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segunda-feira, 6 de julho de 2015

O FORRÓ COMO CULTURA POPULAR: DA CELEBRAÇÃO DO POVO AOS CURRÍCULOS ESCOLARES - PARTE 06

Por Silvério Leal Pessoa



RESUMO

Esta pesquisa está voltada para os Estudos Culturais e para área de Didática dos conteúdos específicos. Tem como objetivos investigar a relevância do forró como cultura popular e estruturador da identidade de um povo, e propor a inserção do forró nos temas transversais do currículo escolar. Utilizando de pesquisa bibliográfica, este estudo tem início com a análise dos conceitos de cultura popular e hegemonia. Analisa também o processo de globalização e como as novas tecnologias da comunicação e do mercado, influenciam a adoção de padrões culturais por parte da escola pública diferentes dos padrões culturais dos seus alunos e alunas. O currículo é averiguado como espaço de resistência e que envolve a construção de significados e valores culturais. Entretanto, não é um estudo que vai de encontro ao diálogo cultural, multicultural, pois avalia o conceito de hibridismo vinculado à identidade e subjetividade dos alunos e alunas em constante contato com diversas culturas. Assim, esta pesquisa não parte de uma perspectiva ortodoxa, isolando as culturas, e sim de uma interação e integração cultural averiguando o forró como possível fortalecedor de uma identidade, para daí iniciar o processo de diálogo. Para que essa proposta seja efetivada, o forró e a cultura popular devem ser inseridos como temas transversais do currículo escolar.


PALAVRAS-CHAVE: Cultura popular; forró; Hibridismo; Currículo escolar.



O FORRÓ E A CULTURA POPULAR COMO TEMA TRANSVERSAL OU EIXO TRANSVERSAL DO CURRÍCULO

Os temas transversais são um coletivo de conteúdos educativos e eixos condutores da atividade escolar que, necessariamente não estão ligados a uma matéria em particular, considera-se que são comuns a todas, e mais do que criar novas disciplinas, acredita-se que seu tratamento seja transversal num currículo global da escola, aqui se tratando de escola pública municipal ou estadual. Esses temas separados das disciplinas acadêmicas podem em troca desenvolver um tratamento que ofereça dignidade ao aluno e aluna, mobilizando seus valores, elementos básicos para potencializar uma personalidade autônoma, crítica e solidária, objetivo final de qualquer ideal renovador pedagógico. (YUS, 1998, p. 17-18).

Qual a justificativa que legitimaria o forró como um tema transversal no currículo da escola pública? O forró como um rico gênero musical que aglutina em seu interior não só diversos ritmos, abre espaço para estudos nas áreas sobre ecologia, geografia, indumentária, culinária, política, história e literatura. Todos esses assuntos são decorrentes de uma música que trás em seu interior citações e situações envolvendo todo esse universo de uma riqueza cultural histórica. Esses assuntos estariam presentes na escola pública e encontrariam familiaridade por parte dos alunos e alunas que já vivenciaram ou vivenciam em suas vidas experiências resultantes de pertencer a esse universo. O forró seria introduzido como tema transversal não como matéria curricular, mas com enfoque orientador crítico e dinâmico, inclusive colaborando para que seu espaço no mercado musical seja refletido, quando novas gerações entendem por forró um estilo musical completamente diferente do forró estruturador de identidade. Através de uma reflexão crítica o forró seria estudado e resultaria na passagem da aceitação para a compreensão-ação.

Como tema transversal, o forró se preocupa em fazer a conexão com elementos da vida cotidiana dos alunos e alunas, promover a empatia, avaliar as preocupações sócio-afetivas das meninas e meninos que formam o grupo de alunos da escola pública. A diluição dos vários temas relacionados ao forró no currículo escolar pode ser visto como pontes entre o conhecimento vulgar e o conhecimento científico, porém aproximar a instituição escolar dos temas significativos do mundo atual, o mais perto possível da realidade dos alunos e alunas, é a estratégia essencial de inserir o forró como tema transversal no currículo escolar. (idem, p. 23).

São oito as temáticas transversais presentes no currículo do MEC. São elas: Educação ambiental, Educação para a paz, Educação moral e cívica, Educação Sexual, Educação para o trânsito, Educação para a igualdade, Educação para a saúde e Educação do consumidor. A questão da proposta de incluir o forró como cultura popular nos temas transversais, é averiguar em qual temática das oito acima ele poderia ser incluído, ou propor uma nova temática transversal para sua inclusão. Poderia ser a Educação e a cultura, ou a Educação e a cultura popular. Essa inclusão seria fundamental para a reconstrução pessoal e coletiva da cultura. (ibidem, p. 31-43).

Uma escola pública localizada na periferia dos grandes centros urbanos que recebe alunos e alunas como produto de imigração ou migração do interior para as capitais, e que inclui a cultura popular, o forró, como tema transversal em seu projeto curricular, vai com certeza facilitar a convivência interna desses alunos e alunas por trabalhar assuntos relacionados a educação igualitária para todos os indivíduos, sem diferença de sexo, de raça ou de religião, vai incentivar a tolerância, o intercâmbio e o respeito e o gosto pela diversidade cultural no interior da escola. As discussões envolvendo o forró e a cultura popular vai despertar o interesse por conhecer as pessoas que fazem parte do coletivo escolar, seus valores e sua origem, combatendo qualquer influência de estereotipia. O forró como tema transversal vai ressaltar a cultura de um grupo social, valorizar sua história, além de estimular um conhecimento mútuo da realidade cultural de cada grupo social. E por fim, a inclusão do forró como tema transversal vai equalizar uma provável desigualdade que podem acusar alunos e alunas procedentes de famílias de migrantes. (ibidem, p. 71).

Os conteúdos que podem ser trabalhados dentro do tema “A cultura popular e o forró” incluídos no currículo escolar como tema transversal, é de uma riqueza e amplitude estimulantes. Por exemplo; A origem da cultura popular, quem faz a cultura popular, a história do forró, Luiz Gonzaga como criador do baião, a música forró, a dança forró, a região onde surgiu o forró e sua geografia, ecologia e situação social, as roupas utilizadas por aqueles que tocam, cantam e dançam o forró, o gibão e o couro, os artesãos, os bailes de forró, a comida que caracteriza uma região, o povo do Nordeste, Sertão, Agreste e Zona da Mata, a história do acordeom, a história do acordeom de 8 baixos, as relações entre o forró e a cultura rural da França, diferenças entre o forró e o forró eletrônico, a literatura de cordel, as histórias sobre gênero, violência, política, seca, enchentes, movimento migratório e causos e contos presentes nas letras do forró, biografias de Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, Marinês, Sivuca, Zé Calixto, Heleno dos 8 baixos, Jacinto Silva (Figura 9, acima mencionada)), Elino Julião, Humberto Teixeira, Zé Dantas, Fuba de Taperoá e vários outros, a programação das rádios e o forró, estereótipos e caricatura do Nordeste, a situação do forró na atualidade, etc. Um verdadeiro conjunto de temas que estimula a curiosidade, promove uma aprendizagem significativa, cria atitudes e vai funcionar também como fortalecimento da identidade dos alunos e alunas filhos e filhas dos migrantes que frequentam a escola pública.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A cultura popular é um fator determinante para a formação de um padrão de convivência e inserção de um grupo social na natureza. Seja pelo conjunto de comportamentos, atitudes, modos de produção, criatividade e valores. É a cultura popular que forma uma maneira particular de um grupo social estar e viver no mundo. Como a sociedade continua constituída de classes sociais que estabelecem relação de poder entre as mesmas, o processo hegemônico atua sobre a cultura popular para transformar essa cultura em algo massificado, produtivo e relacionado com o mercado, com o consumo. Essa ação hegemônica é favorecida pela globalização, que entre fortalecer a identidade ou globalizar, elabora sistemas econômicos que tentam transformar as culturas diversas em uma cultura global, homogênea.

A cultura popular se defende, realizando processos de acomodação, adaptação, quando suas matrizes estão sujeitas à ação da globalização, principalmente dos meios de comunicação e tecnologias, tais como; a internet, as redes de TVs por assinatura e sua programação padronizada, aos novos modelos de mercados virtuais, às novas formas de criar, produzir, ouvir e consumir música, Shopping Center, mercado publicitário. Nesses casos a cultura popular se hibridiza, ou seja, procura dialogar e interagir com os novos meios tecnológicos que afetam diretamente seus membros, o coletivo social no qual é criada a cultura popular. É nesse complexo momento pós-moderno que a identidade e a subjetividade entram em crise alcançando as matrizes culturais e consequentemente sua hereditariedade.

Como resultado desses novos panoramas urbanos, sociais, e econômicos, a migração de vários grupos vindos do interior, seja do Sertão, Agreste ou Zona da mata, criou novos ambientes e cruzamentos de povos e coletivos nas cidades, em busca de oportunidades e melhor qualidade de vida. Os filhos e filhas desses migrantes, em sua maioria, chegam na escola pública estadual ou municipal e geralmente encontram um padrão cultural que contrasta com o seu padrão cultural de origem. A cultura popular se movimentou nesse processo migratório até às cidades e grandes metrópoles. No interior da escola pública acontece os conflitos de diferença, identidade e subjetividade, caso a escola não esteja conhecedora desses processos atuais que envolve a identidade e o fortalecimento da cultura dos alunos e das alunas, crianças ou jovens que frequentam as milhares de salas de aula. Acontece as dificuldades de aprendizagem e os conflitos.

O forró é um elemento que compõe a cultura específica de um povo que tem raízes no interior. Como um gênero, o forró é um universo que engloba a dança, a música e os variados ritmos (xote, aboio, repente, baião, xaxado, marcha junina, arrasta-pé etc.), e envolve em sua estética, a culinária, a literatura de cordel, a indumentária baseada no sertanejo, no agricultor e no cortador de cana, o improviso dos cantadores e repentistas, e uma iconografia registrada pelo artesanato de barro. O forró é um elemento estruturador de identidade.

Luiz Gonzaga foi o grande divulgador dessa cultura que conquistou o Brasil e através do baião (ritmo, levada, criada por ele e o parceiro Humberto Teixeira com base no dedilhado da viola dos repentistas), contando com o rádio, consolidou uma maneira nordestina de ser. O baião foi o maior suporte para os migrantes e imigrantes que saiam de suas regiões e muitas vezes sem a família, se viam representar através dessa música e da voz forte de Luiz Gonzaga. As saudades eram atenuadas, e o forró apresentava ao Brasil o Nordeste.

A escola pública recebendo os alunos e alunas advindos dessas regiões e trazendo consigo sua cultura popular pode ter no forró um elemento de apoio para fortalecer essas identidades e subjetividades, favorecendo um ambiente propício ao ensino e a aprendizagem. O conflito originado quando os alunos e alunas encontram na escola um padrão cultural diferente do seu, vai recair diretamente nos problemas relacionados à identidade e a aprendizagem. Conflitos que podem ser encontrados na prática pedagógica, passando pelo projeto político pedagógico da escola, nos livros didáticos que não contemplam conhecimentos relacionados ao cotidiano e ao conhecimento já trazido pelo aluno, culminando com o currículo escolar considerado o terreno fértil e apropriado para a possível redenção do problema.

Historicamente o currículo sempre foi um espaço de resistência no qual pode-se encontrar confrontos políticos na ação de selecionar os conteúdos considerados adequados para serem trabalhados com os alunos e alunas nas várias esferas educacionais. Que conteúdo selecionar? Por quê selecionar esse conteúdo em vez de outro? Esse conteúdo alcança todo o grupo de alunos e alunas diferentes por natureza? A escola pública não recebe apenas alunos e alunas participantes de um padrão cultural, o multiculturalismo é uma realidade e as diversas culturas são convidadas a conviverem respeitando e interagindo com as diferenças. E como a TV e o rádio são elementos divulgadores de padrões culturais trabalhados para o mercado através da publicidade, alem da internet, os alunos e alunas são normalmente assediados por imagens e padrões bem diferentes de sua origem. Daí o papel importante do currículo escolar como espaço mantenedor do fortalecimento da cultura popular.

Comum a todas as matérias, o forró e a cultura popular devem ser inseridos como temas transversais do currículo escolar, favorecendo assim ao momento necessário de interação cultural, hibridismo e redimensionamento de conteúdos que se relacionem com a vida, os valores e os padrões culturais dos alunos e alunas. A inserção do forró e da cultura popular como tema transversal, vai fortalecer a identidade de um grupo e simultaneamente estimular o dialogo entre grupos diferentes, não só no interior da escola pública, mas no mundo no qual estão inseridas as várias culturas.

Como tema transversal o forró e a cultura popular vão enriquecer os diversos conteúdos, pois pela diversidade de temas e possibilidades de discussões, perpassando as diversas disciplinas, não só os alunos e alunas que são oriundos dessa cultura vão se sentir identificados, como todo o coletivo escolar vai conhecer ou reconhecer seus valores, costumes e criatividade no universo contido no forró, um estruturador de identidade. Portanto, o deslocamento que o forró fez dos terreiros e festas familiares no interior do Nordeste para chegar nas capitais, pode ser realizado agora rumando para o interior do currículo escolar, para valorizar e fortalecer o mundo subjetivo e a identidade daqueles que são a hereditariedade do gênero. O forró desloca-se assim, da celebração do povo aos currículos escolares. Para que a festa desse povo possa continuar.




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