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segunda-feira, 21 de abril de 2014

MÚSICA, ÍDOLOS E PODER (DO VINIL AO DOWNLOAD) - PARTE 43



CAPÍTULO 43 

Era 1985. E desde 1970 o espetacular crescimento do mercado mundial da indústria fonográfica havia chamado a atenção dos grandes conglomerados da comunicação, que compraram todas as companhias independentes de discos que existiam no mundo, frequentemente pagando um valor equivalente a 15 anos do lucro estimado. Essa entropia atingiu em cheio a política das gravadoras, que, até então, contratavam artistas com base na personalidade, no carisma e na capacidade poética. 

Pouco a pouco, esses valores passaram a ser démodés. 

Até aquele momento, respeitava-se a premissa de que, para desenvolver um artista, se levaria pelo menos três anos: o primeiro disco era sempre considerado um teste de mercado, e perder dinheiro era uma contingência; com o segundo, ainda se perdia algum, porém muito menos; no terceiro, dava para recuperar as perdas; e, a partir do quarto disco, se poderia finalmente esperar ganhar dinheiro — e, às vezes, de fato, muito dinheiro. Durante esse período evolutivo, o público e o artista tinham tempo para desenvolver, simultaneamente, um relacionamento progressivamente íntimo e duradouro. Eu inclusive sempre tinha receio quando um artista fazia sucesso com seu primeiro disco; a cabeça dele geralmente enlouquecia e o segundo disco perigava ser um fracasso do qual não se recuperaria. 

A partir daquele momento, de repente ficou distante o sonho dos fundadores dessa indústria a que chamavam de “A indústria da felicidade humana”. Ficou longe a época em que as gravadoras eram dirigidas por quem gostava de música, sendo, ao mesmo tempo, bom administrador. Ficou longe a era da competição amigável e ética entre as companhias. De súbito, os conglomerados disseram “Fora com os líderes criativos e dentro com os tecnocratas”, sob o pretexto de que os contratos artísticos estavam se tornando demasiadamente complexos e custosos para deixar a direção dos negócios nas mãos de gente com paixão pela música. 

A primeira vítima dos tecnocratas foi a capa dos discos, que diminuiu de 30cm para 17cm no lançamento do CD; o impacto maléfico passou despercebido inicialmente. As ilustrações dos LPs, frequentemente sofisticadas, eram um prelúdio ao prazer de ouvir o disco, uma introdução gráfica ao mundo mágico do artista e a porta de entrada ao seu universo de música, poesia e sonhos. A capa do LP encantava o olhar. À capa do CD somente se deu um propósito: informar. Sacrificou-se o indispensável elemento do prazer lúdico em nome da maximização dos espaços nas prateleiras dos depósitos das gravadoras e das lojas de discos (mais produtos em menos espaço), além de reduzir os custos de fabricação. 

Os tecnocratas eram somente tecnocratas. Quanto melhores fossem no exercício dessa natureza, mais abismal sua distância com relação ao artista. Da mesma maneira, o artista olhava com estranheza aquele ser — o tecnocrata —, e não encontrava condições de diálogo. Entre a morosidade do processo de formação do artista e a incapacidade de comunicação entre ele e os tecnocratas, a equação da lucratividade estava definitivamente desarticulada. Pouco a pouco, aos olhos da maioria dos tecnocratas, os artistas viraram inimigos, considerados pouco confiáveis, pouco sérios e sem o menor senso de responsabilidade. 

Podia-se ouvir nos corredores: 

— Esse negócio de discos seria muito bom se não se tivesse que lidar com esta raça: o artista… 

Até então, e com algumas exceções, a indústria trabalhava a imagem do artista, e o público chegava à loja pedindo “o LP da Bethânia , do Gil , da Elis ou do Bob Dylan ”. E as estações de rádio tocavam indistintamente as músicas que mais agradavam aos diretores de programação. Cada vez ficava mais premonitória a longa e emocionada carta que o meu tão querido amigo Fito Paez me enviara tempos antes, e que finalizava mais ou menos assim: “Cuidado… A música inventou o negócio do disco… André, não deixe o negócio do disco matar a música!” 

Os conglomerados estavam em Wall Street, e Wall Street queria lucros instantâneos. Os conglomerados queriam também recuperar os investimentos de imediato, e os lucros se tornaram o único elemento de importância. Surgiu, então, o que parecia ser a fórmula coringa redentora da cilada em que se encontrava a indústria: a canção passou a ser o astro principal, não mais o artista. Essa sim podia fazer sucesso imediatamente. Essa hipótese se concretizou alguns anos mais tarde e teve origem lá no outro lado do mundo: na Austrália. 

Uma estação de TV, associada a uma gravadora local, lançou um concurso semanal, em horário nobre, com a proposta de descobrir três meninas lindas e três rapazes bonitões para formar um grupo pop. Os seis vencedores aprenderam a dançar, a se vestir e, finalmente, a cantar... Canções foram escritas especialmente para eles. Melodias fáceis de cantar e de lembrar, com letras suficientemente melosas. Após meses de ensaio, o grupo foi para o estúdio, videoclipes sexy foram filmados, histórias foram publicadas por toda a Austrália e o álbum promovido na TV se transformou em um sucesso estrondoso. A TV inglesa foi a primeira a adotar esse novo fenômeno. Comprou dos australianos a franquia do projeto e o sucesso se repetiu. A gravadora lançou no mercado as Spice Girls e muitos outros grupos que não tiveram a mesma sorte. 

O que parecia ser uma solução passou a ser o início da decadência: a canção de sucesso é imprevisível por natureza — pois a vida de um hit é efêmera, mas a vida do artista, não. Trabalhar a música em vez do artista operou mundialmente profundas mudanças no comportamento da indústria fonográfica e a obrigou a introduzir profundas transformações na maneira de adequar as técnicas de marketing. Quando a música se tornou o fator preponderante, e não mais o artista, o público passou a adotar uma nova postura: “Por que comprar o CD se eu gosto somente de uma música? Vou esperar tocar outra música no rádio e, se gostar, decido...” Portanto, para convencer o público, a indústria se defrontou com a necessidade de estourar no rádio uma primeira música, uma segunda e, às vezes, uma terceira, até o público comprar o CD. A canção, e não mais o disco inteiro, tinha que ter começo, meio e fim, e se transformar num “jingle da vida” durante os três minutos de sua existência... Todas as estações de rádio foram obrigadas a tocar a mesma música,“a música de trabalho”, e o preço do jabá foi à estratosfera. 

A primeira vez que ouvi falar no que mais tarde seria chamado “jabá” foi aos 14 anos de idade, na mesa de jantar em Cabourg, quando um tio materno, de índole cigana, amante de ópera e dotado de uma voz privilegiada, contava ter dado a volta pela França na juventude, cantando nas ruas, de cidade em cidade, passando o chapéu para sobreviver. 

Contou meu tio que Marselha era uma praça muito exigente em matéria de música lírica, cujo público era fanático e feroz, muitos lendo as partituras para acompanhar os eventuais erros dos solistas. As óperas eram estreadas no teatro municipal pelos cantores que se apresentariam posteriormente no Scala de Milão e no teatro Ópera de Paris. Era um tipo de Off Broadway de hoje. 

Quem fazia sucesso em Marselha seguia para Milão e para Paris. Quem recebia tomates e ovos ficava por ali mesmo. 

Para influenciar o público e assegurar o sucesso dos seus artistas, os empresários compravam entradas em grande quantidade e as distribuíam entre jovens pobres e apaixonados pela ópera, sob a condição de aplaudir freneticamente seus contratados. Deve-se dizer também que outros empresários faziam a mesma manobra para vaiar esses mesmos artistas, a fim de conseguir sua substituição e encaixar seus protegidos. A gente pode imaginar a confusão que reinava, entre as vaias, os tomates, os ovos, os aplausos e os gritos! Era a famosa claque, comprada para influenciar o resultado. 

Na década de 1960, em sua versão moderna, era prática rotineira da indústria fonográfica norte-americana contratar promotores de rádio independentes para promover seus projetos prioritários, no início oferecendo aos diretores de programação inocentes viagens para Las Vegas ou Orlando. À medida que a concorrência crescia, prostitutas ou drogas. E, finalmente, só dinheiro. E cada vez mais. 

Quando a máfia descobriu que os valores pagos pela indústria chegavam aos US$300 mil para promover a execução nas rádios de uma música escolhida, se infiltrou no meio dos promotores independentes, expulsou os rebeldes e organizou rapidamente, com gente de sua confiança, a Network, que veio a dominar as rádios mais importantes do país, que passaram a tocar exclusivamente as músicas que esse sindicato indicava. A máfia também se infiltrou nos departamentos de promoção de rádio da indústria, chegando a desafiar diretamente os presidentes das gravadoras que se recusavam a aceitar suas imposições. 

Dick Asher, presidente da CBS Records (atualmente conhecida como Sony), que passava por um período de grandes sucessos, decidiu enfrentar a Network com o mais recente lançamento do Pink Floyd: The Wall. O grupo estava no auge da carreira e nunca tinha dependido da execução de suas músicas nas rádios para encher os estádios com trinta ou quarenta mil pessoas. The Wall já tinha vendido, nos primeiros dias de lançamento, dois milhões de cópias. E o single subia espontaneamente no rádio, até chegar, na terceira semana, ao 27º lugar no ranking das paradas de sucesso, indicando que poderia chegar rapidamente ao 1º lugar. Ao saber que o Dick tinha instruído os colaboradores a não pagar para a execução da música do Pink Floyd , o pessoal da máfia solicitou um encontro com ele. Diante de sua recusa em recebê-los, a máfia deixou o seguinte recado: a música passaria, na semana seguinte, para a 10ª colocação, na outra cairia para a 50ª, na outra semana, para a 94ª, até desaparecer para sempre, apesar da demanda do público. Sob os olhares de toda a indústria, atenta ao desenrolar desse confronto, o trajeto da música seguiu o caminho traçado pela máfia. E as gravadoras constataram que não somente a Network podia criar o sucesso, mas também impedi-lo. O Dick acabou pagando, e a música subiu imediatamente para o 1º lugar.

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