Por Abílio Neto
Talvez eu não devesse falar sobre este assunto porque é muito pessoal, mas acontece que o adulto é um reflexo ampliado do que foi quando criança. E eu fui uma criança que sempre fez perguntas embaraçosas aos adultos. A propósito, lembro-me como se fosse hoje do ensino do Catecismo na Paróquia de Batateira, então 2º distrito de São Joaquim do Monte, lugar que nasci. As aulas foram ministradas pela professora primária e catequista Dona Nenê e depois houve um evento final com o nostálgico padre Júlio Selmin. Os ensinamentos do pároco, ministrados através de sua palestra, poderiam transformar qualquer jovem num bom cristão: amar o próximo, honrar pai e mãe, não roubar, não furtar, não matar e não cobiçar as coisas alheias. Ele fez também um debate enriquecedor, ocasião em que as crianças apresentaram perguntas e ele as respondeu sempre dentro da moral cristã. Eu tinha 10 anos, havia feito a 1ª Comunhão aos sete, e já começava a despertar para os impulsos do sexo. E não tinha havido até então nenhuma indagação sobre esse tema. Desde 8 anos que eu escasquetei na minha cabeça que sexo não era pecado, ao contrário do que ensinavam todos os religiosos, fossem eles católicos ou evangélicos. E, irresponsável naquele momento, sem mais nem menos, eu sacudi esta pergunta (na realidade duas) na face do religioso: – Padre, essas meninas de 12 ou 13 anos que acoitam nas partes baixas vários meninos, elas cometem algum pecado? O que elas são? O homem ficou rubro, hesitou um pouco, porém até concordou que a pergunta fosse interessante. Ele disse: – Você questionou o que elas são e eu digo que, aos olhos de Deus, elas são perdidas; são pecadoras que têm de pagar muita penitência para se tornar dignas do Criador; sem confissão, arrependimento e muitas orações não poderão nem frequentar este templo sagrado do Senhor. Foi tudo mais ou menos com essas palavras e isso nunca mais saiu da minha cabeça.
Fiquei deveras impressionado como a brincadeira de fazer sexo, do ponto de vista daquele religioso, ganhou tons altamente moralísticos, já que parecia uma coisa bem natural à apreciação de um menino de 10 anos, embora não mais tão inocente. Não disse a ele, todavia no fundo eu não achava as meninas “perdidas”, mas “achadas”. Se tivesse falado isso, o teto da igreja de São José, existente até hoje, talvez tivesse caído. Sim, porque aquele padre era um radical. Dias antes ele expulsou da igreja uma menina de 14 anos que morava na ponta sul da rua da vila, uma garota que foi responsável pela iniciação sexual de vários meninos dos sítios vizinhos e do arruado, isso sem cobrar um centavo sequer. Era uma menina de utilidade pública que hoje merecia ser nome de uma praça porque ao abrir suas perninhas aumentava a autoestima dos meninos que se afirmavam como machos: eu pude, eu fiz, eu levanto, eu posso. E tudo pelo prazer de dar e receber prazer, acostumando-se, verdadeiramente, logo cedo às coisas mundanas mais adultas. Por isso ela era chamada pelos carolas de catraia, rameira, biscate e até quenga.
A missa acontecia no dia da feira, que era a segunda-feira, para juntar mais fiéis. As pessoas assistiam a Santa Missa e depois é que partiam para fazer suas compras. Eu estava lá naquele dia quando essa garota chegou, entrou na igreja e se sentou no meio das beatas e zeladoras. Estava com um vestido bem comportado e um véu sobre a cabeça. Elas começaram a se entreolhar e de repente uma se levantou e foi até o padre (que já se preparava para iniciar a cerimônia) e cochichou algo ao seu ouvido. Imediatamente o padre reagiu, sacou uma vela acesa do altar e se dirigiu ao local onde a moça estava sentada e a expulsou do templo sem nenhuma tentativa de chamá-la para o caminho do céu. Apesar da tenra idade, achei aquele ato uma coisa absurda: um padre com uma vela acesa na mão correndo atrás de uma jovem pecadora até a calçada da igreja, enxotando-a do local divino e quase espumando de tanta raiva. E pecados não existem para ser perdoados? Qual a missão dos padres afinal? São questões embaraçosas.
Professora Wilma se prepara para dar um tibungo no Rio Una em cena imaginária |
Agora vocês entenderam a razão da minha pergunta na preparação para receber as mensagens do Catecismo. Alguns anos depois é que vim saber que o comportamento do sacerdote era, no mínimo, contraditório (na época estava palavra não fazia parte do meu vocabulário): ele pregava uma coisa e na prática fazia outra. A verdade é que meu questionamento chamou a atenção do padre para a minha confissão, em especial, que aconteceu em seguida. Ao invés dele ouvir a confissão dos meus pecados, eu passei a ser interrogado por ele: – Se masturba? – Sim; – Quantas vezes por dia? – Não sei, depende; – Depende de que, menino? – Das folgas que posso ter pra ir ao mato; – Em quem você pensa? – Na professora Wilma; – Por que pensa nela? – Porque de vez em quando eu vejo sua calcinha; – Como acontece isso? – Ela diz que sou um menino conversador que atrapalha sua aula e me bota pra sentar na primeira fila bem em frente ao seu birô; o birô tem uma fenda e aí eu olho quando ela cruza as pernas. Perguntou muito mais ainda sobre coisas que não lembro agora. Terminado aquele ato, que foi o mais demorado, mandou-me cumprir uma baita penitência de joelhos. Foi muito mais do que um terço. Quase me lasco de tanto rezar.
O pior é que meu avô Ezequiel sempre foi um homem extremamente católico e, após a Missa, o padre falou algo confidencial com ele, acho que sobre mim. Não sei o que foi. Só sei é que a coisa azedou de vez para o meu lado. Imagine se eu tivesse lhe falado o que ouvi um dia da boca da professora Wilma na calçada da mesma santa igreja. Wilma era moça muito novinha, uma magrinha apetitosa, cheirosa ao extremo e toda sacudida. Foi ela quem me despertou para o aroma bom que quase toda mulher tem. Ela passava perto da gente e deixava no ar um cheiro bom da porra! Mal havia terminado o curso para formação de professora e já veio ensinar no grupo escolar do Estado onde eu estava matriculado. Foi destacada para a 4ª série primária que era justamente a minha. Ela andava com uns vestidos bem curtos e tinha umas pernas bem torneadas que me davam vontade de alisar. Eu gostava demais quando ela aparecia com um vestido vermelho com bolinhas brancas ou branco com bolinhas vermelhas, até hoje não sei desvendar. Uma manhã, na sala de aula, o colega Aniceto, vizinho de bancada, falou bem baixinho ao meu ouvido: – vi agora a calcinha da professora; é hoje que me acabo na punheta. Não me controlei e caí na gargalhada em plena aula. Ela quis saber o motivo da risada e eu não lhe contei nem a pau. Imediatamente ela pegou meu caderno e escreveu a frase: “Muito riso é sinal de pouca vergonha”. Devolveu o caderno me dizendo: – repita isso 500 vezes. Me lasquei de tanto escrever naquele dia. Castigo cruel, porém menino do interior e do mato era uma peste. Também lá naquele tempo não havia nem energia elétrica, imagine TV, videogame etc. Divertimento de menino era mamulengo, literatura de cordel e um circo de vez em quando. Assim, a mente ficava fértil para outros pensamentos. Lembra do saudoso poeta Ruy de Moraes e Silva, o autor da música “Ladrão de Bode”? Nos versos iniciais ele disse: “Vida boa, vida alegre / Minha vida é um pagode / Me criei comendo cabra / Vou morrer roubando bode…” A expressão “me criei comendo cabra” precisa de uma interpretação de natureza sexual. Percebeu?
Fiquei velho e, mesmo assim, nunca mais me esqueci da frase de Wilma e nem dela. Bem, agora vamos ao que ela falou para sua colega quando eu subia a calçada da igreja e escutei com esses ouvidos que um dia a terra haverá de comer: – esse menino tem 10 anos, mas tem uma cara de safadinho; ah se ele tivesse uns aninhos a mais! Não, eu não poderia contar isso ao padre Júlio de jeito nenhum. Naquele tempo será que eu já tinha ideia do que a gente deve confessar ou não ao padre, delegado, juiz ou professor? Se pequei por omissão, quem sabe não tenha salvo o emprego da minha linda, jovem, gostosa e assanhada professora? Uma pena que a minha delação ao padre não tenha sido premiada, apesar de incompleta. Mas quem me garante que a desses implicados no Petrolão/Lava Jato é completa? Comigo aconteceu justamente o contrário: foi uma delação que atolou meu pé na merda. A vigilância familiar dobrou sobre mim. E o sigilo das confissões, seu padre?
Reconheço que eu fui uma criança que não mentiu, embora não contasse as coisas do mesmo modo que sucederam, isso em várias oportunidades. Esse comportamento me ajudou muito na vida adulta. A gente não deve jamais contar tudo o que sabe acerca de algo grave e do jeito que a coisa detalhadamente aconteceu porque a corda quando esticada costuma romper na parte mais fraca. Muito menos ensinar tudo o que aprendeu ao longo da vida. É uma questão de sobrevivência na selva humana. Mas deve perguntar muito sempre, porque nem tudo os mestres ensinam espontaneamente aos seus aprendizes. E assim segui na vida fazendo perguntas embaraçosas a educadores, médicos, fraudadores do INSS e empresários sonegadores de impostos, estes últimos quando passei a fazer auditoria fiscal.
Preste atenção no gato. Ele não sabe fazer pergunta, no entanto sabe pular como ninguém para se defender dos inimigos. Alguns dos seus pulos mais sofisticados ele não ensina a seus semelhantes nem a outros animais aparentemente amigos. Ele é um sábio na arte da sobrevivência!
Luana – Essa deu uma cruzada mortal, que é aquela que não mostra nada por baixo |
Quanto à professora Wilma, de Catende/PE, embora tenha sido minha mestra por um ano apenas, foi a mais marcante no meu curso primário porque me ensinou muito bem e me deixou bastante feliz com suas cruzadas de pernas, suas calcinhas minúsculas (avançadas para a época, se comparadas com as calçolas que eu via nos varais) e sua alegria contagiante de viver. Às vezes na hora do recreio eu a surpreendia cantando versos de uma música linda: “Se você não me queria / Não devia me procurar / Não devia me iludir / Nem deixar eu me apaixonar…”
Até por isso também (seu bom gosto musical cantando “Me Deixe em Paz”) se tornou uma moça inesquecível que teve o dom de me iludir quando criança fazendo crescer em mim o desejo sadio de obter toda bondade que uma mulher pode proporcionar ao homem/menino em todos os sentidos. Gostaria muito de saber que ela tivesse sido amada e feliz em sua vida, se bem que, segundo o poeta Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. E é com a música que contém esta frase, “Dom de Iludir”, com seu autor, que encerro esta crônica de hoje. Estou escrevendo isso em 07/08/2015, aniversário de 73 anos de Caetano, como uma forma de homenageá-lo. Para mim é um nome ímpar dentro da MPB. Saudade imensa de Wilma, responsável pela atração inicial do meu ser para o lado oposto e, mais ainda, minha formação de cidadão, talvez a mais importante por ter sido a primeira. Vida longa para meu ídolo que aqui canta sua joia musical com o auxílio luxuoso de Davi Moraes, o filho de Moraes Moreira, na guitarra. E lembre-se, a criança ou o jovem que sabe perguntar, tem tudo para ir longe em qualquer caminho que escolher. Das perguntas é que surge o contraditório e deste pode aparecer uma luz que ilumine de forma permanente sua vida. Até a luz divina não chega assim de forma graciosa. Tem que ralar e sofrer para consegui-la! Cansou do textículo? Ah, não se zangue porque acabou esta porcaria.
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