Por Luiz Américo Lisboa Junior
Ednardo - Do boi só se perde o berro (1976)
Existe uma crise de criatividade na musica popular brasileira? O assunto parece que já está esgotado de tanto que já se falou e escreveu sobre ele, contudo, é sempre bom retorná-lo e analisá-lo sob novos ângulos. Um deles é a avalanche de coletâneas que surgem a cada momento no mercado, todas com um único objetivo, levar ao público as musicas mais representativas de cada artista a preços acessíveis. Essa é uma estratégia de venda que sempre deu certo, pois desde os tempos dos LPs que ela existe, mesmo porque atinge um público menos exigente que não se preocupa em comprar permanentemente as novidades de seus compositores e intérpretes preferidos, são apreciadores de uma boa musica, e se contentam portanto em ter o melhor de seus artistas prediletos. Acontece que nos últimos anos a quantidade de coletâneas vem crescendo de maneira descontrolada repetindo em sua grande maioria o mesmo repertorio, já que o objetivo é privilegiar as canções mais conhecidas, e convenhamos, não são tantos artistas assim que podem se dar ao luxo de ter uma quantidade muito grande de sucessos que lhe permitam ter mais de um ou dois discos com o melhor de sua produção.
Mas se a profusão de coletâneas é uma realidade, de outro lado, verificamos que a grande maioria delas refere-se a artistas que tiveram o auge de suas carreiras na década de setenta e nos primeiros anos da década de oitenta. O repertorio na grande maioria desses discos são dessas épocas, o que me leva a crer que a crise de criatividade da musica brasileira é um fenômeno que se arrasta a pelo menos uns 15 anos já que os anos noventa com algumas exceções foram marcados por uma mediocridade que ainda permanece. A solução para muitos artistas consagrados foi partir para gravadoras pequenas e realizar projetos de elevada qualidade a fim de manter a coerência artística e a fidelidade de seu publico que se acostumou com um trabalho de alto nível e por isso mesmo tornou-se muito exigente. Felizmente vemos que a formula deu certo e apesar de grandes estrelas da nossa musica não venderem como antes, pelo menos mantiveram o nível de seus trabalhos num patamar que lhes garanta uma permanente renovação inclusive de publico, mesmo que em escala menor.
Ao tratarmos, portanto, sobre essas questões das coletâneas, podemos tirar algumas conclusões, e a primeira delas é que as grandes gravadoras perceberam que há sim uma crise de criatividade e o único jeito de ter um produto popular e de qualidade é partir para relançar antigos sucessos o que denota não um apelo nostálgico mas uma constatação dessa crise criativa a que nos referimos.
A outra opção de mercado é o relançamento de discos cujo sucesso de vendas não foi expressivo em sua época mas que são importantes e fundamentais para a musica popular, desse modo, o seu retorno ao mercado tem entre outros objetivos atingir um publico menor, mas que é cativo e ávido em adquirir seus discos preferidos.
Entre os discos que tive o prazer de ver relançado esta um LP do compositor cearense Ednardo, lançado em 1976 com o nome de Berro. Ednardo é um dos mais importantes artistas da geração nordeste que surgiu nos anos setenta, seu primeiro grande sucesso foi Pavão misterioso, trilha sonora da novela Saramandaia, da Rede Globo. Um dos integrantes do famoso grupo Pessoal do Ceará foi o que mais se destacou quando o conjunto se desfez. Em 1975 participou do Festival Abertura com a música Vaila e no seguinte lançou-a neste seu disco. Berro é um LP dos mais significativos entre os todos que foram lançados nesta fase inicial dos nordestinos porque revela um musico e um poeta de qualidades excepcionais. Em seu repertório encontramos canções notáveis que marcaram toda uma geração e que representam marcos definidores da trajetória do artista como também da efervescente transformação porque passava a musica nordestina resgatando seu folclore, suas tradições, fundada numa releitura moderna, extremamente criativa e bela.
O titulo inicial da musica que da nome ao disco era Do boi só se perde o berro, mas esbarrou na censura e Ednardo teve que simplificá-la, alias suas composições volta e meia sofriam alterações por causa dos censores de plantão que na sua paranóia enxergavam subversão em tudo. As musicas Artigo 26, uma das mais conhecidas do disco e Padaria espiritual são uma homenagem a um movimento literário que marcou época no Ceará no final do século dezenove. Merecem ainda destaque, Abertura; Passeio público, o maracatu Longarinas; Classificaram e a já citada Vaila.
Ednardo é uma referencia da musica cearense e um dos mais importantes compositores brasileiros da notável safra dos anos setenta, realizando trilhas para cinema, teatro e televisão, tendo o amor e a tradição a seu berço uma constante em seus trabalhos.
Este seu LP o segundo de sua carreira nos remete a um tempo em que a criatividade era norma na musica popular brasileira e não apenas um referencial mercadológico nas prateleiras das lojas, por isso que é imprescindível ouvi-lo e admirá-lo sempre.
Músicas:
01 - Berro (Ednardo)
02 - Artigo 26 (Ednardo)
03 - Franciscana (Ednardo - Roberto Aurélio)
04 - Passeio público (Ednardo)
05 - Longarinas (Ednardo)
06 - Abertura (Ednardo)
07 - Vaila (Ednardo - Brandão)
08 - Classificaram (Ednardo - Brandão)
09 - Padaria espiritual (Ednardo)
10 - Sonidos (Ednardo)
11 - Estaca zero (Ednardo - Climério)
Ficha Técnica:
Produtor fonográfico: R.C.A. Victor
Direção artística: Osmar Zan
Coordenação artística: Marcelo Duran
Produção: Antonio de Vicenzo
Arranjos: Ednardo/Mario Henrique Hareton Salvanine/Cirino/Mario Henrique
Técnicos de som: Edgardo Rapetti/Stelio Carlini/Walter Lima
Técnico de mixagem: Edgardo Rapetti
Corte: Jose Oswaldo Martins
Foto: Mario Luiz Thompson
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