVD?
JC - O Projeto original se intitula "Banda Pequi e convidados especiais - João Bosco e Nelson Faria". A ideia é apresentar a banda com suas características musicais e convidar um artista consagrado com o seu arranjador. Nesse sentido as duas primeiras músicas do Dvd apresentam a Pequi, sua forma de tocar, de pesquisar seu repertório enquanto grupo de pesquisa sonora. Nesse contexto a minha música se encaixa como luva numa perspectiva de laboratório de arranjos. Em seguida o Nelson Faria se integra ao grupo com mais duas músicas, uma delas, Um abraço na Pequi, composta especialmente para a ocasião e finalmente vem a participação bombástica do João Bosco com suas extraordinárias canções.
Sua parceria com o Nelson Faria vem de longa data, inclusive gerando além deste DVD um CD com a participação da Leila Pinheiro. Como se deu esse encontro?
JC - Conheci o Nelson pessoalmente no início dos anos 90 quando trabalhamos juntos no Cigan, escola que o Yan Guest tinha no Rio de Janeiro. Desde então fiquei muito impressionado com o músico e o professor que ele é. E em 1994 gravei o CD Orquestra de Música Popular da UNIRIO que tinha um frevo dele (que tocamos até hoje com a Pequi) intitulado Ioio. Em 2008 fomos convidados para fazer uma apresentação no festival Canto da Primavera, em Pirenópolis-GO, onde também se apresentariam o Nosso Trio, formado pelo Nelson, Kiko Freitas e Ney Conceição. Eles iriam acompanhar a cantora Leila Pinheiro e por iniciativa do Nelson, que conhecia nosso trabalho, foi proposto a junção desses artistas numa apresentação única. O show foi um dos melhores da nossa carreira e não deu outra, logo em seguida estávamos em estúdio registrando este importante trabalho.
E a participação do João Bosco? Em que circunstância surgiu essa ideia e como se deu o convite?
JC - De novo o Nelsinho. Comentei com ele do sonho de poder fazer um trabalho com o João e ele fez essa ponte, apresentado a Pequi ao João que também aceitou de imediato diante do endosso do Nelson. Foi feito então um grande projeto para o Fundo Estadual de Cultura com a proposta de gravar um DVD. Aprovado o projeto tivemos também a participação da pro - Reitoria de Extensão e Cultura de UFG assumindo uma grande parte desse projeto.
E as canções que entraram no projeto? Como se deu a escolha diante do vasto repertório deste artista que vem escrevendo a sua história na MPB por mais de quatro décadas?
JC - Deixamos o João a vontade para cantar o que quiser, afinal de contas não impomos nenhum tipo de obrigatoriedade a nossos convidados. Contudo sabia que o que ele escolhesse seria um primor para o nosso DVD, já que tudo que o João faz é de um valor artístico incalculável. E nas mãos do Nelsinho arranjando a certeza de que seria sucesso era um fato. Pra mim ficou até um pouco difícil separar o profissional do fã diante das canções que gravamos e estar num palco com o João Bosco. Foi a maior e mais rica experiência que tivemos.
Como tem sido a divulgação deste novo projeto? Há pretensões desse encontro com o João se repetir em mais algumas apresentações?
JC - Infelizmente nada é tão fácil nesse nosso país em relação às artes em geral, principalmente às que não têm características midiáticas. Mas com calma e perseverança estamos com algumas perspectivas para fazer um lançamento digno do Dvd. Aplicamos 2 editais para o Sesi e Banco do Brasil para um lançamento em São Paulo e estamos também preparando um projeto de circulação com algumas apresentações de lançamento em algumas capitais.
Maiores informações:
Site Oficial - https://bandapequi.emac.ufg.br/
Facebook (Página) - https://www.facebook.com/BANDA-PEQUI-1378508709042934/
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