Viciada em internet, a cantora lança, primeiro digitalmente, ‘#AC’, seu primeiro álbum em quase quatro anos. Ana volta com a missão de mostrar que a intérprete e compositora de baladas também pode ter bastante ‘groove’
Por Silvio Essinger
RIO - Nem na hora da entrevista Ana Carolina desgruda os olhos do computador. Em suas contas, ela passa todo dia algo entre 12 e 14 horas ligada na internet.
— Acho que estou viciada! — acredita Ana, que cinco anos atrás não tinha contas em redes sociais e vivia assolada pelos perfis falsos. — Depois, tive que fazer um outro vídeo para dizer que era eu mesma nos perfis. Hoje, a internet é a televisão que eu quero pra mim.
A fascinação pela rede e suas possibilidades está estampada agora em “#AC” (o “#” significando hashtag, marcador usado no Twitter) primeiro álbum de inéditas da cantora em quase quatro anos. Esse é o primeiro lançamento de um artista brasileiro a ganhar antecipação em streaming (a partir de hoje, no iTunes, uma semana antes do início da venda digital — o CD, só chega às lojas na segunda quinzena de junho, mas com uma faixa extra, “Libido”). Resultado da depuração de um total de 50 composições, “#AC” é, nas palavras da cantora, “um disco para todo mundo”, fotografia de um momento especial em sua vida.
— Em 2006 eu lancei 24 músicas num álbum duplo (“Dois quartos”). Agora, acho que adquiri uma maturidade para saber que não são todas as canções que você deve lançar — considera a cantora, que fez “N9ve”, seu disco anterior, com apenas nove canções. — Hoje em dia, com essa coisa do mercado, não existe mais um álbum inteiro. Existe uma música, duas, um videoclipe. Eu não escuto um disco inteiro.
E “#AC” nasceu justamente por causa de uma videoclipe, da faixa “Un sueño bajo el água”, que a cantora filmou com a parceira Chiara Civello na piscina de casa (onde também foram feitas as fotos de divulgação e da capa do disco). Detalhe: o vídeo foi feito antes de a canção ser composta.
— Aí pensei numa música-lista mesmo, onde não se conta uma história mas as palavras são interligadas, e aquela total falta de sentido chega ao sentido total — explica Ana.
O “Sueño” ia ficar só no vídeo. Uma versão em áudio, que a cantora mixou e masterizou em casa, para ser vendida no iTunes, acabou entrando na programação de uma FM.
— Aí eu descobri que eu sou uma peste, porque eu fiquei no primeiro lugar da rádio com essa música estranha — conta.
Como estranheza pouca é bobagem, Ana teve a ideia de partir daí para um álbum em que as músicas não tivessem bateria, só estruturas rítmicas, que ficaram a cargo dela e de Leonardo Reis, DJ Cia, Mikael Mutti, Marcos Suzano e o produtor do disco, Alê Siqueira.
— Só depois de criar os ritmos é que a gente foi botando a harmonia. Esse disco foi meio que acontecendo. Eu fui vendo quais eram as canções que cumpririam uma função. Eu sou uma compositora e cantora de baladas. E esse é um disco que quase não tem baladas. Eu quero mostrar esse meu outro lado, do groove — diz a cantora, para quem “#AC” é, sim, uma rendição ao pop. — Vou ficar sempre nessa interseção, entre o que é popular e a música com harmonia mais sofisticada.
Edu Krieger e Guinga
O disco se move entre extremos. Abre com “Poledance” (“Uma música que fala para a galerona, sobre uma garota de programa heroína, que é bamba pra caramba”, diz). É uma das cinco faixas do disco feitas com seu mais novo parceiro, Edu Krieger. E fecha com “Leveza de valsa”, uma rebuscada parceria com Guinga, para a qual a própria Ana escreveu arranjo de cordas. Essa é, por sinal, outra faixa que ganhou clipe.
— O Guinga me atendeu como dentista, lá por volta de 2000. Ele é muito bom dentista também! — conta a cantora, que, daí em diante, o adotou como conselheiro de violão. — Ele meu deu uns cinco acordes e eu compus várias músicas tentando fazer algo com eles.
Atendendo a um pedido da amiga Maria Bethânia, Ana fez com Krieger a “Resposta da Rita”, em que a mulher cantada no clássico samba de Chico Buarque conta o seu lado da história. O compositor participa cantando a letra original.
— A “Rita” é uma música emblemática para todos nós, eu a toquei durante muito tempo nos bares. Ela foi feita em 1965, a Rita ficou quase 50 anos calada! — brinca a cantora. — Quando li a letra para o Chico, num encontro informal, ele morreu de rir, mas eu fiquei sem saber se ele tinha gostado ou não. Mas quando eu o chamei para participar da gravação, ele topou.
Outra faixa de “#AC” que se relaciona com uma canção simbólica da MPB é “Pelo iPhone”, uma espécie de atualização feita por Ana (e por seu “Erasmo Carlos”, Antonio Villeroy) de “Pelo telefone”, samba inaugural do mestre Donga.
— Eu queria fazer uma crônica, falando de como somos vitimizados por esses brinquedinhos eletrônicos — diz.
Em agosto ou setembro Ana começa a se articular para botar o show de “#AC” na estrada, com uma banda que provavelmente não terá baterista ( “É uma coisa que eu não fiz ainda, seria legal tentar”).
O sucesso é bom, mas ela não quer abdicar do direito de fazer o que der na telha.
— Eu tinha vontade de gravar um disco sem nome, com meus experimentos, e botar em algum lugar. Só não vou poder mudar a voz. A gente fica muito engessada em ser aquele cantor das músicas de trabalho. Fazer um hit é um negócio muito complicado!
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