RESUMO
Esta pesquisa está voltada para os Estudos Culturais e para área de Didática dos conteúdos específicos. Tem como objetivos investigar a relevância do forró como cultura popular e estruturador da identidade de um povo, e propor a inserção do forró nos temas transversais do currículo escolar. Utilizando de pesquisa bibliográfica, este estudo tem início com a análise dos conceitos de cultura popular e hegemonia. Analisa também o processo de globalização e como as novas tecnologias da comunicação e do mercado, influenciam a adoção de padrões culturais por parte da escola pública diferentes dos padrões culturais dos seus alunos e alunas. O currículo é averiguado como espaço de resistência e que envolve a construção de significados e valores culturais. Entretanto, não é um estudo que vai de encontro ao diálogo cultural, multicultural, pois avalia o conceito de hibridismo vinculado à identidade e subjetividade dos alunos e alunas em constante contato com diversas culturas. Assim, esta pesquisa não parte de uma perspectiva ortodoxa, isolando as culturas, e sim de uma interação e integração cultural averiguando o forró como possível fortalecedor de uma identidade, para daí iniciar o processo de diálogo. Para que essa proposta seja efetivada, o forró e a cultura popular devem ser inseridos como temas transversais do currículo escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Cultura popular; forró; Hibridismo; Currículo escolar.
O FORRÓ, ELEMENTO ESTRUTURADOR DE IDENTIDADE
O forró existe nos terreiros dos povoados do interior, feito por trabalhadores que comemoram datas de colheitas ou religiosas, são músicos espontâneos, anônimos e que passam para os filhos a arte de tocar um acordeom, zabumba, pandeiro ou triangulo. Mas o forró também existe nas cidades, criado por músicos experientes e que conseguem registrar e mostrar seu trabalho em salões de festas, palcos de shows e em rádios e TVs, mesmo com o mercado fonográfico desfavorável para a música popular de origem tradicional, como o forró. Portanto o forró pode ser considerado como música popular por sua produção e criação elaborada e pode ser considerado como música folclórica pela originalidade e pela vinculação com o povo de um lugar, de uma cultura específica.
Em CASCUDO (2001, p. 406), a música popular é compreendida como os hinos, as marchas patrióticas, os cantos escolares e religiosos que o povo difunde. São peças artísticas, criadas de acordo com regras de harmonia, ortografia e sintaxe da boa música. O conceito de música popular confunde-se com o conceito de música folclórica. Na música folclórica existem peculiaridades ritmico-melódico-harmônicas e maneira típica de interpretar do artista, geralmente transcende o tempo em que foi criada, torna-se anônima e antiga passando de geração em geração até se tornar domínio público, como as cantigas de rodas e algumas canções religiosas. A música folclórica é criada espontaneamente, aceita coletivamente pelo povo, tem função relacionada com a vida do grupo. Por exemplo; as modas de viola, os aboios, os cantos e toques de várias danças e folguedos. Já a música popular é criada e registrada utilizando técnicas de composição e gravação, normalmente pensadas para um mercado de difusão que pode ser o rádio, a televisão, os comerciais. (CASCUDO, 2001, p. 405-407).
O forró é um gênero que aglutina ritmos, danças, hábitos, tradições, culinária, indumentária, religiosidade. O cultivo do milho, as procissões, a roupa dos cortadores de cana, um vocabulário próprio, e causos e contos incluídos em suas canções. O xote, o baião, o xaxado, a marcha junina, e o arrasta-pé, são ritmos que no Nordeste são resultados de diálogos com ritmos europeus como a polca, o schottisch, e a música do sul e sudeste da França, a música occitan, que tem em comum o acordeom como instrumento condutor. Tocado com sanfona, zabumba e triangulo, formação que ficou conhecida como o tradicional pé-de-serra, foi musicalmente ampliado por Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e outros compositores e intérpretes de uma nova geração.
O forró tocado em feiras públicas e terreiros, ganhou expansão no Brasil depois do surgimento do baião. Tem nomes gravados na história do gênero: Luiz Gonzaga, Januário, Jackson do Pandeiro, Elino Julião, Jacinto Silva, Dominguinhos, Trio Nordestino, Sivuca, Oswaldinho, Genival Lacerda, Marinês, Carmélia Alves, Zé Dantas, Onildo Almeida, Accioly Neto, Rosil Cavalcanti, Edgar Ferreira, Almira Castilho, Arlindo dos 8 baixos, Chiquinha Gonzaga, Duda da Passira, Genaro, Heleno dos 8 baixos, Zé Calixto, Luizinho Calixto entre tantos outros.
Os significados do forró. Dança, música e dimensão.
forró s.m. (1913) 1 DNc baile popular, em que se dança aos pares com música de origem nordestina; arrasta-pé 2 MÚS essa música, de gêneros variados (coco, baião, xote etc.) 3 B S.E. baile popular, em que se dança aos pares, com músicas de gêneros variados, esp. Sertanejas e ger. Ao som de sanfona. 4 p.ext. infrm. Festejo ruidoso; badalação, movimento ETIM red. de forrobodó SIN/VAR arrasta, arrastado, arrasta-pé, assustado, bachinche, bailarico, baile, baileco, bate-chinela, bate-coxa, bate-pé, biqueiro, bleforé, bochinche, bochincho, chinfrim, fobó, forrobodó, fuzo, gafieira, pagode, rala-bucho, samba, serra-osso, sorongo, sovacada, subacada, sumpes, surungo.
Bráulio Tavares, roteirista, escritor, poeta e compositor, amplia a compreensão sobre forró dividindo-o em três dimensões; Primeiro o forró em seu aspecto musical, é um gênero que reúne características melódicas , harmônicas e rítmicas na sua base, e é executado por uma instrumentação peculiar que lhe dá originalidade. Em segundo lugar o forró tem origem geográfica e social. Surgiu de um determinado povo ou de uma determinada fração do povo brasileiro. E em terceiro lugar, o forró tem um universo poético, o discurso poético que existe no forró é uma síntese entre as letras, os refrões, os estribilhos do folclore, a grande tradição poética do Nordeste que é a nossa literatura de cordel. (Anais VI Fórum de forró de Aracaju).
CASCUDO (2001) mostra o forró como música e dança surgida por volta da segunda metade do século XX, como resultado da migração de nordestinos para Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Era a presença da música e da dança a serviço das camadas mais humildes que se encontravam na periferia das grandes cidades. Geralmente eram trabalhadores rurais encaminhados à construção civil. Em São Paulo, o surgimento do forró oficialmente acontece em 1962 na Vila Carioca, com o sanfoneiro Pedro Sertanejo. O forró tem sua origem explicada também nos bailes que os gringos radicados no Nordeste do país realizavam for all, ou seja, para todos, sendo permitida a presença da população local. De for all para forró teria sido uma passagem natural. Essa origem é bastante questionada, pois tira a autenticidade da origem do forró de seu povo, de seus artistas populares. (CASCUDO, 2001, p. 250).
Outra versão sobre a origem do forró pode ser encontrada no Dicionário HOUAISS, dessa vez a partir do termo forrobodó:
CASCUDO (2001) mostra o forró como música e dança surgida por volta da segunda metade do século XX, como resultado da migração de nordestinos para Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Era a presença da música e da dança a serviço das camadas mais humildes que se encontravam na periferia das grandes cidades. Geralmente eram trabalhadores rurais encaminhados à construção civil. Em São Paulo, o surgimento do forró oficialmente acontece em 1962 na Vila Carioca, com o sanfoneiro Pedro Sertanejo. O forró tem sua origem explicada também nos bailes que os gringos radicados no Nordeste do país realizavam for all, ou seja, para todos, sendo permitida a presença da população local. De for all para forró teria sido uma passagem natural. Essa origem é bastante questionada, pois tira a autenticidade da origem do forró de seu povo, de seus artistas populares. (CASCUDO, 2001, p. 250).
Outra versão sobre a origem do forró pode ser encontrada no Dicionário HOUAISS, dessa vez a partir do termo forrobodó:
forrobodó s.m. (1899) B infrm 1 DNç baile popular arrasta-pé, festança 2 confusão, tumulto, balbúrdia; briga ETIM segundo Evanildo Bechara, var. Atual do galg. forbodó, termo privativo, mas comum a todo o Portugal, associando-o Joseph Piel a farbodão, do fr. faux-bourdon, figuradamente sensaboria, desentoação SIN/VAR ver sinonímia de forró.
Forrobodó. Essa versão da origem do forró, como uma reunião, uma festança, uma confusão, que geralmente resultava em briga (A briga é tema bastante presente nas letras das canções de vários compositores), encontra aceitação na maioria dos músicos, compositores e poetas vinculados com o forró, pois assegura que essa versão retrata o que eram e ainda são os bailes de forrós no interior do Nordeste e atualmente nos variados salões das cidades, confirmando sua autenticidade de uma música e dança originada de um povo específico, o povo Nordestino. Conforme CASCUDO (idem), o termo forrobodó: “Usa-se em Natal (RN), na imprensa, anterior a 1930, como sinônimo de baile popular, pagode, samba movimentado, entre o povo”.
O forró e o Nordeste. O Nordeste tem uma identidade própria versus o Nordeste estereotipado
O forró como música e dança surge no Nordeste, resultado da chegada do acordeom e das canções advindas da cultura européia. O Nordeste é uma região e um espaço de identidade de um povo, de uma particularidade que envolve valores, hábitos, culinária e música como elementos que estruturam uma cultura. O Nordeste é o terreno sobre o qual o forró foi plantado, tendo Luiz Gonzaga e o baião como protagonistas. No baião, Luiz Gonzaga traduziu a região Nordestina com sua geografia, sua política, sua culinária, sua religiosidade, seus valores e hábitos. Portanto o Nordeste é o cenário principal da obra de Luiz Gonzaga e do forró. ALBUQUERQUE JÚNIOR (1999), quando trata sobre a problemática do Nordeste estereotipado, comenta o sentido caricaturado que os meios de comunicação apresentam o Nordeste ao Brasil, quando mostram feiras livres, filmes, programas de TVs, cidades do interior, coronéis, heróis e bandidos do Sertão em tiroteios, procissões, expressões características da região, pessoas falando de forma postiça se passando por Nordestinos, crianças nuas brincando com ossos no terreiro, miséria, fome e seca. Diz o autor que “O que podemos encontrar de comum entre todos os discursos, vozes e imagens que acabamos de arrolar, é a estratégia de estereotipização”. (ALBUQUERUQE JÚNIOR, 1999, p. 20). O discurso da estereotipia é persistente, arrogante, que motiva a situação acrítica e resume em poucas palavras o outro. O grupo estranho, diferente, recebe uma caracterização grosseira e tem suas diferenças individuais suprimidas. (idem).
O autor não responsabiliza somente os meios de comunicação pela criação do estereótipo, mas atribui parte da responsabilidade aos próprios nordestinos pela reprodução desse discurso de “pobres coitados”. E para tentar superar esse discurso o autor propõe ir em busca das relações de poder e de saber, o que geram esse discurso, e que inventaram este Nordeste e estes Nordestinos. (idem, 1999, p.21). O forró é um gênero musical que trás em seus textos e situações vivenciadas e mostradas nas canções, os vários momentos que os valores, os hábitos, a geografia da região, a política e a identidade do lugar é reconhecida e traduzida em forma de música.
O rádio surgiu no momento que o discurso populista necessitava de um canal de comunicação com os migrantes. O rádio como veículo de comunicação de massas, é pensado como elemento de comunicação que produz um tipo de integração nacional, através do encurtamento das distâncias e capaz de divulgar e produzir uma cultura nacional. O rádio tem esteio das propagandas, do comercial, e tutelado pela censura foi utilizado para ser um canal das propostas e idéias políticas do populismo. É nesse ciclo histórico que o rádio além de falar do país, mostra sua diversidade cultural principalmente pela execução das músicas que representam essa diversidade migratória nas grandes cidades. (Idem, p.152).
Segundo ALBUQUERQUE JÚNIOR (1999), a sensibilidade dos nacionalistas aliado a uma estrutura de poder, investe em uma mudança de gosto, no qual as camadas populares, elites e classe média, recebem a sugestão de um novo conceito de belo a partir da produção nacional e popular. Uma música nacional, seria uma música rural, associada aos cânticos populares, e vista “como uma manifestação musical autêntica do pais”. É na década de 40, exatamente, que surge Luiz Gonzaga como o criador da “música nordestina”, tendo o baião como criação central. (ibidem, p. 153).
A música de Luiz Gonzaga foi dirigida aos migrantes nordestinos, bem como ao público das capitais que podiam comprar discos. O rádio foi fundamental para consolidar o forró, e a música de Luiz Gonzaga vai ser pensada como uma música que representa a identidade regional. A sonoridade específica do baião unida a uma série de ritmos e temas folclóricos oferece uma nova criação comercial. Vai existir no baião um hibridismo com outros elementos do samba carioca e outros ritmos urbanos que Gonzaga executava anteriormente. O baião atendeu à necessidade de substituir uma música para dançar que antes era estrangeira e assume um posto de música nacional. O baião canta o nacional, rompe com a aristocracia carioca e emerge nos salões sofisticados, utiliza o rádio como meio de propagação e o público são os migrantes nordestinos. (ibidem, p. 155).
O migrante nordestino em sua terra natal, se relacionava com a música de maneira prática, “muscular”, muito mais que “auditiva”, pois não estavam acostumados a parar para ouvir música. Eles faziam música e dançavam, como uma celebração. Tocar um instrumento como pandeiro, zabumba, acordeom, ou viola, era uma prática do povo que aos poucos foi se deixando abandonar pelo ritmo do trabalho e o contato com a sociedade urbano-industrial. Por isso que o ouvir rádio sugere uma mudança de hábito, uma nova educação musical e auditiva surgindo uma nova escuta social. “Trabalhar na fábrica com o seu ruído constante, que dificulta ouvir música, é um trauma para ouvidos acostumados a acompanhar o trabalho com no mínimo o assovio de um forró”. (ibidem, p.156).
Um corpo que cantava, dançava, tocava, praticava a música em um ambiente natural familiar ou de trabalho, passa a ser um corpo que escuta e obedece. (ibidem, p. 156). A música de Gonzaga promovia um laço de ligação entre a saudade do lugar que se deixou e um consolo de se sentir representado por um ícone que associava a indumentária, a linguagem, os gestos, e o imaginário do nordeste. Os textos cantados exaltavam as imagens, a geografia do Sertão, Zona da mata e Agreste. O forró levava os trabalhadores a lembrarem paisagens, hábitos e valores do seu antigo lugar. Gonzaga despertava atenção para os problemas da Região e afirmava um jeito local. A música de Gonzaga reúne elementos diversos que afirmam a identidade do lugar que os migrantes deixaram em busca de novos momentos de vida; “Nordeste de dor, que geme nas toadas, Nordeste da alegria que dança no forró, Nordeste sensual no esfregar-se dos corpos no xote”. (ibidem, p. 160).
Como nasceu o baião?
O baião foi criado por Luiz Gonzaga a partir do bordão das violas dos repentistas que preparavam o caminho para as glosas e improvisações, o que se chamava de “levada”, um andante que despertou a criatividade do sanfoneiro de Exú. Encontram-se no baião, elementos das cantigas dos cegos das feiras, tradições ibéricas, africanas, indígenas, literatura de cordel e dos tocadores de rabeca. Um universo que une o xaxado da pisada de Lampião e seu bando, à exaltação do Sertão. (Vieira, Sulamita, 2000, p. 26). O baião está inserido no gênero forró. Forró e baião se confundem e se fundem como música e dança. Na música de Luiz Gonzaga, em sua obra, está distribuída várias formas de ver e refletir as particularidades culturais de um povo e região. Por isso que:
O forró, o baião, o Nordeste, e a vida de Luiz Gonzaga, são conteúdos que trabalhados na escola pública que recebe os filhos e as filhas de migrantes, fortalecem a história desse povo e da região nordestina, como também inspiram o diálogo e a compreensão de outras culturas a partir do padrão cultural de origem desse povo, do povo nordestino. É necessário que a escola esteja atenta ao modo como os livros didáticos tratam os conteúdos escolares relacionados ao Nordeste, a cultura popular, às tradições, ao folclore, ao forró. E que utilize o currículo escolar como espaço de reflexão e de afirmação do jeito local, que discuta com os alunos e alunas e com a comunidade escolar, temas sobre valores, hábitos e sobre a criatividade do povo. Que reflita sobre a situação e sobre a história do povo nordestino, que tem no forró um dos elementos afirmadores de sua cultura.
O forró e o Nordeste. O Nordeste tem uma identidade própria versus o Nordeste estereotipado
O autor não responsabiliza somente os meios de comunicação pela criação do estereótipo, mas atribui parte da responsabilidade aos próprios nordestinos pela reprodução desse discurso de “pobres coitados”. E para tentar superar esse discurso o autor propõe ir em busca das relações de poder e de saber, o que geram esse discurso, e que inventaram este Nordeste e estes Nordestinos. (idem, 1999, p.21). O forró é um gênero musical que trás em seus textos e situações vivenciadas e mostradas nas canções, os vários momentos que os valores, os hábitos, a geografia da região, a política e a identidade do lugar é reconhecida e traduzida em forma de música.
A busca das verdadeiras raízes regionais, no campo da cultura, leva à necessidade de inventar uma tradição. Inventando tradições tenta-se estabelecer um equilíbrio entre a nova ordem e a anterior; busca-se conciliar a nova territorialidade com antigos territórios sociais existenciais. A manutenção de tradições é, na verdade, sua invenção para novos fins, ou seja, a garantia da perpetuação de privilégios e lugares sociais ameaçados. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 76)
Esta relação de poder foi criada quando o movimento migratório se intensificou como uma estratégia particular de um grupo social e sua busca de pertencimento à formas menos angustiantes de relação profissional. O sul passa a ser na década de 40 o suposto porto seguro para homens e mulheres pobres desgarrados de sua terra de origem. O movimento migratório oferece possibilidades para que a cultura desse povo advindo do Nordeste possa ser conhecida e utilizada como fator de comunicação entre os diversos grupos migrantes e os novos patrões, empreendedores, empresas e grupos empresariais, doadores de novas formas de emprego. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 152). Mas, como o forró foi divulgado? Como ficou conhecido?
O forró, o rádio e a música de Luiz Gonzaga. Nova forma de ouvir música.
Segundo ALBUQUERQUE JÚNIOR (1999), a sensibilidade dos nacionalistas aliado a uma estrutura de poder, investe em uma mudança de gosto, no qual as camadas populares, elites e classe média, recebem a sugestão de um novo conceito de belo a partir da produção nacional e popular. Uma música nacional, seria uma música rural, associada aos cânticos populares, e vista “como uma manifestação musical autêntica do pais”. É na década de 40, exatamente, que surge Luiz Gonzaga como o criador da “música nordestina”, tendo o baião como criação central. (ibidem, p. 153).
A música de Luiz Gonzaga foi dirigida aos migrantes nordestinos, bem como ao público das capitais que podiam comprar discos. O rádio foi fundamental para consolidar o forró, e a música de Luiz Gonzaga vai ser pensada como uma música que representa a identidade regional. A sonoridade específica do baião unida a uma série de ritmos e temas folclóricos oferece uma nova criação comercial. Vai existir no baião um hibridismo com outros elementos do samba carioca e outros ritmos urbanos que Gonzaga executava anteriormente. O baião atendeu à necessidade de substituir uma música para dançar que antes era estrangeira e assume um posto de música nacional. O baião canta o nacional, rompe com a aristocracia carioca e emerge nos salões sofisticados, utiliza o rádio como meio de propagação e o público são os migrantes nordestinos. (ibidem, p. 155).
O migrante nordestino em sua terra natal, se relacionava com a música de maneira prática, “muscular”, muito mais que “auditiva”, pois não estavam acostumados a parar para ouvir música. Eles faziam música e dançavam, como uma celebração. Tocar um instrumento como pandeiro, zabumba, acordeom, ou viola, era uma prática do povo que aos poucos foi se deixando abandonar pelo ritmo do trabalho e o contato com a sociedade urbano-industrial. Por isso que o ouvir rádio sugere uma mudança de hábito, uma nova educação musical e auditiva surgindo uma nova escuta social. “Trabalhar na fábrica com o seu ruído constante, que dificulta ouvir música, é um trauma para ouvidos acostumados a acompanhar o trabalho com no mínimo o assovio de um forró”. (ibidem, p.156).
Um corpo que cantava, dançava, tocava, praticava a música em um ambiente natural familiar ou de trabalho, passa a ser um corpo que escuta e obedece. (ibidem, p. 156). A música de Gonzaga promovia um laço de ligação entre a saudade do lugar que se deixou e um consolo de se sentir representado por um ícone que associava a indumentária, a linguagem, os gestos, e o imaginário do nordeste. Os textos cantados exaltavam as imagens, a geografia do Sertão, Zona da mata e Agreste. O forró levava os trabalhadores a lembrarem paisagens, hábitos e valores do seu antigo lugar. Gonzaga despertava atenção para os problemas da Região e afirmava um jeito local. A música de Gonzaga reúne elementos diversos que afirmam a identidade do lugar que os migrantes deixaram em busca de novos momentos de vida; “Nordeste de dor, que geme nas toadas, Nordeste da alegria que dança no forró, Nordeste sensual no esfregar-se dos corpos no xote”. (ibidem, p. 160).
Como nasceu o baião?
O baião foi criado por Luiz Gonzaga a partir do bordão das violas dos repentistas que preparavam o caminho para as glosas e improvisações, o que se chamava de “levada”, um andante que despertou a criatividade do sanfoneiro de Exú. Encontram-se no baião, elementos das cantigas dos cegos das feiras, tradições ibéricas, africanas, indígenas, literatura de cordel e dos tocadores de rabeca. Um universo que une o xaxado da pisada de Lampião e seu bando, à exaltação do Sertão. (Vieira, Sulamita, 2000, p. 26). O baião está inserido no gênero forró. Forró e baião se confundem e se fundem como música e dança. Na música de Luiz Gonzaga, em sua obra, está distribuída várias formas de ver e refletir as particularidades culturais de um povo e região. Por isso que:
Estudar a cultura implica, pois, um exercício cuidadoso de ordenamento, que possibilita compreender como se articulam supostas “universalidades” e “particularidades”. Assim, o estudo da música de Luiz Gonzaga, como produtora/reprodutora de representações, criando, ao mesmo tempo, uma nova linguagem, empurra para um mergulho no complexo espaço em que se encontram ou se cruzam dimensões do “local” e do “universal”; comparecem a pluralidade de classes e segmentos de classes, a história, o cotidiano dos atores sociais etc. (VIEIRA, 2000, p. 26-27).
Mesmo trabalhando sobre a tradição, Luiz Gonzaga era visto por artistas de uma nova geração, como artista pop, por ter criado algo, o baião, por ter projetado uma região. O pop nesse contexto é um conceito em pleno movimento, e Caetano Veloso, por exemplo, acreditava que Gonzaga estava em plena continuidade, em perpétuo movimento (DREYFUS, 1996, p. 254).
O forró, o baião, o Nordeste, e a vida de Luiz Gonzaga, são conteúdos que trabalhados na escola pública que recebe os filhos e as filhas de migrantes, fortalecem a história desse povo e da região nordestina, como também inspiram o diálogo e a compreensão de outras culturas a partir do padrão cultural de origem desse povo, do povo nordestino. É necessário que a escola esteja atenta ao modo como os livros didáticos tratam os conteúdos escolares relacionados ao Nordeste, a cultura popular, às tradições, ao folclore, ao forró. E que utilize o currículo escolar como espaço de reflexão e de afirmação do jeito local, que discuta com os alunos e alunas e com a comunidade escolar, temas sobre valores, hábitos e sobre a criatividade do povo. Que reflita sobre a situação e sobre a história do povo nordestino, que tem no forró um dos elementos afirmadores de sua cultura.
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