Páginas

sexta-feira, 1 de abril de 2011

MORRE O MULTIARTISTA PERNAMBUCANO LULA CÔRTES

Por Bruno Negromonte e Fernando Rosa

No último dia 26 de março faleceu, aos 61 anos, o cantor, compositor, escritor, artista plástico e atual assessor especial do prefeito de Jaboatão na área cultural Luiz Augusto Martins Côrtes, mais conhecido por Lula Côrtes. Lula faleceu no Hospital Barão de Lucena, que fica no Cordeiro, bairro da Zona Oeste do Recife. A doença, no entanto, não o afastou dos palcos. Sua última apresentação aconteceu uma semana antes do seu falecimento, em São Paulo. Ele e Zé da Flauta foram convidados para tocar com Alceu Valença na recriação do antológico show Vivo.


A história de Lula na cena musical de Pernambuco e do Brasil se deu de maneira bastante peculiar se partirmos da análise de dois fatos interessantes: Primeiro Côrtes fez história com Satwa, álbum lançado originalmente em 1973 e o com outro antológico álbum intitulado Paêbiru, lançado em 1975.

Satwa foi um álbum gravado em parceria com o hoje caricatunista Laílson. O disco é considerado por muitos como o primeiro disco independente da moderna música brasileira, e como diria Fernando Rosa: "o disco traz a dupla tomada por uma lisergia pós-Woodstock, capaz de assustar incautos ouvintes em pleno 2001."

As dez canções do disco são basicamente instrumentais com poucas incursões vocais, que como diz a contra-capa são "produtos mágicos das mentes e dedos de Lailson e Lula". Nesse disco onde o som predominantemente é uma espécie de folk nordestino/oriental há a participação do Robertinho de Recife, Paulinho Klein e o engenheiro de som Hercílio Bastos (dos Milagres) e foi concebido nos Estúdios da Rozenblit, em Recife, entre os dias 20 e 31 de janeiro de 1973.
Teve uma tiragem pequena e sua distribuição restringiu-se basicamente ao Nordeste. Mas entrou para a história da música nordestina e brasileira.

Dois anos depois Lula lança mais um antológico trabalho gravado na Rozemblit entre os meses de outubro e dezembro de 1974. Nesse álbum estão nomes como Paulo Rafael, Robertinho de Recife, Geraldo Azevedo e Alceu Valença, entre outros.

Clássico do pós-tropicalismo, com (over)doses de psicodelia, o álbum trazia seus quatro lados dedicados aos elementos "água, terra, fogo e ar". Nesse clima, rolam canções como o medley "Trilha de Sumé/Culto à Terra/Bailado das Muscarias", com seus 13 minutos de violas, flautas, baixão pesado, guitarras, rabecas, pianos, sopros, chocalhos e vocais "árabes", ou a curta e ultra-psicodélica "Raga dos Raios", com uma fuzz-guitar ensandecida. E, destaque do álbum, a obra-prima "Nas Paredes da Pedra Encantada, Os segredos Talhados Por Sumé" (regravada por Jorge Cabeleira, com participação de Zé Ramalho), com seu baixo sacado de Goin' Home dos Rolling Stones sustentando os mais pirados 7 minutos do que se pode chamar de psicodelia brasileira.

O disco por si só é uma lenda, mas ficou mais interessante ainda pelas situações que envolveram a sua gravação. A gravadora Rozenblit ficava na beira do rio Capiberibe, e o disco, depois de gravado, foi levado por uma das enchentes que assolavam a região. Conta a lenda que sobraram apenas umas trezentas cópias do disco, hoje nas mãos de poucos e felizardos colecionadores, muitas das quais no exterior, onde foram parar a preço de ouro. Contando com a co-produção do grupo multimídia Abrakadabra, o disco trazia um rico encarte, que também sucumbiu ao aguaceiro.

Hoje é um ítem valioso no mercado internacional de raridades psicodélicas, o álbum segue misteriosamente inédito no mundo digital. Com isso, a indústria discográfica brasileira perde uma boa oportunidade de provar que se preocupa um pouco mais do que com o tilintar da caixa-registradora. "Paêbirú", que quer dizer "o caminho do sol" (para os incas), poderia ser o primeiro de uma série de raridades a ganhar a luz do dia, para ocupar uma fatia de mercado que, se pequena comercialmente, é fundamental para a preservação da cultura musical brasileira.

Lula Côrtes também gravou os álbuns "Nordeste, Repente e Canção"; "Rosa de Sangue"; "A Mística do Dinheiro"; "O Gosto Novo da Vida"; "O Pirata", e "Lula Côrtes & Má Companhia".

No ano passado, Lula Côrtes expôs uma coleção de 35 pinturas que retratavam o patrimônio histórico da cidade de Jaboatão dos Guararapes. A mostra, intitulada “Fragmentos do Jaboatão dos Guararapes”, era baseada nas suas andanças por diversos locais do município, e retratava a vida, o cotidiano, o patrimônio material e imaterial na cidade em que morava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário