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terça-feira, 23 de julho de 2013

“LUGAR DE JUMENTO É NO BRASIL”, DISSE O POETA OTACÍLIO BATISTA

Por Abílio Neto

A visita ao Brasil do simpático Papa Francisco, me levou a escrever o texto abaixo. Deveria tê-lo escrito por ocasião do centenário do Rei do Baião, porém não tive tempo. Então, acho até que agora é mais oportuno.

Em 1982, mais precisamente, a 4 de fevereiro daquele ano, os jornais de todo o Brasil noticiavam o fim da greve de fome de Damião do Jegue. Pois é, o funcionário público Damião Galdino da Silva suspendeu a greve de fome que fazia em protesto contra o não envio a Roma do jumento Jericar, um presente que ele deu ao papa João Paulo II, quando da sua visita à Brasília dois anos antes, em 1980. Damião até acorrentou-se na Torre de TV do Distrito Federal. A greve somente acabou depois de a CNBB prometer mandar Jericar ao Vaticano.

Na madrugada de 28/07/2006, em João Pessoa/PB, foi assassinado com três tiros de revólver, aquele que tinha se tornado o legendário “Damião do Jegue”, mundialmente famoso pelo inusitado presente oferecido ao Papa João Paulo II. As pessoas pensam que Damião era um maluco qualquer. Não era! Quem assevera isso é o amigo maranhense Raimundo Floriano, nobre escritor, músico, colecionador, pesquisador e agitador cultural, residente em Brasília faz muito tempo. Leiam o que ele escreveu no Jornal da Besta Fubana:

“Damião Galdino da Silva, o Damião do Jegue, foi o mais popular almocreve do Parlamento. Também funcionário da Câmara Alta, Damião nasceu no município paraibano de Espírito Santo. Em 1962, como soldado do Exército Brasileiro, integrou o Batalhão Suez e, no Oriente Médio, recebeu condecoração da ONU. De volta ao Brasil, reingressou na vida paisana e foi admitido no Senado como Motorista. Em Brasília, equipou um jumento com faróis, sinaleiras, pisca-pisca, buzina, freios, velocímetro, bateria e outros acessórios. A esse veículo, deu o nome de Jericar. Bastou dar uma circulada na Praça dos Três Poderes com sua invenção, para ter, no dia seguinte, o nome e as fotos, dele e do jegue, publicados nos maiores jornais de todo o mundo. 

Simpatizei com Damião do Jegue na primeira vez em que o vi, por um motivo pra lá de especial: sabia ele todo o repertório de forrós, sambas, marchinhas e frevos compostos ou interpretados por Jackson do Pandeiro, o Rei do Ritmo. Sendo eu um jacksoniano juramentado, ouvi-o por mais de hora. Cantou muitas músicas que eu não conhecia e me ensinou a letra completa de várias outras. Em 1980, Damião resolveu doar o Jericar ao Papa João Paulo II, quando de sua visita ao Brasil. Criou-se, aí, um problema diplomático, e o Itamaraty não sabia como proceder para entregar o presente ao Santo Padre em Roma. A CNBB ficou de estudar o assunto. Em 1982, depois de tanta espera, Damião iniciou uma série de atos de protesto. Subiu a rampa do Palácio do Planalto com o Jericar, acorrentou-se à Torre de TV, escalou o mastro da Bandeira Nacional e ameaçou suicidar-se, fez greve de fome, tudo isso sob o pretexto de conseguir mais atenção para o sofrido povo nordestino. Mais tarde, chegou a se candidatar a um cargo eletivo, obtendo votação inexpressiva. Era um agitador cultural, um cara criativo, um sonhador. Pena que tenhamos sido prematuramente privados de seu convívio!”

Agora falo eu: Damião do Jegue acabou sendo citado numa música gravada pelo Rei do Baião, “O Papa e o Jegue”, com versos do ilustre poeta pernambucano Otacílio Batista, musicados por Luiz Gonzaga. A música foi lançada em 1983 e faz uma crítica social de lascar o cano. Sem contar que, ao final, o poeta registrou que com a abertura do então presidente da República, o general Figueiredo, o lugar de jumento era mesmo no Brasil. Durma com um barulho desse! É uma crítica muito bem humorada que conta com este refrão: “Quer queira ou quer não/ O jumento é nosso irmão”. É em homenagem ao padre Antonio Vieira que compôs em parceria com Luiz Gonzaga a famosa música “Apologia ao Jumento”. 

Não sei explicar o motivo pelo qual “O Papa e o Jegue” não fez tanto sucesso quanto deveria. Lembro que as emissoras de rádio já não divulgavam tanto o produto caracteristicamente cultural. Essa doença vem desde a década de oitenta na qual a música foi gravada.


O Papa e o Jegue (Otacílio Batista e Luiz Gonzaga)


O jumento é o símbolo da pobreza
Animal que figura no Evangelho
Comedor de molambo e papel velho
Não tem medo de fome em sua mesa
Ao seu dono ele dá pouca despesa
No verão, no inverno ou no sol quente
Pensador, preguiçoso e paciente
Foi amigo do filho de Jeová
Hoje serve de carne de jabá
Nas cozinhas mais ricas do Oriente

Quer queira ou quer não
O jumento é nosso irmão (bis)

Traz o jegue no lombo a cruz da morte
O sinal do menino de Belém
Jesus quis visitar Jerusalém
O jumento serviu-lhe de transporte
No Brasil o jumento teve a sorte
De ser presente do Papa um santo nome
Vai comer do que pouca gente come
Nos quintais do palácio italiano Engordar nos jardins do Vaticano
Seus irmãos no Brasil passando fome

César Coelho apitou a decisão
Da Itália jogando com a Alemanha
Havelange lamenta na Espanha
A derrota da nossa seleção
Os romanos levaram o canecão
Paulo Rossi é da copa o artilheiro
Nós perdemos por causa do goleiro
Mas em nome da língua de Camões
O jumento transmite aos campeões
Um abraço do povo brasileiro

Assessores do Papa, cardeais
Baseados no Velho Testamento
Cancelaram a viagem do jumento
A noticia que o jegue não vai mais
Damião deixa o seu burrico em paz
Já que o Papa recusa o jeriquil
Pra ninguém não chamá-lo de imbecil
É melhor desistir desse presente
Com a abertura do nosso presidente
O lugar do jumento é no Brasil.

4 comentários:

  1. Bruno, fico muito feliz com esta homenagem ao meu pai. E eu nem sabia que essa musica existia! Muito obrigada mesmo.

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    1. Ola sou filha dele também e gostaria de manter contato pois queria ti conhecer!

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  2. Bruno, fico muito feliz com esta homenagem ao meu pai. Meu pai merecia esse reconhecimento pela pessoa que foi.E eu nem sabia que essa música existia. Muito obrigada mesmo.
    Faço apenas uma retificaçao às suas palavras. Meu pai morreu no dia 28 de Julho e nao no dia 30.

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  3. Bruno, fico muito feliz com esta homenagem ao meu pai. Meu pai merecia esse reconhecimento pela pessoa que foi.E eu nem sabia que essa música existia. Muito obrigada mesmo.
    Faço apenas uma retificaçao às suas palavras. Meu pai morreu no dia 28 de Julho e nao no dia 30.

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