Quarto CD da cantora paulistana serve para os ouvintes atuais conhecerem várias facetas da obra do baiano de Irará
Por Kiko Ferreira
Não dá para resumir todos os tons do baiano Tom Zé num disco de nove faixas. Mas Multiplicar-se única – canções de Tom Zé, quarto CD da cantora paulistana Regina Machado, serve para os ouvintes atuais conhecerem várias facetas da obra do baiano de Irará, assim como o The hips of tradition, que o talking head David Byrne editou por seu selo Luaka Bop no início dos anos 1990, trouxe de volta o tropicalista que parecia ter ficado, até então, no limbo da história da música brasileira.
Regina, que tem no currículo três elogiados discos individuais (Sobre a paixão, Pulsar, Agora o céu vai ficando claro) e o livro A voz na canção popular brasileira: um estudo sobre a Vanguarda Paulista, começou a cantar na banda do autor de Parque industrial ainda na década de 1980.
A curiosidade natural da juventude ajudou a moça a se envolver na saudável misturação da obra de Tom Zé, músico popular influenciado por Ernst Wildmer, Koelreutter e Walter Smetak, com quem estudou na Bahia. E continuou acompanhando a trajetória do autor, cada vez mais experimental, ousado e disposto a testar limites de formas e conteúdos.
A seleção de repertório, feita pela cantora e por Silvia Ferreira, encontrou em Dante Ozzeti o arranjador e produtor ideal. Acostumado a trabalhar com a irmã Ná Ozzeti e outros minimalistas da Vanguarda Paulista, dispostos a chegar ao essencial de cada composição e flertar com a fala na construção e embalagem da canção brasileira, ele optou, na maior parte das faixas, por gravar a voz em primeiro lugar e, depois, ir construindo a arquitetura musical. Com isso chegou a uma dicção que une Tropicália e Lira Paulistana e valoriza cada música com dedicação de fã.
À vontade com os versos e as (des)invenções musicais pinçadas em cinco décadas de trabalho, Regina atualiza clássicos dos anos 70, como Augusta, Angélica e Consolação (1973), Tô (1976), Complexo de épico (1977) e Menina Jesus (1978) passa pela faixa-título, sintomática peça dos anos 1990, e chega aos 2000 com João nos tribunais, defesa de João Gilberto que poderia ter sido feita no final do ano passado, quando o intérprete maior da Bossa Nova ganhou sua histórica batalha na Justiça contra a gravadora EMI.
Pela excelência da interpretação e pela brilhante escolha do material, o CD soa como demonstração da quase tese contida nos versos de Multiplicar-se única: “Toda canção quer se multiplicar/ na multidão, única a se tornar/ simples prazer de ressoar/no ar/ o som da voz/ canta por nós/ cordas vocais/ sem cais, cordas ou nós”.
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