Por Abílio Neto
Quando foi noticiada a morte trágica desse artista, eu perguntei a meus filhos: esse era o famoso quem? Qual o seu maior sucesso? Falaram que defendia o gênero “sertanejo universitário” e que seu maior sucesso era “Bará, berê”. Fui escutar esta música. Achei uma bosta, mas eu sou um velho quase decrépito. Logo em seguida, fiquei espantado com a reação da mídia televisiva. O Jornal Nacional dedicou 10 minutos à morte do goiano. Mais tarde, ainda na noite do dia 24, sintonizei a TV Nova Nordeste do Recife que transmite os shows do São João de Caruaru. Aí foi que notei que estou por fora das coisas sem valor que fazem muito sucesso. O Pátio do Forró estava em clima de velório. O rapaz iria fazer naquela noite o show principal do São João de Caruaru. Fiquei sem acreditar. A baiana Margareth Menezes, que tem um repertório adaptado para as festas juninas, cantou para quase ninguém. Então concluí o seguinte: ou se acaba com essa falsa música sertaneja no Nordeste ou essa praga acaba com o que ainda nos sobra de cultura!
A morte desse sertanejo 29 anos deixou algumas figuras da TV completamente desnorteadas: a Fátima Bernardes noticiou que o falecido era Cristiano Ronaldo (o jogador português) e a Ana das gafes (a Maria Braga), disse ontem que o sepultamento era do cantor Leonardo. Isso tem uma explicação e segue até uma lógica. Não pensem que esses artistas “sertanejos” ocupam a grande mídia porque são possuidores de imenso talento. Não se trata disso. É o famoso jabá o responsável por tudo. Nada melhor para falar mal do meio do que outro “sertanejo”, o Jorge, aquele da dupla Jorge e Matheus. Vejam o que ele declarou em recente entrevista:
“A nova linha do mercado sertanejo, que trata música mais como negócio do que como arte, já tem seus resultados negativos?
Jorge – Sem dúvida. É visível pra todo mundo. Hoje você compra tudo, as pessoas aprenderam isso. Paga o jabá na rádio, compra a matéria, aparece na TV, então qualquer coisa é capaz de aparecer, por isso muita coisa ruim consegue espaço. Mas aparecer e fazer sucesso são coisas diferentes. Você pode estourar uma música ruim, ganhar uns trocados, comprar um carro bom, mas em menos de um ano você já tá de volta à estaca zero por não haver base. Não adianta querer explicar o que é uma carreira de sucesso pra alguém que tá feito louco atrás de um hit. Eu tô ficando meio grilado com esse lance de história musical. Eu não posso falar de carreira porque eu tenho 7 anos, mas eu posso falar de base, de conhecimento. Hoje tem artista que não conhece de música, não vive música, não tem noção de nada, acha que ser músico é uma profissão que você escolhe da noite pro dia pra ganhar dinheiro.
Por que você decidiu falar agora?
Jorge – A gente chegou a uma situação insuportável, e acho que é um momento em que alguém precisa falar algo. O mercado nosso é podre, podre. Onde já se viu essa competição que acontece hoje entre duplas, entre escritórios? Nossas carreiras não são um jogo, ninguém tá competindo, ninguém vai ser campeão no fim do ano se fizer mais pontos. As pessoas estão equivocadas. Há uma briga de bastidores hoje entre os escritórios que só atrapalha. Hoje existem grupos isolados, escritórios que criam rixas com os outros e isso não leva ninguém a nada. Enquanto você se preocupa demais com o que os outros tão fazendo, você tá deixando de se preocupar com seu trabalho. Eu tô com nojo, disso. Nojo.”
Falou tudo, não é? Não esqueçam de que há três anos o Ministério da Cultura autorizou que a dupla Jorge e Matheus fizessem a captação de R$ 4,3 milhões para financiar a produção e divulgação de sua música. Dinheiro que foi captado das empresas, mas que foi reduzido do imposto de renda da pessoa jurídica. No fim é o contribuinte quem sustenta esses artistas midiáticos.
Tracemos um paralelo da morte desse Cristiano Araújo com a do Mestre Camarão, óbito ocorrido em 21 de abril deste ano. O Jornal Nacional não noticiou, nem Fátima Bernardes e Ana Maria Braga se atrapalharam. Os fãs dele também não agrediram ninguém na internet como fizeram os do Cristiano. Mas aqui em Pernambuco os admiradores desse artista que enriqueceu enormemente nossa cultura se fizeram presentes no seu velório e sepultamento em Caruaru.
Com a morte do sanfoneiro Camarão o forró não ficou apenas mais pobre: perdeu um dos últimos remanescentes da geração que veio logo em seguida a Luiz Gonzaga. Ele foi um dos músicos que consolidou a sanfona como instrumento do forró e tocou com todos os grandes artistas do gênero. Marcou época com a Bandinha do Camarão, uma formação pioneira com instrumentos metálicos. Como prova do descaso de quem faz cultura neste país, os discos em vinil que lançou ao longo de mais de 50 anos de carreira ficaram fora de catálogo. Somente estão salvos alguns CDs que gravou.
O sanfoneiro, nascido em Brejo da Madre de Deus em 23/06/1940, começou a tocar sanfona ainda criança. Numa entrevista ao Jornal do Commercio, em 2003, ele relembrou a música nordestina antes mesmo do advento de Luiz Gonzaga: “O forró como a gente chama hoje era conhecido por samba. Os sanfoneiros tocavam valsas, polcas. Vi muitas vezes Zé Tatu tocando estes estilos. Estas músicas nordestinas, a não ser nos sítios, só tocavam no período junino. Só depois é que vieram as músicas de Luiz Gonzaga”.
Camarão começou a ganhar a vida como músico tocando em Caruaru, Serra Talhada e nas cidades do interior que tivessem cabarés animados. Foi em Caruaru, aos 20 anos, que ele recebeu seu primeiro salário fixo, na Rádio Difusora: “Na vaga do sanfoneiro Zé Vaqueiro. Quem tocava antes de Zé Vaqueiro era Hermeto Pascoal, que o pessoal chamava de Sivuquinha”. O apelido Camarão veio, obviamente, por ele ser muito louro, de bochechas avermelhadas e foi invenção do também falecido cantor Jacinto Silva: “Um dia cheguei atrasado na rádio. No que entrei com a introdução, avexado, Jacinto não acertou e gritou: de novo, Camarão”. O pessoal caiu no riso e a coisa pegou.
Ele recebia uma irrisória pensão vitalícia por ter sido contemplado como Patrimônio Vivo da cultura pernambucana, mas não pensava em se aposentar. Porém, paradoxalmente, não demonstrava interesse em continuar com sua banda ou voltar a lançar disco: “Gravar para quê? Para presentear os amigos? Ninguém compra, não toca no rádio, e quando acontece de vender bem, no outro dia está no camelô pirateado”. O forró, este Camarão acha que não acaba nunca: “Na verdade, o forró nunca foi muito considerado, mas é feito aquele programa, Balança Mas Não Cai: balança, balança, mas não cai, vai continuar sempre”.
Camarão foi um sanfoneiro que lançou várias pessoas como cantores, que assim puderam ver seus nomes nos selos dos discos. São exemplos: Miguel de Águas Belas, Risoleide Alves, Joana Angélica, Azulão, Risomar, Áurea Lane, Sandro Rogério, José Silva e outros. Uns seguiram carreira e outros ficaram pela beira da estrada artística. Lançou também vários compositores de músicas bonitas e singelas que gravaram também seus nomes nos discos de vinil, que, bem cuidados, são eternos.
Quando ele se apresentava no São João de Caruaru, jamais foi o principal artista da noite, muito pelo contrário, às vezes era encarregado de abrir a festança, justamente quando as pessoas começavam a chegar ao pátio de eventos. Não era midiático como Cristiano Araújo, porém deixou seu nome firmemente fincado na cultura nordestina. Isso é o que nos interessa!
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