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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

GRAMOFONE DO HORTÊNCIO

Por Luciano Hortêncio*



"Esta composição surgiu em disco pela primeira vez em 1953, em versão apenas instrumental, na execução do pianista Jacques Klein. Em janeiro de 1955, saiu esta primeira gravação cantada, pela Continental, na interpretação de Vera Lúcia, em 78 número 17041-A, matriz C-3515. Houve regravações por Nana Caymmi, Rosa Passos e Paula Lima, entre outras." (Samuel Machado Filho)




Canção: Valerá a pena?

Composição: Dorival Caymmi

Intérprete - Vera Lúcia

Ano - 1955

78RPM - 17041-A, matriz C-3515


* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 5000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

FERNANDA PORTO, 50 ANOS



1965 - Em 31 de dezembro de 1965, nasce em Serra Negra (SP), cidade onde seus pais Lucia e Adalberto tinham uma casa de veraneio. Nascida aos sete meses, volta para São Paulo aquecida numa caixa de caqui e permanece 28 dias na encubadeira. 

1970 - No jardim de infância no Colégio Santa Marcelina, em São Paulo, tem as suas primeiras aulas de flauta doce. A curiosidade em relação à música é aguçada depois de escolhida pela professora Nicole para representar a classe numa gravação. 

1973 - Começa a ganhar instrumentos musicais dos avós paternos e dos seus padrinhos Margot e Cláudio. O primeiro foi o xilofone, depois vieram a sanfoninha, sax de plástico, violão e pequenos instrumentos de percussão. 

1975 - No ginásio, ganha um festival de composição com um tema para Maria de Nazaré. Dá aulas de flauta doce para os colegas no recreio. Em casa, costuma ouvir a mãe tocar as valsas de Chopin e também pede para assistir as aulas de piano da irmã mais velha, Lucia Leão. Participa da primeira bandinha se revezando no piano, violão e flauta transversal. 

1977 - Assiste ao primeiro show de sua vida, em São Paulo, no Ginásio Anhembi, com Elis Regina, João Bosco e Ivan Lins, numa apresentação organizada pela Rádio Jovem Pan. É ali que toma a decisão de ser pianista. Os próximos shows que vai com o pai são de Oscar Peterson, Ella Fitzgerald, Dave Brubeck, Astor Piazzola, Burt Bacarach. Entre os brasileiros, Tom Jobim, Chico Buarque e Gal Costa. 



1979 - Aos quatorze anos, no primeiro colegial, toma conhecimento da existência da faculdade de música. Mas o teste de aptidão exigia a formação em algum instrumento. Para concluir em apenas dois anos o repertório de oito anos do curso completo de piano, Fernanda pede ajuda a sua vizinha, a pianista Maria Cecília Truffi. Atravessa madrugadas estudando música. Na carteira do colégio Oswald de Andrade, desenha um teclado com giz que permite fazer a leitura de partituras durante as aulas regulares. 

1980 - Torna-se tecladista de duas bandas amadoras. Mas depois de mostrar as suas composições, acaba sendo convencida a tornar-se também a cantora do grupo. Aos poucos, começa a assimilar a nova idéia, o que era difícil, pois se sentia extremamente tímida, até mesmo para tocar um instrumento. 

1981 - Entra para a Faculdade de Música Santa Marcelina, no curso intitulado Bacharelado em Piano. Mas percebe que o seu interesse pelo piano erudito era parcial e se transfere para o curso de Composição e Regência. A professora de Harmonia e diretora do curso de música, Laura Abraão, decide encaminhá-la para as aulas de H.J. Koellreutter, de quem era assistente. O curso era para os alunos do quarto e não do primeiro ano, mas Koellreutter abre uma exceção para Fernanda. Mas para admiti-la, o maestro alemão a desafia a compor uma música de uma nota só e sem fórmula de compasso. Tem início um processo intenso de experimentação e busca de novas formas de linguagem para a música contemporânea. 

1983 - É selecionada para o papel principal do musical Amapola, de Reginaldo Faria. Mas para acompanhar o ritmo dos ensaios noturnos sofre resistência familiar e se vê fora da montagem. 

1984 - Monta a primeira banda de música popular na faculdade. Ao mesmo tempo, prossegue com os estudos de canto lírico. Nas aulas com Leila Farah aprende a desenvolver as potencialidades da voz de soprano ligeiro. Canta várias árias de óperas, como Rigoletto e Verdi, Messias de Handael, Bachianas n. 5 de Villa Lobos. É a única cantora paulista classificada do Concurso Jovens Concertistas, no Rio de Janeiro (Sala Cecília Meirelles). 

1985 - Faz o primeiro contato com a linguagem do vídeo ao compor a trilha sonora para Tons, argumento de Lina de Albuquerque baseado em conto de Edgard Allan Poe e apresentado no Festival Videobrasil, em São Paulo. 

1988 - É selecionada para o musical As Bacantes, de José Celso Martinez Corrêa. Passa a dar aulas de canto para o elenco e compõe, junto com o diretor, a segunda parte operística da peça. Contudo, não consegue cumprir as exigências de horários de ensaio, pois canta e toca piano à noite nos hotéis Transamérica e Maksoud Plaza, em São Paulo. Desliga-se do espetáculo. 

1990 - Realiza a sua primeira série de shows no circuito cultural de São Paulo, passando por casas como as extintas Madame Satã e Espaço Off, Centro Cultural São Paulo, Sesc Pompéia e Consolação. Os shows se apoiam em repertório autoral. 

1991 - Compõe a trilha sonora do filme Desterro, de Eduardo Paredes, e recebe o prêmio de melhor trilha sonora no Festival de Cinema do Maranhão. 

1993 - Realiza shows em que mescla repertório próprio com canções do pop brasileiro (Titãs, Cazuza, Rita Lee) e da MPB (Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil). 

Participa do projeto Conexão MIDI, no Sesc Consolação, em torno de compositores envolvidos com música e computador. Entre os participantes, Mitar Subotic, o Suba, acaba também se revelando como um dos pioneiros da música eletrônica no Brasil. No mesmo ano, compõe a trilha sonora e canta no filme 1999, de Toni Venturi. O tema original irá integrar mais tarde o seu primeiro CD, Fernanda Porto (2002). 



1994 - Compõe a trilha sonora do filme Vítimas da Vitória, de Berenice Mendes, e recebe o prêmio de melhor trilha sonora no Festival de Brasília. 

1995 - Compõe a trilha sonora do filme Ruído de Passos, de Denise Gonçalves, baseado em conto de Clarice Lispector. 

1996 - Compõe a trilha sonora do documentário O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes, série de episódios para TV-GNT (Globosat). Parte da trilha sonora migra posteriormente para versão de cinema. Conhece o DJ Xerxes de Oliveira (XRS LAND) e tem o primeiro contato com o ritmodrum and bass. 

1998 - Viaja para Londres para pesquisar e conhecer de perto a cena drum and bass. Fat Boy Slim é o primeiro a reconhecer em seu trabalho a influência deste ritmo entre algumas das suas principais composições. 

1999 - Finaliza seu primeiro CD demo, um conjunto de canções com roupagem eletrônica, a maioria delas baseada no ritmo drum and bass. 

2000 - Divulga o demo entre vários DJs, entre eles DJ Patife. Patife faz um remix da música Sambassim (Fernanda Porto/Alba Carvalho) que acaba estourando nas pistas de Londres. 

2001 - Volta a Londres para lançar a música Sambassim junto com o DJ Patife. A música é escolhida para a faixa-título da primeira coletânea brasileira de drum and bass, Brasil EP, lançada pela V Recordings, a principal gravadora do gênero. Junto com os DJs Patife e Marky, faz uma versão eletrônica para a música Só Tinha de Ser com Você que entra na novela Um Anjo Que Caiu do Céu, da Rede Globo. Como já tinha acontecido em Sambassim, a sua voz invade as pistas antes mesmo de registrada no primeiro CD comercial. 

2002 - Após ter sido procurada por várias gravadoras da Europa, lança pela gravadora Trama o seu primeiro CD, intitulado Fernanda Porto. Recebe os prêmios Noite Ilustrada (melhor CD eletrônico) e Qualidade Brasil 2002 (melhor CD nacional). 

2003 - As músicas Tudo de Bom (Fernanda Porto/Lina de Albuquerque) e Amor Errado (Fernanda Porto/Edu Ruiz) viram hits nas rádios. A revista Veja destaca Fernanda como a primeira compositora capaz de consagrar o ritmo eletrônico no rádio, além de emplacar cinco hits num CD de estréia. Em fevereiro, ela parte para a primeira turnê na Europa. Em outubro, faz uma segunda turnê para lançar Fernanda Porto na Inglaterra, Suíça, Bélgica, Itália, França, Espanha, Holanda, Alemanha, Áustria e Portugal. É indicada ao Grammy Latino na categoriaBest New Artist. Também concorre ao Prêmio Multishow, na categoria Revelação. O videoclipe da música Sambassim vence o VMB da MTV. Entres os discos da categoria world music lançados na Europa, Fernanda Porto obtém o quarto lugar na cotação dos críticos e radialistas europeus que integram o Prêmio WMCE (World Music Charts Europe). É convidada especial de Marina Lima, no DVD Acústico MTV, em que canta com a cantora carioca e faz o arranjo da música Charme do Mundo. A vendagem de Fernanda Porto atinge mais de 120 mil cópias e se torna CD duplo de ouro. 

2004 - Durante a criação da trilha sonora do filme Cabra Cega, conhece Chico Buarque e grava com ele a sua versão eletrônica de Roda Viva. A música integra também um videoclipe e faz sucesso imediato nas rádios. Em dezembro, é lançado seu segundo CD, Giramundo, que leva o nome de uma das faixas (Giramundo, a música, de Fernanda Porto e Lina de Albuquerque). O CD traz participações do baixista e baterista do grupo americano Living Colours e do pianista e arranjador Cesar Camargo Mariano. Em junho, faz a terceira turnê na Europa.Giramundo, o CD, recebe o Prêmio Toshiba (Toshiba Cool Awards) de melhor álbum nacional pela revista Cool Magazine. O CD Fernanda Porto é lançado no Japão. 

2005 - Lança o CD da trilha sonora do filme Cabra Cega, de Toni Venturi, com participação especial de Chico Buarque, Toni Garrido, Ná Ozzetti e os integrantes da banda Living Colours, Will Calwoun e Doug Wimbish. Recebe prêmios de melhor trilha sonora nos festivais de cinema de Cuiabá, Maringá (II Festival de Cinema) e Belém do Pará (II Festcine). É convidada a participar do trio eletrônico de Daniela Mercury na Bahia. Participa do DVD Um barzinho, um violão (Universal) interpretando Sentado à Beira do Caminho (Roberto e Erasmo Carlos).Giramundo é lançado no Japão. 

2006 - Faz nova turnê em Portugal e grava no Tom Brasil o seu primeiro DVD/CD, Fernanda Porto ao Vivo, que inclui oito antigos sucessos e onze músicas inéditas. Participa do DVD Casa da Bossa, Homenagem à Tom Jobim, cantando a música Modinha. Giramundo é lançado nos Estados Unidos com excelente repercussão de crítica. 

2007 - Em março participa da série “Encontros” do Sesc Vila Mariana ao lado da cantora Luciana Mello e Cris Aflalo na homenagem ao compositor Chico Buarque. 

Participa da coletânea em homenagem a cantora Maysa - “Essa chama não vai passar”, interpretando a canção “Nego Malandro do Morro” lançada pela gravadora Biscoito Fino. Em abril desse mesmo ano participa do show em homenagem a Aracy de Almeida ao lado de Ná Ozzetti e Virgínia Rosa no Sesc Pinheiros – SP. Em Junho, divide o Palco com o cantor e compositor Chico Cesar no projeto “ Grandes Encontros da Música Brasileira” no Shopping Anália Franco. 

2008 - Em janeiro participa do Projeto “A Era Iluminada- Rock 80” (Sesc SP) interpretando sucessos da época ao lado de Roger (Ultraje a rigor), Beto Bruno (Cachorro Grande) entre outros. Em fevereiro ao lado de Fátima Guedes e Doris Monteiro realiza um show em homenagem a cantora Nora Ney (Sesc Pinheiros). Em abril, vai a Teresina para apresentar seu show no projeto “Seis e Meia” no Teatro 4 de setembro. 

2009 - Grava em seu próprio estúdio e lança seu quarto CD: Autorretrato (EMI), com quatorze canções inéditas, marcado pela volta à sonoridade eletrônica. Dessa vez, passeia por ritmos como: DownTempo, Breakbeat, Progressive House e Nu-Jazz. 

2010 - Show no Palco Principal na Virada Cultural de Manaus. Em agosto é convidada pela banda Big Beatles de Vitória ( ES ) para um show em homenagem aos garotos de Liverpool. Em outubro participa do Show de Lançamento de CD da Banda “São Paulo Ska Jazz” no Bourbon Street (SP). 

2011 - Realiza durante o ano todo uma série de12 shows pelas cidades do interior do estado no” Circuito SESI São Paulo”.Em fevereiro grava uma versão voz e piano da canção “Hoje” para o CD “ A voz da mulher na obra de Taiguara” para o selo “Jóia Moderna”. Em julho participa com a mesma canção na gravação do DVD homônimo no Memorial da América Latina. Realiza entre julho e agosto uma tour na Europa, participando em Portugal em Festival Internacionais como “ Marés Vivas” e o tradicional “Vilar de Mouros”. Novamente vai a Londres para um circuito de shows em Duo. 

Participa do projeto: “Cine Concerto” no Sesc Vila Mariana cria e executa ao vivo a Trilha Sonora para o filme “Dreams” de Akira Kurosawa. 

2012 - Em janeiro, Show Fernanda Porto Duo no Sesc Bom Retiro. Em fevereiro e março faz tour pela Europa, passando por Portugal, Itália e Inglaterra. Em junho, participa do: “Bourbon Jazz Festival Parati” com a banda São Paulo Ska Jazz. Em julho esteve em no Teatro Santos Dumont em São Caetano para apresentar um show em homenagem aos seus 10 anos de carreira. Está realizando um projeto nos primeiros domingos de cada mês no Shopping Butantã (SP): “Pocket Show com Bate Papo” onde além de cantar realiza entrevistas com diversas personalidades como o goleiro Zetti, o cantor e apresentador Ronnie Von e o navegador Amyr Kink, sempre abordando temas de interesse público. 

Atualmente está gravando um novo CD onde interpreta canções ao piano.

Fonte: Site Oficial

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*



A certa altura do livro Galáxias, de Haroldo de Campos, um cantador "num fim de festafeira" na capital paraibana toma o turno da palavra e, acompanhado "apenas com um arame tenso um cabo e uma lata velha", num martelo galopado, canta: "para outros não existia aquela música não podia porque não podia popular / aquela música se não canta não é popular se não afina não tintina".

As palavras do esmoler, transcriada pelo narrador de Galáxias, leva-nos a pensar sobre aquilo que faz uma canção ser definida como tal. O que e quem valida uma canção senão ela mesma em seu poder de cantar (ou não) o cantor e o ouvinte em suas unicidades?

O esmoler sabe que o que ele faz não agrada aos "burocratas da sensibilidade, que querem impingir ao povo, caritativamente, uma arte oficial, de 'boa consciência', ideologicamente retificada, dirigida", como Haroldo de Campos anota na apresentação do livro.

Recusando ser e ter um guia - "que deus te guie porque eu não posso guiar" -, o esmoler sabe e defende seu lugar no mundo: "pois isto é popular para os patronos do povo mas o povo cria mas o povo engenha mas o povo cavila / o povo é o inventalínguas na malícia da mestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso".

Ou seja, aparentemente sem serventia dentro de um sistema dominante de arte, aquele fio "esfaima circuladô de fulô" - põe em movimento (revitaliza circularmente, a cada novo/velho canto) os signos e símbolos do canto do povo de um lugar.

O esmoler de Galáxias, por outro lado, mas complementar ao anterior, faz-nos pensar nos mecanismos de guarda e preservação daquilo que é popular. No caso, a cultura e a tradição orais. Aliás, os termos "história", "tradição" e "oral" estão sempre muito próximos, como se um se validasse no outro e remetesse o indivíduo a certa essência, pureza. E nada é tão simples assim. Muito menos aqui no país encardido.

Sem me desviar do assunto, mas para trazer a questão um pouco ao espaço urbano, pergunto-me: remover um muro grafitado, pintado por um artista "de rua" para dentro de uma instituição (um museu, uma galeria) não seria destruir a obra?

Portanto, e voltando, como manter a alma de um pastoril em um disco? Como registrar (numa gravação eternizadora e, consequentemente, fixadora) a singularidade e a especificidade daquilo que em sua gênese é feito para ser do instante, do efêmero e, por isso mesmo, despertador do desejo de retorno, de circularidade da ilusão?

Sem dúvidas, como anota Paul Zumthor, no livro Introdução à poesia oral: "A passagem de um modo [oral direta, teatralizada] a outro [mediatizado] de recepção representa uma mudança cultural considerável". Porém, não há, salvo engano, uma solução definitiva para isso.

O certo é que essas questões não são novas e ainda atravessam - e não há consenso - o trabalho de muitos pesquisadores e brincantes contemporâneos: entre o desejo de "manter a coisa como estar" e a vontade de, pelo medo de perder, "registrar para a posteridade".

É do entrelugar do desejo e da vontade que sai o disco EncarnadoAzul (2011), assim, tudo junto, de Sandra Belê. Com seus coros e canções colhidas do livro Cancioneiro da Paraíba, de Idelette Muzart Fonseca, o disco de Belê presta um grande serviço à memória oral de nossa cultura justamente porque não tenta preservar o objeto.

Deslizante, cambiante e adaptável, porque atropófoga, a nossa cultura oral não precisa de salvadores. "Viemos para animar / por toda noite queremos cantar", diz a voz em "Senhor José". Aliás, o título do disco já sugere a aproximação dos cordões através da canção, das sonoridades.

Pedindo licença e atenção, o sujeito (voz coletiva) dessa canção sintetiza a própria pulsão daquilo que é uma canção: "Querer bem aos dois cordões [encarnado e azul] / queremos cantar". A defesa aqui é pelo direito de cantar e ser presença no mundo.

Unindo talento, tecnica e conhecimento de causa - "o coração daquilo" que canta -, Sandra Belê guarda, sem prender, as canções do pastoril que embala os festejos religiosos: quando ouvintes tornam-se intérpretes, cantores e mantem, enriquecem e transformam a tradição.

"Sou cigana do Egito / De tão longe a cantar / Para ver todo esse povo / Dançar, cantar e pular", versos de "A cigana", parecem querer definir a função da cantora, da canção, do disco.

Deste modo, podemos dizer que, ao trair a tradição oral, posto que a registra (fixa) em disco, Sandra Belê promove a permanência dessa mesma tradição, posto que agora poderá ser acessada noutros tempos e espaços. E as perdas na ausência da performance "por inteira" exige do ouvinte atento a sensibilização de outras áreas.

"Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. / Em cofre não se guarda coisa alguma. / (...) / Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por / ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, / isto é, estar por ela ou ser por ela", diz o oportuno poema "Guardar", de Antonio Cícero.

Seja como for, a querela amorosa e cruel entre indústria fonográfica e cultura oral/popular (tradição, história, memória) pode não ter benefícios para os dois lados - é cada vez mais difícil encontrar um cantador-de-feira com sua capacidade intrínseca de engajar o ouvinte por inteiro na performance, os pastoris rareiam, mesmo no Nordeste do Brasil, ao mesmo tempo em que pupulam tentativas de restaurações e revitalizações passadistas (de boutique) do "passado" -, mas o fato é que a canção não morre nunca. É ela que nos salva e não o contrário.


***

Senhor José
(Domínio público)

Senhor José, posso entrar?
Senhor José, licença
Pro pastoril brincar

Viemos para animar
Por toda noite queremos cantar

É do meu gosto
É da minha opinião
Querer bem aos dois cordões
Com prazer no coração
Eu hei de amar os dois cordões
Com prazer no coração


* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A HISTÓRIA MUSICAL DO RÁDIO NO BRASIL

Há exatamente dez anos, as músicas mais executadas nas rádios brasileiras foram as que seguem na lista abaixo:

01 - Eu Amo (Zezé Di Camargo e Luciano)
02 - Quer Casar Comigo? (Bruno e Marrone)
03 - Fui Eu (Zezé Di Camargo e Luciano)
04 - Choram As Rosas (Bruno e Marrone)
05 - Você sempre será (Marjorie Estiano)
06 - Como vai você (Zezé Di Camargo, Luciano e Antonio Marcos)
07 - Um minuto para o fim do mundo (CPM 22)

08 -  Cadê meu amor? (Zeca Pagodinho)
09 - Céu da boca (Ivete Sangalo e Gilberto Gil)
10 - Festa no apê (Latino)
11 - C.B. Sangue bom (Acústico) (Marcelo D2)
12 - Um mais um (Skank)
13 - É amor demais (Edson e Hudson)
14 - Vamos fugir (Skank)
15 - Doce desejo (Babado Novo)
16 - Irresistível (CPM 22)
17 - Inevitável (Ao vivo) (Bruno e Marrone) 
18 - Uma vez mais (Ivo Pessoa)
19 - A desconhecida (Leonardo)
20 - A ilha (KLB)
21 - O amor que eu sempre quis Levada Louca e Belo)
22 - Na frente do reto (O Rappa)
23 - Meu ébano (Alcione)
24 - Poligamia (Kid Abelha)
25 - Coração (Rapazolla)
26 - Os amantes (Daniel)
27 - Magia e mistério (Guilherme e Santiago)
28 - 
Senhorita (Motir o)
29 - Duvido (ao vivo) (Bokaloka)
30 - 100% Você (Chiclete com Banana)
31 - Apaixonado (Imbranato) (Hugo e Thiago)
32 - Amor, amor (Wanessa Camargo)
33 - A volta (Roberto Carlos)
34 - Vem, Habib (Wala wala) (Rouge)
35 - Mulheres são de vênus, os homens são de marte (Tihuana)
36 - Anacrônico (Pitty)
37 - Homem carente (Rick e Renner)
38 - Não me conte os seus problemas (Banda Eva e Ivete Sangalo)
39 - Peito aberto (Kid Abelha)
40 - Foi (Zezé Di Camargo e Luciano) 
41 - Bebedeira (Rick e Renner) 
42 - Desatino (Daniel)
43 - Se (Fábio Jr.)
44 - Tira ela de mim (Alexandre Pires)
45 - Gasolina (Daddy Yankee)
46 - Tantas palavras (Marlon, Maicon e Robin Gibb)
47 - Sere nere (Tiziano Ferro e Liah)
48 - Um anjo (KLB)
49 - Já tentei (Exaltasamba)
50 - Codinome beija-flor (Ao vivo) (Barão Vermelho e Cazuza)
51 - Escuta aí rapaz (Kelly Key)
52 - Me chama de amor (Babado Novo)
53 - Nua (Ana Carolina)
54 - Se ainda existe amor (Leonardo)
55 - Ao sentir amor (Alexandre Pires e Fat Family)
56 - Lutar pelo o que é meu (Charlie Brown Jr.)
57 - Eu quero é sempre mais (Ira! e Pitty)
58 - Vertigo (U2)
59 - Pareço um menino (Leonardo)
60 - Além das contas (Cidade Negra)
61 - Vida Real (Engenheiros do Hawaii)
62 - 1967 (Ao vivo) (Marcelo D2)
63 - Sistema bruto (Chitãozinho e Xororó)
64 - Ai, ai, ai... (Deep lick radio mix) (Vanessa da Mata)
65 - Por que choras? (Bruno, Marrone e Joelma/Banda Calypso)
66 - Renata (Tihuana)
67 - Além do horizonte (Jota Quest)
68 - Vossa excelência (Titãs)
69 - Respirar você (Capital Inicial)
70 - A Lua me traiu (Banda Calypso)
71 - Sou a Barbie Girl (Kelly Key)



domingo, 27 de dezembro de 2015

O CLUBE DOS CORAÇÕES PARTIDOS - A GRAMÁTICA CORRETA DO AMOR

Em meados dos 70, boa parte do Brasil cantou com ele a música-denúncia "eu lhe peguei no fraga", um dos muitos sucessos que Genival Santos registrou em 28 discos. Com cinco milhões de LPs vendidos, ele simboliza um momento áureo da indústria fonográfica brasileira, onde discos de ouro eram tão comuns quanto o não enriquecimento de ídolos populares.



O maestro autorizou: veio a primeira nota. No centro do palco, um homem de estatura média, os modos contidos por conta do nervosismo, começou a cantar: “Se for preciso, eu compro uma casa para você morar/ Se for preciso, lhe dou de presente o meu coração”. O homem nervoso de modos contidos – faltou dizer que usava uma blusa estampada muito comum naqueles anos 70 – seguia vacilante para o restante da música quando foi interrompido. “Pode parar. Você canta pra dentro, Genival”, disse Flávio Cavalcanti, o apresentador que afagava chutando. Era tanto o dono de uns óculos severos, a armação gritando “me respeite”, quanto do programa de sucesso no qual o rapaz da Paraíba tentava uma chance. Os jurados foram chamados para opinar. A cantora Maysa mirou em verde os modos vacilantes, o jeito humilde, a blusa estampada. Deu nota zero. Depois, veio o compositor Ronaldo Bôscoli. Outro zero. O cantor e apresentador José Messias, ainda hoje na TV brasileira, anunciou a mesma nota. Era vez da atriz Márcia de Windsor, cujo sobrenome fictício simboliza um momento no qual a aristocracia europeia era, não sem muita canastrice, emulada em solo nacional. Foi a voz da oposição: dela, Genival ganhou um 10 e uma doce previsão: “Você vai vender mais do que Gil e Caetano”. A gentileza, no entanto, não deu conta do peso dos zeros. Genival, no meio do palco, a blusa estampada e nervoso, nervoso e humilde, humilde e vacilante, chorou. “Fui humilhado, bicho.”

Dias depois, a produção de Flávio Cavalcanti começou a receber centenas de cartas: chegaram a 1.500. O rapaz foi chamado para voltar ao centro do palco. Desta vez, cantou Meu coração pede paz, música-título de seu primeiro LP. Na plateia, nordestinos nada vacilantes vibravam. “Olha, tua família é grande, hein? Tem até ônibus vindo de Salvador”, disse, mesclando pilhéria e preconceito, o apresentador que se notabilizou por quebrar discos em cena e analisar moralmente as canções que eram ouvidas ali. Desta vez, Genival não passou por júri, nem por zeros. Cantou toda a canção sem ser interrompido, ouviu os aplausos e foi embora. Nunca mais foi convidado a voltar, apesar de vender tanto quanto (ou mais, há quem diga) do que Gil e Caetano. Foram 28 discos e cinco milhões de cópias comercializadas.

O rapaz para quem a família vaticinara um destino para eles já seguro – trabalhar como lavrador – escreveu sua história de maneira particular, na verdade, da maneira particular a centenas de nordestinos que foram para o Rio de Janeiro buscar sucesso. Tinha apenas 6 anos quando seus pais saíram de Campina Grande e se dirigiram até o Estado. Queriam “uma vida melhor”, aquilo que quem fica, sejamos justos, também deseja. Tiveram um sítio em Santa Cruz da Serra, onde pai e mãe logo foram para a roça – é daí que provém o pensamento seguro na futura profissão do filho. “Cantar era coisa de quem tinha dinheiro.” Mas não foi assim: Genival até ajudou a plantar o feijão e o milho, mas o que era de parte do urbano logo o chamou. Adolescente, trabalhou como sapateiro, ajudou a descarregar pedra e cimento de caminhão, foi servente de pedreiro. Tudo isso até começar a fazer o que gostava, cantar alto e dramático. Todos elogiavam sua voz, era o seu melhor, então era isso que tinha que mostrar. Quando foi servir no Exército, 1970, já se apresentava em boates no centro do Rio. Tinha só 17 anos quando começou a cantar em um inferninho da Praça Mauá. “Eu saía sexta à noite do quartel para fazer show e voltava de madrugada. Quantas vezes fui pego dormindo...” Conheceu os compositores João do Vale e Bastinho Calisto. Conheceu Carlos André, que ainda não havia quebrado a mesa. Este o convidou a gravar um disco (a doce previsão de Marcia de Windsor começava a acontecer naquele momento).

Meu coração pede pazsaiu em 1972 – foi o propósito de divulgá-lo que colocou Genival em frente ao chute de Flávio Cavalcanti. O LP fez sucesso e vendeu 85 mil cópias. Foi um ótimo incentivo para a gravadora mantê-lo no cast. “Eu ganhei tanto dinheiro, tanto dinheiro. E nem peguei nele. Vendi quase seis milhões de discos. Gastei muito. Com mulher, com bebida, com amigo, farra”, diz Genival, sentado no sofá do apartamento do bloco B, localizado na Cidade dos Funcionários, em Fortaleza. É um apartamento modesto (e tratado com carinho), diferente da casa que o cantor comprou no Rio de Janeiro quando seus discos continuaram a sair e a vender para milhares de pessoas (Eu não sou brinquedo estourou com Se errar outra vez, em 1975; Vem morar comigo>, de 1976, fez sucesso com Sendo assim; Se for preciso, de 1977, tem o hit Eu lhe peguei no fragra. Com o dinheiro, comprou uma casa grande, com sauna, em nada parecida com a dos lavradores que poderia ter sido. Comprou um bom carro, como era de praxe. Acabou se separando da esposa com a qual gerou quatro filhos, a mulher que viu o marido passar de um constrangimento televisionado para o estrelato. Ela não aceitou o tipo de vida que o ex-ajudante de obra passou a levar: nunca reclamou quando ele chegou trôpego, nem mesmo quando ele levava para casa, após uma noitada, uma, duas mulheres. Afirmava que eram da banda. Ela ficava calada. Um dia, arrumou tudo e avisou a ele: “Estou indo embora”. Genival não acreditou: tentou várias vezes trazê-la de volta, mas ela preferiu o silêncio do estar sozinha ao silêncio de quando estava acompanhada. “Você sofreu muito por amor?” Escuta a pergunta sentado no sofá do apartamento modesto, bloco B. Não respondeu com a voz, mas os olhos, cheios d'água, falaram alto.

O afastamento dos filhos foi um dos obstáculos mais difíceis: Sangue do meu sangue (“quero te dar o que não tive na vida...”) foi feita para aplacar a culpa e a distância. Idosos, os pais que o levaram para o sítio lá em Santa Cruz da Serra também partiram: tinham criado Genival a vida toda, como filho sangue do próprio sangue, tanto que ele só veio conhecer o pai verdadeiro, no Recife, quando tinha 35 anos. A mãe biológica, tem 88 anos, ele sabe onde está, mas não a vê. “Eu procurei por ela durante muito tempo, foi como Evaldo Braga, ele também foi atrás da mãe. Mas, sinceramente, a minha já morreu.”

O fato é que, como vários cantores de sua geração, aqueles que mudaram a vida de maneira particular (do Nordeste para as listas das mais tocadas, da casa pobre para os hotéis de luxo, do trabalho braçal para o palco), Genival viu um dinheiro que jamais imaginara, desfrutou-o por alguns anos e depois, olhando para os lados, não o encontrou mais. Esse processo aconteceu simultaneamente ao afastamento de uma lógica familiar a qual estava acostumado. Olhou para os lados e também não achou mais os filhos, a ex-mulher, os pais. “O sucesso vai embora e fica só o nome.” Não passa por dificuldades financeiras – faz três, quatro shows por semana – mas não pode mais manter uma casa com sauna e carro jet set, nem farra, nem amigos (daqueles que surgem quando sua maior qualidade é a prosperidade). Boa parte do valor conseguindo com a venda dos discos – aquele que sobrou após passar pela gravadora e pela editora, estas também fascinadas pela prosperidade nas vendas – foi vampirizada pelo governo de Fernando Collor de Mello, que bloqueou a poupança dos brasileiros no início da década de 90. “Quando ele soltou, já não tinha valor.”

Há 20 anos, foi morar em Fortaleza, onde sempre teve um público fiel. Gostava do Rio, os filhos, cariocas, continuaram a viver lá, assim como a ex-mulher. Fala com eles várias vezes por semana, a saudade nunca deixou de existir. Sente falta de lá e diz que não chegou a sentir preconceito na cidade. “É porque não falavam nada sobre a gente.” No Nordeste, apresenta-se para um público misto, formado por aqueles que tanto conhecem sua carreira, os discos lançados, quanto por quem o entende como o cantor do “fraga”, achando graça no R invasor. Hoje, ele acentua ou brinca com a pronúncia – para deixar claro que trata-se de um erro. Havia neste, sabe, uma denúncia que indicava seu lugar de classe. Também viu seu próprio entorno se modificar e, por tabela, o sentido de suas músicas. “Agora, quando canto ‘Se errar outra vez, dou castigo para não se acostumar’, as mulheres olham para mim e gritam ‘nãããão’”, comenta, referindo-se a um de seus maiores sucessos. Sentado em seu sofá localizado no Bloco B, Genival continua a falar, lembra do passado (os olhos cheios d’água várias vezes). Não há ressentimento: adequou-se, com o conforto provocado pelo o que é inevitável, a sua vida de agora. Sem sauna, sem carro no ano – e, que bom, sem vaias.


"Rebeldia é não ter vergonha de ouvir músicas bregas"

O analista de sistemas Marcelo Scanzani, 32 anos, é um hard user da música popular romântica – ou brega, ou cafona, ele realmente não se importa qual denominação seja utilizada para enquadrar o gênero. Há anos, o paulistano deixou de ser um mero ouvinte para ser uma espécie de pesquisador informal da música de cantores como Bartô Galeno, José Ribeiro, Waldick Soriano. Genival Santos também tem um lugar cativo entre seus ídolos musicais, e algumas de suas canções, como Preciso parar pra pensar, Coração de plástico e, claro, Eu lhe peguei no fraga, são espécies de totens do sofrer que atingem em cheio o peito do rapaz. “Mais direta impossível: ‘Eu lhe peguei no fraga, você beijando um cara, com que cara vou lhe dar o meu perdão?’ Me marcou bastante”. Para Marcelo, a música é um exemplo do tipo de entrega escancarada e honesta só possível entre os representantes desta música feita de acordes nem sempre tão simples (como convencionou-se a pensar) e extrato de emoção.

Seu primeiro contato com o fraga de Genival se deu através de um intermediador, o cantor Falcão, que deu uma roupagem particular ao tema ao investir mais no humor do que no caráter emocional das letras (não que um esteja exatamente desassociado do outro, é claro). “Falcão fez um disco inteiro só com covers do pessoal do brega, o 500 anos de chifre. Carlos Alexandre, Alípio Martins, Bartô Galeno e, claro, Genival Santos, que participava com dois clássicos, Eu lhe peguei no fraga e Coração de plástico. Fiquei impressionado com as músicas, que eram sérias e engraçadas ao mesmo tempo, com letras bastante fortes, e fui atrás dos cantores e versões originais. Aí comprei uma coletânea do Genival Santos, 20 Sucessos de ouro, e também o disco Vem morar comigo, conta.

As músicas de Genival terminaram fazendo parte do repertório da banda criada por Marcelo e os amigos, a Olhos de Guaxinim. A adesão do rapaz ao estilo provocou certo espanto de parte da família e de alguns amigos – a situação de classe e o nível intelectual de Marcelo pareciam não bater com o que se pensa dos usuais ouvintes de tais canções. O próprio termo “brega” também contribuiu para tal impressão. “Claro que existe o tom pejorativo de chamar de música brega. É fácil reparar que geralmente os ritmos que vêm de países do Terceiro Mundo são tachados de brega: bolero, forró, rumba, etc. A bossa nova não é considerada brega porque foi misturada com o jazz.” Por outro lado, o termo, para ele, dá conta de um estilo onde o exagerado e o passional são colocados em primeiro plano – além da forma particular de como os instrumentos são tocados. “O brega consegue falar de coisas profundas e comuns a muitas pessoas de uma forma simples, que todos irão entender, de qualquer classe.” Além dessa comunicação direta, o gênero consegue, para o músico, dar conta de uma lacuna deixada por estilos como o rock, que, para o analista de sistemas, foi completamente assimilado pela indústria. “Rebeldia hoje é expressar o que se sente sem medo, não ter vergonha de ouvir e se emocionar com músicas bregas, valendo até beber e chorar. As pessoas querem parecer ou seguir o padrão norte-americano, mas o que realmente tem muito mais a ver com o nosso povo e nosso País é o grito de protesto: Eu não sou cachorro não.”

Contato para Shows
(85)9909-9582


Fonte: JC online

MÓ NUM PATROPI

Por Francisco Bosco



Uma tragédia de erros: assim poderia ser definido o gênero sui generis da vida de Wilson Simonal. O cantor, no auge de seu sucesso, em que chegou a ser uma das pessoas mais famosas do Brasil (concorrendo com
Roberto Carlos e abaixo apenas de Pelé), desconfia que está sofrendo desfalques de seu contador e manda que lhe deem uma surra. Estamos em 1971.

Acionada pela esposa do contador, a polícia descobre que Simonal foi o mandante do crime, perpetrado por dois agentes do DOPS. Para safar-se da acusação, o cantor se sai com uma história inverossímil sobre ameaças terroristas que estaria recebendo.

As ligações nebulosas do cantor com membros do DOPS desencadeiam uma implacável campanha pública de difamação, acusando-o de “dedoduro”.

Pelo crime contra o contador, Simonal foi condenado, após julgamento, e pegou cinco anos e quatro meses, que cumpriu em regime aberto. Já por sua suposta atividade de informante da ditadura, embora disso nunca tenha havido provas, foi condenado, sem julgamento legal, a um ostracismo siberiano em seu próprio atropi. Daí em diante, sua vida pessoal iniciaria uma longa e severa decadência, e sua vida pública transformar-se-ia num tabu, no grande recalque da história da música brasileira.

Há uma cena no excelente documentário Simonal — ninguém sabe o duro que dei que concentra todo esse imbróglio e retrospectivamente não apenas o ilumina, como também o prefigura. Nela, Simonal está fardado, prestando um serviço burocrático (ele serviu o Exército, onde começou sua carreira musical cantando calipsos nos bailes do 8o Grupo Móvel de Artilharia de Costa). O serviço é de datilografia, mas logo os dedos começam a bater ritmadamente nas teclas da máquina, o tlec-tlec mecânico dá lugar ao telecoteco sincopado, a máquina burocrática vira instrumento lúdico, a farda vira farra, e assim a lei, sem se dar conta, foi inteiramente subvertida, por dentro.

Esse corpo que subverte a lei sem confrontá-la diretamente (não poderia fazê-lo), que habita o espaço ambíguo entre a ordem e a desordem, é um corpo dotado de graça. à opressão do trabalho repetitivo e alienado, ele procura safar-se pelas bordas, na informalidade, multiplicando expedientes, como for possível. Estamos, como se sabe, no ethos da malandragem. Aqui, paradoxalmente, o ócio é resistência. O princípio do menor esforço é resistência corporal e subjetiva contra o maior esforço imposto desde fora, por uma lei de cartas marcadas. Esse princípio produz uma graça: como já definia o filósofo Edmund Burke, no século XVIII, o maior requisito da graça é não haver nela aparência de dificuldade.

Simonal canta com a mesma graça, com a mesma ausência de esforço com que transforma a máquina datilográfica em tamborim. Essa graça é a característica maior de sua arte, na radicalidade dessa ausência de esforço reside sua grandeza. A graça se encontra na voz poderosa e aveludada, que se sente sempre que poderia ir bem mais longe do que vai (mas para quê?); nas divisões rítmicas do canto, inventivas, mas nunca bruscas; no andamento tantas vezes mais lento, cadenciado de suas canções; e mesmo em sua dimensão de showman, ao reger multidões enfeitiçadas, deixandoas cantar enquanto descansa a voz.

Em nenhuma outra canção isso fica mais evidente que em sua interpretação de País tropical, de Jorge Benjor. Nela, o clássico ufanista recebe um tratamento que acaba revelando a base ambígua da jactância nacionalista. Para começar, opta-se por uma levada “salseada”, mais cadenciada, relaxada. Na segunda vez em que a letra é cantada, Simonal suprime a última sílaba das palavras, cantando só o suficiente para que se lhes entenda o sentido: “Mó num patropi/ abençoá por Dê/ e boní por naturê”. O ufanismo, por excesso, atinge um tom quase paródico. é um exagero, mas não absurdo, dizer que essa sílaba que falta é a distância que sempre nos faltou para passar de “gigante pela própria natureza” a “teu futuro espelha essa grandeza”. Esse ufanismo incompleto, preguiçoso, é a graça em seu estado mais revelador: pois a falta de esforço é também a “desorganização geral”, “a falta de organização moral”, para usar termos de Mário de Andrade.

Voltemos à cena em que Simonal presta serviço militar. Essa história conhecemos bem. Ela é a do negro pobre, para o qual o serviço militar é obrigatório (pois, para os mais ricos ou bem relacionados, o serviço militar obrigatório não é obrigatório), para o qual, portanto, a lei é e não é a lei. Aqui reside o busílis: para os pretos e pobres a lei não afrouxa, e assim é verdadeiramente a lei; mas, se no mesmo momento ela, para os ricos, cede e concede, deixa de ser a lei. Se a mesma lei não é a mesma, ela se autoanula como lei, e assim é impossível, para quem desse modo a percebe, identificar-se com sua impessoalidade, sua universalidade.

O preto pobre, oprimido pela lei, quando ascende socialmente é apesar da lei, e não por causa dela, daí que, ao contrário, uma vez tornado rico, tende a passar ao outro lado da lei, e se identificar com o opressor.

Assim, resultante de um movimento dialético com a lei, a graça corre o risco de voltar a dialetizar com ela, revirando-se dessa vez em desgraça. é, parece-me, o que se passa no episódio do contador. Uma vez tendo ascendido socialmente, Simonal teria tido a sensação de que estava por cima da lei, já que antes estava por baixo dela. Considera então ter o direito de surrar seu contador, e convoca para essa tarefa os executores legais da ilegalidade, que são os agentes do DOPS.

É coerente. Para posicionar-se contra a ditadura, teria de reconhecê-la como um poder que se apoderou ilegitimamente da lei, impondo o arbítrio — mas como, se a lei, para pretos pobres como ele, sempre se apresentou como arbítrio? Na impossibilidade de reconhecer a lei como tal, isto é, como o que impede a divisão entre opressores e oprimidos, só lhe resta identificar-se com um dos polos da oposição; no caso, o dos opressores, posição que julgaria ter conquistado legitimamente, o que, na lógica ambígua da sociedade brasileira, deve querer dizer apesar da lei. O Brasil não é mesmo para amadores.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

GRAMOFONE DO HORTÊNCIO


Por Luciano Hortêncio*




Canção: Moreninha


Composição: Georgina Erismann

Intérprete - Jorge Fernandes


Ano - 1938


* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 5000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

ORLANDO SILVA, PARA MUITOS, O MAIOR CANTOR DO BRASIL

Por José Teles






Para especialistas em música popular, Orlando Silva, que completaria cem anos hoje, foi o maior cantor não apenas do Brasil, mas do mundo em sua época, entre os anos 1930 e 1940, quando ganhou o epíteto de “O Cantor das Multidões”, pelo arrebatamento que causava entre os fãs País afora. Feito ídolos pop dos anos 1960, ele não podia caminhar na rua sem causar tumulto. Aconteceu no Recife, em abril de 1945, quando ousou ir a pé do Hotel Central, na Avenida Manoel Borba, até o Teatro Santa Isabel, onde faria uma apresentação. Reconhecido na Rua da Imperatriz teve a camisa rasgada pelas fãs, provocando por tabela inquietação no maestro Nelson Ferreira, que iria conduzir a orquestra que acompanharia o cantor. “Ele já me conhecia, e a me ver numa das frisas, me chamou para cantar, entretendo o público enquanto Orlando Silva não chegava. Eu estava cantando quando escutei aquela voz atrás de mim, era ele, também meu ídolo”, quem conta a história é o Claudionor Germano, na época com 13 anos.

Ele foi um dos inúmeros cantores que começaram emulando Orlando Silva, assim como Nelson Gonçalves, Roberto Silva, João Gilberto e Roberto Carlos, para citar alguns nomes marcantes da música popular brasileira. Mulato, magro, feio e manco (teve uma parte amputada de um pé, em conseqüência de um acidente em um bonde), Orlando Silva conquistou o sucesso com uma voz de larga extensão, mas comedida. Moderna não apenas pela forma como a usava, mas igualmente pelo fraseado e senso rítmico quase jazzístico, improvisando no andamento, adiantando-­se ou atrasando-­se, revolucionando a interpretação na música popular (e irritando alguns críticos do seu tempo).

Acrescente-­se a isto, o ouvido privilegiado para canções de qualidade. Foi assim que se tornou responsável pelo que é provavelmente o mais perfeito 78 rotações já lançado na música brasileira, quando gravou em 1937 um disco que trazia na face Carinhoso (Pixinguinha/João de Barros), e na outra face Rosa (Pixinguinha/Otávio de Souza). Nascido no Engenho de Dentro, Zona Norte carioca, filho de José Celestino da Silva, um violonista em cuja casa promovia rodas de chorinho, frequentada pelos bambas da época, entre estes Pixinguinha, Orlando Silva perdeu o pai ainda criança. Começou a trabalhar para ajudar no sustento da família, mas o propósito era ser cantor de rádio.

Foi no programa de Francisco Alves, primeira majestade da MPB, na Rádio Cajuti, que Orlando estreou aos 19 anos. Antes teve que se submeter ao inevitável teste. Porém um teste realizado na rua, em pleno Centro do Rio. Parado pelo compositor Bororó (autor de entre outras, Da Cor do Pecado e Curare), na Rua Chile (a lenda diz que no lendário Café Nice) Francisco Alves concordou em ouvir o rapaz que se pretendia cantor, que lhe mostrou duas canções pinçadas do repertório de Silvio Caldas, Malandro Sofredor (Ary Barroso) e Mimi (Uriel Lourival).

Chico Viola (como também era conhecido Francisco Alves), aprovou o “calouro” que estreou no rádio em 23 de junho de 1934. Embora tenha lançado disco até os anos 1970, Orlando Silva é cultuado pelo que gravou entre 1935 1947. Foi uma produção caudalosa. Discos eram gravados mensalmente e não havia escassez de músicas. Compositores do Brasil inteiro corriam à capital do País, sede das principais gravadoras e das emissoras de maior audiência. Onde, obviamente, estava a grande maioria das estrelas do rádio.

Assim, Orlando Silva lançou dezenas de clássicos, vendeu centenas de milhares de discos e foi um campeão de muitos carnavais brasileiros com marchinhas feito Jardineira (Benedito Lacerda/Humberto Porto), ou Abre a Janela (Roberto Riberti/Arlindo Marques Jr). Seus primeiros discos são da época da gravação mecânica, a voz e acompanhamento, ao mesmo tempo, registrados na matriz de cera de carnaúba. “… o técnico dizia assim: Olha, esta é a última cera. Não tem mais. Cuidado e tal. Ai todo mundo aquela tremedeira. … durante seis anos fui campeoníssimo, porque eu ensaiava, ensaiava bem, e quando ia gravar a primeira valia logo” (em entrevista ao Ensaio, da TV Cultura, em 1973).

“Orlando Silva continua afastado dos microfones. Mistério… Parece que o Cantor das Multidões quer sossego… O que é que há?”. A notinha maldosa está na coluna de Alziro Zarur, na revista Fon Fon (de 28 de dezembro de 1946). Naquele tempo o termo inglês “junkie” não era ainda usado para designar viciado em drogas pesadas. Orlando Silva foi um junkie. Afundava-­se na morfina, na cocaína e no álcool. A morfina, diz-­se que veio da necessidade de diminuir as dores provenientes da cirurgia no pé, a segunda para aguentar o dia a dia, as turnês pelo País e o peso da fama.

Os problemas pessoais o afastaram da Rádio Nacional em 1946. Quatro anos antes trocara a poderosa RCA­-Victor pela Odeon, depois pela Copacabana. O Cantor das Multidões fez shows e a gravou até o final da vida. Cantou com Caetano Veloso, gravou novos autores como Chico Buarque, Taiguara, Edu Lobo, porém cultuado e respeitado não pelo que fazia, mas pelo que fez até os anos 1940. A voz impostada dos anos 1950 em diante tornou-­se uma pálida cópia do que fora no auge. Orlando Silva faleceu em 1978, em consequência de um derrame cerebral.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*



A mãe é a primeira sereia do indivíduo. A força motriz a convidá-lo à vida, ao mesmo tempo em que aperta os laços da relação [de dependência] dialógica (mãe-filho). Ou seja, ela dá a corda, mas mantém o cordão (umbilical) bem ajustado.

E são nas cantigas de ninar - e suas ambiguidades entre o consolo e a provocação do medo - que as mães vão sustentando o filho, na voz, ao mesmo tempo em que se mantem viva (com função e sentido) no mundo. Oferecendo tempos e espaços suspensos na realidade vocal, a mãe insere o filho na descoberta-de-si.

Diferente do Ulisses homérico, o indivíduo comum não tem uma Circe a lhe advertir dos encantos das sereias. Somos urdidos e maturados já imersos no paraíso sonoro do canto (ulterior) sirênico.

É por isso que tenho dito que toda canção (mesmo mediatizada, serial, produto de mercado) tem algo de maternal: ela quer [en]cantar o ouvinte, dar-lhe sentidos ao absurdo. Tudo na canção se articula a fim de criar o paraíso esperado por cada ouvinte. A vida em abundância, porque ficcional - descolada do real, mas sem deixar de roçá-lo.

Seguindo este raciocínio, o disco Liebe Paradiso (2011), de Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, é uma caixa sonora onde cada palavra dita (cantada) parece querer iluminar o recanto escuro de cada sujeito cancional a dançar em cada canção.

O requinte sonoro manipulado e atingido pelos produtores Duda Mello e Leonel Pereda, produtores é algo fundador na canção popular brasileira. As ambiências geradas - quase pinturas, mas algo superior, porque canção - de tão sofisticadas soam íntimas do ouvinte e promove o efeito estético da lindeza.

E é atento a esta intimidade que destaco "Flor da noite" cantada por Nana Caymmi. Temos aqui uma jóia rara. Avesso à simplicidade, ou à simplificação, das relações afetivas entre cantor e ouvinte, o sujeito da canção - feito vivo na voz de Nana - pontua aquilo que ele é: sereia/mãe a acalentar o indivíduo/filho solto na noite escura.

Só mesmo quem cantou com imprescindível beleza os versos "Hoje eu quero a rosa mais linda que houver / quero a primeira estrela que vier / para enfeitar a noite do meu bem" poderia recriar "Flor da noite", de Celso Fonseca e Ronaldo Bastos: uma canção de ninar adultos, de embalar afetos.

A voz de Nana Caymmi se acomoda com tamanha precisão ao desenho musical que o desejo do sujeito da canção acontece: a cama sonora e tépida está feita, basta ao ouvinte deitar e aproveitar a suave proteção (maternal) que ela oferece - o lugar onde o amor ficará em permanente estado de pausa e será acionado sempre que a canção retornar.

Aqui, a proteção maternal é travestida na fala de alguém que se despede: "Se outro alguém te lembrar de nós dois / Não diz pra esse alguém / O que passou e ficou pra depois / Seja o que for / Além de mim / Ninguém / Assim", diz o sujeito que, pela reminiscência do ouvinte, dialoga com os versos de "Detalhes", de Roberto e Erasmo Carlos: "Se um outro cabeludo aparecer na sua rua / e isso lhe trouxer saudades minhas a culpa é sua".

Tudo dorme, está em pausa. Tudo sonha, está vibrando nos amantes. É no sonho, na memória afetiva e onírica que tudo dorme, sonha e permanece. É no canto (ficção / sonho) levemente entoado de Nana Caymmi que tudo é real - "e o uni[verso] vai ao léu". E "como a lua rolando entre as estrelas", o ouvinte é puro estado estético.

Deste modo, "Flor da noite" dialoga tematicamente com "Tudo tudo tudo", de Caetano Veloso, e "Dorme", de Arnaldo Antunes. Especialmente quando estas dizem "Tudo dormir" e "Pensamento, dorme / Sensação, dorme", respectivamente, na tentativa de colocar o ouvinte em estado de repouso, de quietude.

O pronome indefinido "tudo", nas três canções, utilizando seus cancionistas do recurso de montagem cinematográfica einseiteniano e godardiano, não se refere a uma totalidade, mas ao gesto (humano) sempre fracassado e circular de busca pela completude - na repetição do pronome, do ato, do [re]canto. Tudo é uno: cantor e ouvinte, mãe e filho, amado e amante. Cada um é parte que (juntas) leva ao todo - tudo cantado.

O canto de "Flor da noite" é a "cirandas voltas de tu em mim", como diria o poema "Saudades" de Amador Ribeiro Neto. A canção circula e protege quem é cantado, no modo (passional) de cantar os significantes - carrossel em movimento, "sobre o mundo [íntimo] cai o véu", estrela - espalhados (feitos carrossel) na canção.

Destacar aqui todos os sons sutis e suas articulações dentro de Liebe Paradiso é algo impossível e soa incoerente diante da grandeza da obra. É preciso ouvir: sem pressa, ao sabor dos sons, das vozes, do simples gesto - cada vez mais raro - de ouvir para ser ouvido.


***

Flor da noite
(Celso Fonseca / Ronaldo Bastos)

Dorme, tudo dorme
Sobre o mundo cai o véu
Veste o infinito
Véu da noite, cai do céu

Se outro alguém te lembrar de nós dois
Não diz pra esse alguém
O que passou e ficou pra depois
Seja o que for
Além de mim
Ninguém
Assim

Sonha, tudo sonha
O universo vai ao léu
Verso do meu sonho

Flor da noite, carrossel


* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".