Não me surpreendi com a ótima qualidade do CD Raul Boeira Volume Um. Sua música já corre o mundo. Entre seus parceiros e intérpretes está o consagrado Alegre Corrêa. Isso não é pouco, mas faltava um trabalho solo. Produzido pelo Dudu Trentin, outro monstro, o volume nos permite, finalmente, apreciar amiúde a sua criatividade, o seu estilo eclético.
Raul é culto, autêntico. Seu nome está ligado à história da música urbana da região desde os anos 70. Aliás, é dele o melhor ensaio até hoje publicado na Imprensa a respeito dessa história. Explora os mais variados temas e ritmos com a mesma desenvoltura. Sabe o que faz.
Voltando ao CD, percebo-o impregnado de poesia. Descobrir poesia nas coisas mais simples é próprio de quem tem talento. A faixa Laranjeira é a síntese do que estou tentando dizer. Quem não acredita no poder da benzedura? Cansei de ser “costurado” pela D. Picucha, uma velha tia-avó, benzedeira das boas, já falecida. “O que é que eu coso?..” Meninote, eu comprava caquis do Seu Graciano, vendidos no portão da casa, antes mesmo dele ficar conhecido como o Dr. Cipó. É o Raul utilizando-se de elementos do seu cotidiano, de personagens reais, com leveza e perspicácia. Afeito a desafios, compõe uma ode à resignação do povo brasileiro em Pro Pandeiro Não Cair. Mas é na faixa Tataravô que alcança os píncaros. Nunca havia ouvido nada parecido. Em poucos versos, a cruel realidade do índio do Sul. Obra-prima, sem dúvida. Negro Coração eClariô, as duas faixas assinadas com o Alegre Corrêa, seduzem na primeira audição.
Acho que o Raul não esperou esse tempo todo à toa. Senhor da sua capacidade, preferiu nos brindar com um trabalho maduro, perfeito.
Heleno Alberto Damian é pesquisador e autor do livro Páginas da Belle Époque Passo-fundense.
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