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segunda-feira, 21 de abril de 2014

50 ANOS SEM ANGELINO DE OLIVEIRA

Por Sandra Cristina Peripato



"Cumprimentar e saudar o autor de "Tristezas do Jeca", música que nossa gente consagrou como sua música pelo resto dos tempos, é sempre um prazer grande e honroso. Esse prazer se torna muito maior e muito mais significativo neste momento, quando nos cabe a honra de comunicar ao grande compositor paulista, que mais uma vez sua inspiração e seu talento merecem do povo de sua terra mais uma forma expressiva de aplauso e consagração. É que depois de demorada e minuciosa investigação, que abrangeu os mais variados setores da opinião pública, a Organização Victor Costa veio a escolher essa linda melodia para prefixo musical de suas emissoras de rádio e televisão. Assim, dentro de poucos dias, antes de todos os programas da Rádio Nacional de São Paulo, da Rádio Excelsior de São Paulo, da Rádio Clube de Santos e da TV Paulista Canal 5, estará no ar a assinatura musical em questão, em arranjo delicado e bonito. Essa presença de "Tristezas do Jeca" nos céus do Brasil será uma homenagem permanente ao artista privilegiado que criou um momento de rara beleza, hoje transformado por todos na página musical mais representativa de São Paulo e dos Paulistas. Será a invocação constante e merecida de um artista que soube transmitir com sensibilidade e poesia toda a ternura que sentia por sua terra e sua gente.

Publicada na Folha de Botucatu em 11/11/1959, e também nas páginas 37 e 38 do livro "Eu Nasci Naquela Serra" de Paulo Freire, a citação acima foi uma carta que Angelino de Oliveira recebeu das Organizações Víctor Costa de Rádio e TV de São Paulo e do Rio de Janeiro. A Folha de Botucatu só publicou a carta depois de muita insistência do Delegado Agnelo Audi e do repórter Jayme Contessote que convenceram Angelino a mostrar publicamente a referida carta. 

Angelino de Oliveira nasceu em Itaporanga, interior de São Paulo em 21de abril de 1888, mas aos seis anos, ele se mudou juntamente com seus pais para a cidade dos Botucatu, portanto era botucatuense de coração.

Após concluir o Curso de Odontologia e ter sido bem sucedido como escrivão de polícia em Ribeirão Preto/SP, a saudade apertou e ele retornou com a esposa e os filhos para Botucatu, largando um emprego estável para se aventurar. 

Em BotucatuP foi proprietário da loja "A Musical" que vendia instrumentos musicais, partituras e demais acessórios. Foi também Diretor Artístico da Rádio Municipalista de Botucatu. Estudou violão, violino e trombone (tendo integrado a Banda de Música São Benedito em Botucatu), mas seu instrumento predileto foi o violão, o qual Angelino também tocou em duo com o guitarrista José Maria Peres (o Duo "Vi-Gui" que queria dizer "Violão e Guitarra") e, posteriormente esse duo se transformou no Trio "Vi-Gui-Pi" já que Luiz Cardoso, ex-padre e pianista passou a integrar o conjunto.


Angelino conheceu José Maria Peres no distrito de Capão Bonito (hoje, Rubião Júnior, onde fica o Museu do Boiadeiro Moacir Fabiano) em 1908 numa festa em louvor a Santo Antônio na Igreja em forma de castelo no alto do morro. José Maria Peres, filho de espanhóis, e nascido em São Manuel/SP e dois anos mais novo, foi o parceiro que teve mais afinidade musical com Angelino e juntos os dois tocaram por quase 60 anos. 

A mais célebre composição de Angelino, foi a toada "Tristezas do Jeca", o verdadeiro "Hino do Caipira", a qual foi composta em 1918, editada 1922 e gravada pela primeira vez, só que na forma instrumental, em 1925. A primeira gravação cantada foi em 1926 na voz de Patrício Teixeira. Mas a primeira gravação que realmente tornou célebre "Tristezas do Jeca" ficou a cargo do cantor Paraguassu (Roque Ricciardi nascido em 25/05/1894 e falecido em 05/01/1976) em 1937 pela Gravadora Colúmbia. 



"Tristezas do Jeca" também foi gravada por grandes duplas como Tonico e Tinoco, Inezita Barroso, Pena Branca e Xavantinho, Sérgio Reis, Passoca, Zico e Zéca, Irmãs Galvão e entre outros. Esta composição atravessou fronteiras e serviu muitas vezes como fundo musical ao se falar sobre o Brasil no exterior. Mazzaroppi também empregou "Tristezas do Jeca" no filme homônimo em 1961, ocasião na qual chegou a ter uma pequena desavença com Angelino quanto aos direitos autorais, mas que foi rapidamente resolvida num encontro entre Mazzaropi e Angelino de Oliveira. 

Também foi um espetáculo inesquecível a estréia da toada "Tristezas do Jeca", a qual se deu no Clube 24 de Maio em Botucatu em 1918. Marília Banducci e Aurélia Gouveia cantaram a belíssima melodia acompanhadas pelo próprio Angelino no violão. Após um curto silêncio que sucedeu o último acorde, iniciou-se um aplauso que, de início tímido, prolongou-se, seguido então de pedidos de bis e, segundo depoimentos, a música foi apresentada cinco vezes naquela noite. E, Ariowaldo Pires, o Capitão Furtado, que na época tinha 11 anos de idade, presenciou esse momento maravilhoso, pois seu pai era zelador do Clube 24 de Maio em Botucatu. 

Curiosamente, "Tristezas do Jeca" não era a preferida de Angelino de Oliveira. Ele mesmo se espantava com o sucesso de sua composição. Inclusive ele às vezes se esquecia de parte da letra quando as pessoas insistiam para que ele a tocasse, principalmente no Colosso, que era o bar preferido onde Angelino gostava de seus encontros musicais com os diversos amigos, tendo sempre presente o José Maria Peres. "Tristezas do Jeca" chegou a ser utilizada como prefixo pela BBC de Londres quando a mesma iniciava suas transmissões para o Brasil. 

O sucesso de "Tristezas do Jeca" em interpretações consagradas como as de Tonico e Tinoco e Inezita Barroso nos faz classificar Angelino de Oliveira como um compositor de música caipira, o que não é verdade, pois Angelino também compôs muitas serestas e canções. 

Quanto à música caipira, na época, o progresso da mesma já intrigava Angelino de Oliveira que implicava com os rumos que ela vinha tomando, principalmente quando se tratava dos dramas sertanejos que já faziam sucesso. Dizia Angelino: "Gozada a moda desses caipiras, só fala em desgraça. O pequenininho tá chorando, a mãe vem e derrama um caldeirão de água quente na criança, aí o marido chega em casa, mata tudo e depois se suicida... é desgraça multiplicada por dez! Ah, larga a mão, parece que a música pra ser boa tem que ter desgraça dobrada!?" 

Tudo isso, antes do início da década de 60. 

Para quem não conhecia Angelino, ele dava a impressão de ser bravo e mal-humorado. Sempre com a cara séria, óculos de lentes grossas e realmente não ria muito. Mas, para os amigos, era muito diferente: fala mansa, humor fino, irônico... E, quem gostava de Angelino era o proprietário do Colosso. No auge da empolgação, sempre punha mais uma cerveja na mesa de Angelino e seus amigos. Também pudera, Angelino tornava interessante, alegre, movimentado e atraía mais clientela para o seu bar preferido. Aliás o autor de "Tristezas do Jeca" era realmente uma celebridade em Botucatu, e sempre dava prestígio aos locais que frequentava. 

Também tinha a fama de boêmio. Para Angelino, ser boêmio não era necessariamente estar bêbado (e ele sabia beber, sem dar vexame), mas sim, amar a noite e a boa música, fosse na mesa do bar, na própria casa, ou até mesmo na beira de um rio. 

E, dessa forma, com os filhos crescidos e encaminhados, Angelino se mantinha com o que ganhava de direitos autorais, vivia modestamente, no entanto, vivia do jeito que gostava de viver; morava na capital paulista, mas sempre ia passar alguns dias em Botucatu, ao lado dos grandes amigos e sempre dedicado à sua arte musical. Novas composições afloravam praticamente a qualquer hora e em qualquer lugar. 

Angelino parecia não ligar para as coisas mundanas, vivendo intimamente com suas próprias leis. Acendia seu cigarro, esquecia de comer, bebia uma pinguinha. 

Era incrível como a música fluía naqueles encontros, sendo que não existia ali um único músico profissional. Tinha professor, gerente de banco, médico, desenhista e diversos aposentados. Moravam todos em botucatu, exceto o Zé Maria Peres, que morava em São Manuel. Além de José Maria, Gastão Dal Farra, Jurandir Trench, Zezinho e Zorico Nascimento (dupla que chegou a apresentar o programa de auditório "A Alma do Sertão" na Rádio Emissora de Botucatu), Toninho Ramos, Reinaldo Piozzi, Trajano Pupo, Roberto Policaro, Otacílio Paganini, La Corte, Aleixo Del Manto e outros mais.

Bastante lúcido e demonstrando grande conhecimento da cultura caipira raiz, Zezinho Nascimento é o único dos companheiros daqueles encontros com Angelino de Oliveira que continua vivo nos dias atuais. 

Um pouquinho daquelas maravilhas musicais até chegou a ser gravado, no entanto, os antigos gravadores eram realmente bastante precários e as fitas hoje são praticamente inaudíveis. Muito da produção de Angelino está apenas na memória de alguns amigos. As músicas instrumentais, então, praticamente todas se perderam, já que com o falecimento do leal amigo José Maria Peres, não existia mais ninguém que as soubesse tocar, já que também não foram escritas em partituras. 

A saúde de Angelino realmente não estava nada boa e, com 75 anos incompletos, foi internado algumas vezes em Botucatu, acabou por ser internado em São Paulo. Em 24 de abril de 1964, o último suspiro... Seu corpo foi transladado para o Cemitério Portal das Cruzes em sua tão querida Botucatu, cidade que, apesar de não ter sido sua terra natal, foi amada por Angelino como sendo seu verdadeiro pedaço de chão querido. 

"Angelino de Oliveira: Ele foi o cantor de nossa terra e de nossa gente" - Foi a inscrição deixada no busto construído em sua homenagem na Praça do Bosque e, Botucatu.

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