SÉRIE ‘O CHORO’ – PARTE II
Chorinho, de Cândido Portinari, 1942
Na sequência da série que venho escrevendo sobre o Choro, trago hoje uma abordagem do que foram os primeiros acordes do gênero no país.
É importante salientar que, se não apresento nenhum novo ‘ovo de Colombo’, garanto que esta pesquisa tem o propósito de alertar os novos, reacender a chama dos mais velhos e mostrar para a maioria que o choro é música nacional, executada em quase todos os quadrantes do país.
Saibam os leitores que tanto quanto não se pode tratar do jazz sem Billy Holiday ou Louis Armstrong ou do country e do folk americano sem Bob Dylan, jamais se pense em falar do choro sem, no mínimo, a citação e as referências de fundação deste gênero musical, identificando ou focalizando personalidades como Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga ou Jacob do Bandolim, entre tantos.
Penso que já me referi que os pioneiros do violão chorista foram o cearense Sátiro Bilhar e o pernambucano Quincas Laranjeira, lá pelo século XIX. De acordo com o “Trombone Atrevido”, revista digital especializada, “foi por ali que surgiu um músico, flautista, e compositor chamado Joaquim Antônio da Silva Callado Junior – o Joaquim Callado (Rio de Janeiro, 11 de julho de 1948 – Rio, 20 de março de 1880). Callado foi aluno de Henrique Alves de Mesquita (Rio de Janeiro, 15 de março de 1830 – Rio, 12 de julho de 1906) e recebeu forte influência da música francesa e do flautista belga Mathieu-Andr& amp; eacute; Reichert (1830-1880)”.
Joaquim Callado, o pai do choro |
Descendente direto da polca e outros ritmos europeus, o chorinho brasileiro tem Callado como o responsável pelo aprimoramento do gênero.
Em 1873, ele escreveu o “Lundu Característico”, que traz o maxixe como acento musical. Embora tenha composto outras peças naquele momento, foi “Flor Amorosa”, tocada regularmente pelos ‘chorões’ de hoje em dia, que ficou conhecido como o primeiro choro brasileiro.
É obra de muita beleza! No Tahiti – restaurante do Guarujá – onde fui traçar uma feijoada e ouvir o grupo “Primas & Bordões” pude sentir toda a reverência dos ‘súditos’ à peça de Callado, com a informação por um dos integrantes do grupo, ao microfone, do pioneirismo da melodia.
Segundo o livro “Choro, do Quintal ao Municipal”, de Henrique Cazes, “as composições de Joaquim Callado mostram uma preocupação com o virtuosismo e a exploração de recursos da flauta, porém os acompanhamentos originais demonstram pouco interesse por variações na harmonia”. Callado também pecaria – continua Cazes – pela falta de estruturação dos arranjos.
Ele foi o flautista mais importante de seu tempo e formou um grupo do qual fizeram parte, entre outros, a pianista Chiquinha Gonzaga e seu grande amigo, o flautista e violonista Viriato Ferreira da Silva.
Como venho fazendo, abro espaço para a ilustração de alguns dos mais importantes e/ou belos choros:
Flor Amorosa (Joaquim Callado), considerado o primeiro Choro:
O choro pelo Brasil
A partir da década de 1920, impulsionado pelas gravadoras de disco e pelo advento do rádio, o choro fez sucesso nacional com o surgimento de músicos como o pernambucano Luperce Miranda e o pianista, paulista de Santa Rita do Passa Quatro, Zequinha de Abreu, autor de “Tico-Tico no Fubá”.
Grupos instrumentais que por dedicar-se às músicas locais foram chamados de ‘regionais’, como o ‘Regional de Benedito Lacerda’, que tiveram integrantes como Pixinguinha e Altamiro Carrilho, e o ‘Regional do Canhoto’, composto por Altamiro e Carlos Poyares começaram a aparecer.
Na década de 1970, um marco: foram criados os ‘Clubes de Choro’ em Brasília, Recife, Porto Alegre, Goiânia e São Paulo, entre outras cidades.
Surgiram grupos jovens dedicados ao gênero, como ‘Galo Preto’ e ‘Os Carioquinhas’. Isto propiciou a redescoberta de veteranos compositores do choro, como Altamiro Carrilho, Valdir Azevedo, Copinha, Abel Ferreira, Patápio Silva, além de revelar novos talentos como os bandolinistas Joel Nascimento e Déo Rian e o violonista Rafael Rabello.
Em 1979, com o LP de nome ”Clássicos do Choro”, o flautista Altamiro Carrilho fez enorme sucesso tocando músicas eruditas em ritmo de choro. Este é um dos sinais importantes de que a música instrumental jamais esteve completamente dissociada do interesse do brasileiro.
Naquele ano, aconteceu o evento “Tributo a Jacob do Bandolim”, em homenagem aos 10 anos de seu falecimento. Na ocasião, é criado o grupo ‘Camerata Carioca’, formado por Radamés Gnatalli, Joel Nascimento e Rafael Rabelo entre outros. De acordo com Ricardo Giuffrida, “quem ganhou dinheiro mesmo e fez sucesso insuperável foi Valdir Azevedo, com ‘Brasileirinho’ e outros clássicos”.
Choro – origem do nome, todos querem saber!
Como ocorre com outros gêneros musicais, existem inúmeras discussões entre os pesquisadores sobre a gênese da palavra ‘choro’.
Entre as versões mais conhecidas, uma sugere que o termo nasceu de uma fusão entre o choro do verbo chorar, e ‘chorus’, que em latim significa ‘coro’.
Intervalo para a audição do primor “Odeon”, de Ernesto Nazareth, com execução de Artur Moreira Lima:
Para Lúcio Rangel e José Ramos Tinhorão, a expressão ‘choro’ pode derivar da maneira chorosa de se tocar as músicas estrangeiras no final do século XIX e os que a apreciavam passaram a chamá-la de música de fazer chorar.
Por extensão, o próprio conjunto de choro passou a ser denominado pelo termo, por exemplo, “Choro do Callado”. Já Ari Vasconcelos vê a palavra choro como uma corruptela de ‘choromeleiros’, corporações de músicos que tiveram importante atuação no período colonial brasileiro. Os ‘choromeleiros’ não executavam apenas a ‘charamela’ (¹), mas outros instrumentos de sopro. O termo passou a designar, popularmente, qualquer conjunto instrumental.
Câmara Cascudo arrisca que o termo pode também derivar de ‘xolo’, um tipo de baile que reunia os escravos das fazendas, expressão que, por confusão com a parônima portuguesa, passou a ser chamada ‘xoro’ e, finalmente, na cidade começou a ser grafada com ‘ch’.
No princípio, a palavra designava o conjunto musical e as festas onde esses conjuntos se apresentavam, mas já na década de 1910 se usava o termo para denominar um gênero musical consolidado.
Atualmente, o termo tanto pode ser usado nessa acepção como para nomear um repertório de músicas que inclua vários ritmos.
A despeito de algumas opiniões depreciativas sobre a palavra ‘chorinho’, esta também se popularizou como referência ao gênero, indicando um tipo de choro em duas partes ou movimentos.
(¹) Charamela – A charamela é um instrumento musical de sopro. Provavelmente originário da oriente médio, é construído em madeira, possui uma palheta (sopros). Em português o termo charamela, de modo geral, define os aerofones de insuflação bocal direta com palheta dupla ou palheta simples.
(*) Ernesto Júlio de Nazareth (Rio de Janeiro, 20 de março de 1863 — 1º de Fevereiro de 1934) foi um pianista e compositor brasileiro, considerado um dos grandes nomes do Tango Brasileiro, atualmente (desde a década de 20 do século XX) considerado um subgênero do choro. Suas composições, apesar de extremamente pianísticas, por muitas vezes retrataram o ambiente musical das serestas e choros, expressando através do instrumento a musicalidade típica do violão, da flauta, do cavaquinho, instrumental característico do choro, fazendo-o revelador da alma brasileira, ou, mais especificamente, carioca. Na produ&c cedi l;ão musical do compositor, destacam-se numericamente os tangos (em torno de 90 peças), as valsas (cerca de 40) e as polcas (cerca de 20), destinando-se o restante a gêneros variados como mazurcas, schottisches, marchas carnavalescas. É sabido que o compositor rejeitava a denominação de maxixe a seus tangos, distinguindo-se daquele fundamentalmente pelo caráter pouco coreográfico e predominantemente instrumental de sua obra. Deve-se ainda ressaltar em sua produção a influência de compositores europeus, notadamente de Chopin, compositor cuja obra se dedicou a estudar meticulosamente e cuja inspiração se reflete, sobretudo, na elaboração melódica de suas valsas.
Na semana que vem mais choro, personagens e emoção…
Nenhum comentário:
Postar um comentário