De talento congênito, Emerson Leal vem mostrando o porquê vem recebendo elogios de alguns dos mais conceituados nomes da música brasileira
Por Bruno Negromonte
Há quem afirme que a música brasileira ande em baixa. Esse tipo de afirmação talvez venha a ser dado por aqueles que não conseguem enxergar um palmo a frente do nariz, visto que o atual cenário musical brasileiro é detentor de talentos natos nas mais distintas regiões do país. Nomes como Emerson Leal e o consistente trabalho que vem apresentando é a prova documental disto. Natural de Salvador, mas radicado a um certo tempo no Rio de Janeiro, Leal vem conquistando o respeito não apenas do público, mas também de nomes como Chico Buarque, um dos seus grandes ídolos e fonte de inspiração para a arte que produz, como foi possível ORIGINAL E VERSÁTIL, EMERSON LEAL TRAZ EM CD HOMÔNIMO UM PROFÍCUO CAMINHO PARA O FUTURO DA MPB. Hoje seu nome volta a figurar em nosso espaço através desta entrevista exclusiva concedida gentilmente por este artista completo. Em fase de pré-produção do seu novo projeto, Emerson conta-nos como deram-se seus primeiros contatos com a música, o modo intuitivo como compõe, seu contato com nomes Tom Zé e Luiz Tatit e como chegou aos seus ouvidos o elogio do seu grande ídolo, Chico Buarque. Vale a pena conferir! Boa leitura!
Como a música entrou em sua vida? Há músicos em sua família?
EM - Desde que me entendo por gente o que mais me interessa é a música. Ou, mais especificamente, a canção. Todas as coisas que fossem relacionadas à canção sempre me interessavam muito. Eu sempre brinquei de cantar, de “inventar” canções, também. O meu pai tocava – toca – violão e canta muito bem, mas acabou não seguindo carreira profissional na música. Foi num antigo violão que ele tinha em casa que comecei a tocar, aos nove anos de idade. Minha mãe também cantava super afinado e vez ou outra compunha algumas cantigas. Além disso, os irmãos do meu pai também gostam de tocar violão; os tios da minha mãe, em tempos idos, também tocavam e faziam sambas e serestas nos quintais de suas casas, etc. Enfim, esse costume é um traço forte da nossa microcultura familiar.
Você tem demostrado ser um grande instrumentista e melodista. Você teve a oportunidade de desenvolver essa sua habilidade teoricamente ou tudo se deu apenas a partir de sua vivência com o instrumento?
EM - A criação de melodias e harmonias (e até arranjos) é, no meu caso, bastante intuitiva. É um trabalho do inconsciente. E é sempre baseada em tudo o que eu já ouvi, claro, no que eu sinto, no que me toca mais. No mais, tudo o que sei, comecei a aprender ouvindo e tentando reproduzir no instrumento; isso foi sempre o principal desafio, um grande barato. E fui me desenvolvendo na prática, mesmo. Tanto que nunca me interessei em tomar aulas de música ou de violão. Só fui aprender o básico da notação musical na adolescência, quando um amigo me emprestou uma revista que tratava desse assunto. Hoje escrevo bem uma partitura mas, por exemplo, se for para aprender a tocar uma canção ou peça qualquer, prefiro ouvi-la do que lê-la. Aprendo bem mais rapidamente assim. Não tenho nenhuma prática de leitura à primeira vista, por exemplo.
O período em que você esteve em Salvador você esteve à frente da banda Oda Mae Brown, na qual além de ser um dos fundadores, tocava guitarra, cantava e compunha. Qual foi a hora em que você percebeu que já estava na hora de estender seus horizontes e resolveu partir para o Rio de Janeiro?
EM - A Oda Mae Brown era na verdade a nossa grande farra, que durou de 2002 a 2006. Apesar de minha formação musical estar mais ligada à canção brasileira, nós fazíamos blues. Claro que fazíamos o nosso blues, com nossas letras-comédias, em Português – e com harmonias diferenciadas, também. Quando estávamos ficando mais conhecidos e já próximos da gravação do primeiro disco, os membros acabaram saindo por motivos diversos e o sentido daquilo tudo foi deixando de existir. E nesse meio tempo eu conheci o Rio e me apaixonei pela cidade. Senti que havia um clima musical mais consistente, mais vigoroso por aqui naquele momento e decidi que um dia teria que vir para cá. Seria também uma guinada na minha própria vida, algo fundamental (hoje eu sei) para um artista. Em 2008 fiz as malas e vim.
Como foi a receptividade ao seu trabalho no Rio de Janeiro logo após sua chegada? Quais as maiores adversidades existentes até você se firmar como cantor e compositor?
EM - Bela pergunta. Bom, um grande adversário na minha vida sempre fui eu mesmo: eu e a minha autocrítica impiedosa, eu e as minhas dúvidas quanto à relevância do que eu fazia, eu e a minha timidez crônica, enfim. Na medida em que eu avanço um pouco mais na luta contra tudo isso, as coisas se clareiam. Hoje, olhando para trás, vejo que o meu trabalho sempre foi bem recebido, afinal de contas. Fora isso, as adversidades são as mesmas que qualquer artista de música brasileira independente que deu o pontapé inicial nesse início dos anos 10 e que vive nas capitais enfrenta: a impossibilidade de se fazer realmente visível sem grandes e caras promoções publicitárias; a escassez de produtores culturais e, atualmente, a situação econômica da classe média consumidora de cultura no país: quem passa subitamente a gastar muito para “apenas” morar, vai consumir menos cultura, claro. Além disso, há um problema grave que é a inferiorização do Brasil e da sua cultura pelo próprio brasileiro e, ao lado disso, um desinteresse de boa parte do público por coisas novas.
Como você recebeu a notícia sobre o comentário do Chico Buarque e que impacto essa declaração causou em sua carreira?
EM - Foi uma surpresa incrível. Jamais imaginei que ele estivesse vendo aqueles meus vídeos caseiros. E ele falar o que falou daquela forma, tão abertamente e sinceramente, foi sensacional, mesmo. E o detalhe é que não vi ao vivo, só recebi dezenas de e-mails ao mesmo tempo, mensagens, telefonemas: “Você viu? Você viu? O Chico falou de você! (risos)”. Nessa época, meados de 2011, eu estava começando a gravar o disco, mas estava bem “travado”, mesmo. Muitas pessoas que viam esses vídeos falavam “toca suas músicas”, ou “você tem CD?” e isso me estimulava. Daí rolou esse episódio do Chico e eu pensei “bom, se não for agora, não é nunca mais”.
Você é um dos responsáveis pelo Book Song do Tom Zé não é? Como surgiu a ideia e a possibilidade de executar esse projeto? A sua parceria com ele surgiu a partir dessa oportunidade?
EM - Eu mergulhei pra valer na obra de Tom Zé em 2008, logo depois que cheguei no Rio. Conheci praticamente tudo, aprendi a tocar muita coisa. Num determinado momento, me toquei que poderia fazer algo com esse conhecimento; contribuir de alguma forma por ter essa bagagem. Nós já trocávamos algumas ideias através do seu blog (tomze.blog.uol.com.br), e num determinado momento lhe mandei um e-mail dizendo que eu tinha interesse em produzir um songbook seu, já que não havia uma publicação como esta sobre a sua obra. E seria um songbook diferente; com um trabalho gráfico interessante, com comentários do próprio autor sobre as canções, entre outras novidades. Ele topou e comecei a trabalhar. Convidei a Vânia Medeiros para cuidar do design gráfico, que ficou primoroso e super original; convidei a Tatiana Lima, jornalista soteropolitana, biógrafa de Tom Zé e nossa amiga em comum para escrever o texto biográfico – e convidei o Luiz Tatit, esse outro grande gênio brasileiro, para escrever o prefácio. A edição é da Multifoco, editora aqui do Rio, que lançou o livro no segundo semestre do ano passado. Então, o contato passou a existir, tanto com o Tom Zé quanto com o Luiz Tatit, por causa deste trabalho. Quando eu decidi finalmente fazer o CD, em meio a isso tudo, naturalmente os convidei para selarmos nossas parcerias de composição, também. E isso foi um mais presente incrível; os dois são patrimônio desse país. São gênios, ídolos.
Seu álbum conta com duas participações especiais. Uma é da cantora Ariella e a outra de Verônica Ferriani. Desde a concepção do projeto já havia a ideia dessas participações desses nomes ou eles vieram posteriormente? Como se deram os convites?
EM - “Me love me”, a canção que traz a participação da Verônica Ferriani, é música minha construída a partir de uma letra do Fernando Salem, esse outro compositor fera de São Paulo. Enquanto eu estava trabalhando no arranjo da canção, achei que ela diria bem mais se eu unisse uma voz feminina à minha. A Verônica é uma das grandes cantoras do Brasil entre tantas surgidas nos últimos anos e que agora, com seu segundo disco, acaba de se revelar uma excelente compositora. Ela, o Salem e eu havíamos trabalhado juntos em algumas oportunidades em São Paulo. Então, como já existia essa sinergia, não deu outra: a canção na verdade estava esperando pela Verônica, eu apenas a comuniquei disso (risos)! E em “No Japão”, a decisão foi mais ou menos parecida, só que veio depois. Também quis uma outra voz, feminina, pra dialogar comigo, pois a melodia se repete bastante e a letra do Oto Paim é uma obra-prima; também merecia ser sublinhada por mais uma voz poderosa. Convidei a Ariella porque fiquei impressionado com ela. Nunca tínhamos trabalhado juntos, somente feito um som sem compromisso; eu, ela e a turma dos Ilhonas, de Taubaté. Achei que ela entraria muito bem nessa canção e confirmei essa impressão. Acredito muito na Ariella, que está gravando seu primeiro CD solo neste momento, para o qual, especialmente, compus uma música nova. Ela tem muita força.
Essa sua participação nas diversas etapas da concepção do álbum permite que você o molde da maneira como você de fato deseja, no entanto isso gera uma demanda de responsabilidade aquém do habitual. Apesar de todo o trabalho que deduzo ter havido o resultado saiu conforme o que você desejava?
EM - De fato é um trabalho intenso, contínuo, vocêc dorme e acorda pensando só nas coisas que estão dentro desse processo: em acordes e versos, em timbres e texturas, em plugins e equipamentos, em autorizações e cartórios, em divulgação e formação de público. Tudo ao mesmo tempo. Aprendi a fazer várias dessas coisas só na hora de fazer (ainda estou aprendendo). No final das contas, o disco ficou realmente melhor do que eu esperava, quando comecei. E depois, com a boa recepção que ele tem tido, só tenho o que comemorar.
Você tem pretensões para lançar este ano seu novo projeto não é isso? O que você poderia nos adiantar a respeito?
EM - Está bem informado (risos)! A gente começou a pré-produção agora em fevereiro; começamos a trabalhar nas primeiras músicas justamente agora. Não tenho certeza se sairá este ano, talvez saia em 2015. O que posso adiantar é que dessa vez vou ter a alegria de trazer um grande time comigo, trabalhando nos arranjos, nos instrumentos. Não vou mais sair tocando tudo, como da outra vez. Os meninos da banda que me acompanha estarão presentes, além de outros craques da nova geração de músicos cariocas, também. O que posso dizer é que vem mais coisa bonita por aí. Aguardem!
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