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sexta-feira, 15 de abril de 2011

A ODISSEIA MUSICAL DE RICARDO MACHADO

A constante renovação da boa música brasileira vai gerando gratas surpresas aos nossos ouvidos; e vem, paradoxalmente, batendo de frente com toda o modismo imposto pela mídia de um modo geral.

Por Bruno Negromonte


Nas gratas estradas vicinais de nossa música popular sempre houve pessoas de extremo talento, mas que geralmente ficam à margem do conhecimento de grande parte de nossa população porque as gravadoras juntamente com os grandes meios de comunicação quase não procuram mais investir ou arriscar em qualidade. A dicotomia entre vendagem e qualidade está cada vez mais acentuada, e a qualidade está perdendo feio. O que consola aquele que é ávido por boa música é que o talento resiste e não se deixa esmorecer diante das adversidades impostas pelo mercado e mesmo nos mais recônditos lugares de nosso país a boa música ainda floresce. E isso é maravilhoso porque em todas as regiões do Brasil descobrem-se diariamente novos talentos. Falo isso com conhecimento de causa e por conta da proposta que defendo neste espaço que aqui escrevo, pois a principal proposta do Musicaria Brasil é ir além do convencional, difundindo além dos grandes nomes de nossa música, os novos talentos.


Dentre esses novos nomes da MPB alguns são merecedores dos mais sinceros elogios por nos trazer trabalhos de extremo bom gosto. Por tal razão gostaria de trazer aos frequentadores desse nosso lugar o álbum de um carioca que vem apresentando um trabalho lindíssimo que enaltece não só o que há de mais requintado em nossa música mas também procurando nos trazer relevantes compositores, permeando diversas épocas dentro de nosso cancioneiro. É tanta diversidade, talento e bom gosto no trabalho do Ricardo Machado que chego a vicejar em meus olhos o dia em que o verdadeiro talento sobressairá as imposições vigentes no mercado da música.

Ricardo Machado tem em sua bagagem dois trabalhos anteriores a este que em minhas mãos chegou. São eles Corra e olhe o céu e Ricardo Machado Volume 02 que apesar de não ser trabalhos autorais são compostos por um repertório de primeira linha; procurando mostrar para o que veio este novo talento de nossa música popular brasileira. São trabalhos de repertórios extremamente abrangentes e que abordam compositores como Cartola, Haroldo Barbosa, Heitor Villa-lobos, Cassiano, João Bosco, Caetano Veloso entre outros.

Ricardo tem como ofício a profissão de dentista, mas aos 19 anos já participava do Coral da Universidade Gama-Filho. O coral e o prazer de cantar, fez com que Machado se deixasse levar pela fácil destreza que a música de boa qualidade tem em nos fazer apaixonar-se por ela, o fazendo gravar esses dois álbuns anteriores de músicas predominantemente brasileira e de inquestionável qualidade.

Neste terceiro álbum intitulado "A sombra confia ao vento" (título este extraído de uma das canções presentes no disco: Melodia Sentimental), Ricardo nos presenteia com um disco que procura adotar a mesma linha que vem desde o seu trabalho incipiente: a ênfase por belos arranjos e pela qualidade na escolha do repertório. Além de celebrar mais uma vez o seu encontro com o músico Ricardo Calafate. Este vem em parceria com Machado desde o lançamento do seu primeiro álbum, e neste mais recente trabalho Calafate assumiu diferentes etapas do processo de produção: produção artística, direção musical, arranjos, mixagem, masterização e regência, trazendo como resultado desta profícua parceria mais um excelente CD. Vale ressaltar que além de Calafate, há também a participação de gabaritados músicos como o mestre dos sopros Dirceu Leite, o baixista Augusto Mattoso, Rodrigo Jesus e Maria Clara Valle trazendo como característica um belo passeio por mais de 100 anos de música popular brasileira e trazendo compositores do gabarito de Cartola, Villa-lobos, Dolores Duran, Nelson Cavaquinho, Carlos Gomes, Chiquinha Gonzaga entre outros.

Procurando seguir uma ordem cronológica a primeira canção do álbum trata-se da modinha do século XIX intitulada "Se essa rua fosse minha", canção de autoria desconhecida (coisa comum na época) e que acabou ganhando o gosto popular ao longo dos anos até hoje. Uma curiosidade interessante sobre essa canção é que ela trata-se de uma declaração de amor explícita, o que, para os padrões morais do século de sua criação, era algo considerado indelicado. Para cair no gosto das classes mais altas do século XIX levou um tempo considerável. Em seguida, ainda no século XIX, vem uma composição de Carlos Gomes e Francisco Sampaio datada de 1859 intitulada "Quem sabe?". O álbum fecha o século XIX com a canção de Chiquinha Gonzaga "Menina Faceira", canção classificada como tango e datada de 1885.


Do século XX o álbum começa com outra modinha tradicional, lançada em disco pela primeira vez por Mário Pinheiro em 1906 chamada "A casinha pequenina" e de autoria desconhecida apesar de ser atribuída a três pessoas: Leopoldo Fróes, Pedro Augusto e Bernardino Belém apesar de nenhum deles jamais reivindicar a autoria da canção. O álbum segue com a composição parte integrante da peça Bachianas Brasileiras nº 2 de Villa-Lobos intitulada "Tocata" (popularmente conhecida como "O Trenzinho Caipira", de 1930). Esta melodia recebeu letra de Ferreira Gullar exatamente 45 anos depois.

Seguimos nossa viagem pelos trilhos de nossa história musical com o samba-canção "Serra da Boa Esperança" de 1937 e de autoria de Lamartine Babo e seguimos rumo a década de 50. Chegando nos anos 50 nos deparamos com o popular chorinho "Pedacinho do Céu" (Waldir Azevedo e Miguel Lima) (1951); a toada "Prece ao Vento" (1954); o conhecido samba composto por Nelson Cavaquinho, Alcides Caminha e Guilherme de Brito "A flor e o espinho" (1957); e dois clássicos de nosso cancioeiro datados de 1958: "Melodia Sentimental" (Dora Vasconcelos e Villa-Lobos) e "Castigo" (Dolores Duran).

O passeio musical de Ricardo Machado em "A sombra confia ao vento" termina na década de 70, onde depois de decorrer boa parte da história de nossa MPB ele entoa três grandes canções: "Sábado" (1970), composição de Fredera, integrante do extinto Som Imaginário; o clássico samba do Cartola intitulado "O Mundo é Um Moinho" (1976) e por fim "Toada" (Zé Renato, Cláudio Nucci e Juca Filho) de 1979.

O canto límpido, definido e pungente de Machado e seus conhecimentos em técnicas vocais o faz ficar a vontade diante desta gama de gêneros e ritmos presentes no álbum. Seguro de si e dos requintados arranjos de Ricardo Calafate este lhano trabalho sacramenta a ideia de que a música de qualidade e bem feita é atemporal. Dá prazer ao ouvir o disco. Como o próprio Ricardo define, o álbum é aquele que ele sempre quis gravar.

Enfim, Ricardo Machado é uma prova de que na nova geração da música brasileira ainda existe pessoas cujo o talento é inexorável. E para contextualizar com o conselho que gostaria de deixar para todos trago os versos do poeta português Fernando Pessoa que escreveu: "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos". Procuremos sair da mesmice e ouvir novos talentos de nossa música, pois há muita coisa requintada nessa lavra de artista que vem surgindo ao longo desses últimos anos.


Conheça também:
http://ricardomachadosantos.blogspot.com
http://www.youtube.com/user/machadorick69

Contatos para aquisição do álbum e informações adicionais:

quinta-feira, 14 de abril de 2011

1941, NANA E ROBERTO

Foi no ano de 1941 que nasceram dois grandes nomes de nossa música popular brasileira. De um lado, Nana Caymmi, a intérprete de um canto pungente e singular. Do outro, Roberto Carlos, considerado o rei da música brasileira.

Por Bruno Negromonte

Dinair Tostes Caymmi, mas conhecida como Nana Caymmi completa 70 anos no próximo dia 29 de abril. A coluna de Nelson Motta faz uma síntese da vida profissional desta, que como diz Nelson, é conhecida pelo temperamento forte e a língua solta, e jamais fez concessões em sua carreira e suas opiniões. Ela chega aos 70 anos como uma das cantoras mais consagradas da MPB e intérprete de grandes temas de novelas.Essa data comemorativa será celebrada com o lançamento de um CD e um DVD (primeiro da cantora) ao vivo com produção de José Milton que trabalha com a cantora desde 1994. E a gravadora EMI tambpem está preparando uma Box com alguns títulos de Nana lançados na mesma ainda para este ano.


Já Roberto Carlos Braga dispensa apresentações. Um dos artistas que mais venderam disco no mundo, Roberto, aos 52 anos de carreira, é considerado o rei da MPB há muito tempo. Roberto é capaz de inúmeras façanhas; este ano. por exemplo, foi tema de escola de samba e consagrou a Beija Flor de Nilópolis como a grande campeão do carnaval carioca de 2011. Para que possam conhecer um pouco mais sobre a carreira e a vida do Roberto Carlos procurem acessar os links relacionados ao nome dele que se encontra ao lado direito do nosso espaço.

Parabéns tanto ao Roberto quanto a Nana. Que Deus os cubra de energias positivas, saúde, paz e mais sucesso!

HYLDON, 60 ANOS DE MUITA MUSICALIDADE

Hyldon, um dos três grande vértices do soul brasileiro da década de 70, chega aos 60 anos no próximo dia 17.

Por Marcus Jacobson e Bruno Negromonte

O autor de sucessos como Na Rua na chuva na fazenda e as dores do Mundo que ficaram ainda mais conhecidas depois de regravadas respectivamente pelas bandas Kid Abelha e Jota Quest completa 60 anos no próximo dia 17. Seus grandes sucessos retornam às patreleiras das lojas de disco com o mais recente lançamento intitulado Hyldon Ao Vivo, lançado em Cd e Dvd (o primeiro do artista). O registro deste álbum e DVD veio em comemoração aos 35 anos de carreira fonográfica de Hyldon, tanto que das 19 faixas do DVD e/ou 13 do Cd, a maioria das canções não são inéditas. Uma característica peculiar nos álbuns do Hyldon são as alquimias que ele sempre vem procurando mostrar em seus álbuns, produzindo uma MPB com tinturas de funk e soul.

Nascido na Bahia, radicado no Rio de Janeiro e residindo atualmente em Teresópolis, o veterano Hyldon, formou com Tim Maia e Cassiano um dos movimentos mais significativos da música negra, a Soul Music Brasileira, quando o triunvirato freqüentava um barzinho em Copacabana chamado "Vagão" na década de 70. No violão, que passava de mão em mão, foram compostos vários sucessos que atravessaram o tempo como "I don´t know what to do with myself", parceria com Tim Maia.


Hyldon, desde jovem, já sentia a música correndo nas veias. Na adolescência interessou-se pela guitara elétrica e por Iê-iê-iê, por influência de seu primo Pedrinho (integrante do conjunto Os Fevers). Montou uma banda chamada Os Abelhas. Por essa época, sua mãe resolveu voltar para a Bahia. Aos 14 anos tocou guitarra na gravação do disco do conjunto Os Fevers. Logo depois (a convite de Mazzola) passou a trabalhar no selo Polydor (da gravadora PolyGram), como produtor de artistas novos, entre os quais Erasmo Carlos, Jerry Adriani, Wanderléa, Odair José, Adilson Ramos e Wanderley Cardoso, este último gravou de sua autoria "Chove, a natureza chora" e Roberto Livi interpretou "Eu me enganei".

Por essa época, junto com Cassiano, Camarão (irmão de Cassiano) e Amaro, formou o grupo Os Diagonais, grupo com o qual viajou por cidades baianas e mineiras. Trabalhou como guitarrista de Tony Tornado, Frank Landi e de Wilson Simonal. No ano de 1974, lançou o seu primeiro disco, um compacto simples com a canção "Na rua, na chuva, na fazenda - casinha de sapê", seu maior sucesso. No ano seguinte, lançou o seu segundo compacto, também com êxito, apresentando a música "As dores do mundo" Os dois sucessos o levaram a gravar um LP pela Polydor no mesmo ano, "Na rua, na chuva, na fazenda", no qual misturava elementos da música rural com o soul e foram incluídos os sucessos "Na rua, na chuva, na fazenda", "As dores do mundo" e "Na sombra de uma árvore".

Em 1976 gravou o LP "Deus, a natureza e a música". Disco que gravou com os músicos da banda Azymuth. Ainda deste disco destacaram-se as faixas "Pra dizer adeus" (Edu Lobo e Torquato Neto) na qual constou arranjo e performace do pianista Cristóvão Bastos (na época, integrante da Banda Black Rio) e "Primeira pessoa do singular", música de Hyldon com letra de Caetano Veloso. No ano de 1977 gravou o LP "Nossa história de amor". Disco no qual participaram Dominguinhos, Ed Lincoln, Maurício Einhorn e Zé Bodega. Gravou, com sua mulher Zoé Ruth, o disco infantil "A turminha do bebê". Por essa época, compôs o tema "O Seu Boneco é o terror", para o personagem do ator Lug de Paula, produzindo também o álbum.



No ano de 1998, a convite do poeta Sergio Natureza, participou dos shows em homenagem ao compositor Sérgio Sampaio. Neste mesmo ano, a gravadora Universal Music relançou o disco "Velhos camarada", coletânea que reuniu Cassiano, Tim Maia e Hyldon. No ano 2000 participou do show e do disco "Tributo a Tim Maia", lançado pela gravadora Som Livre. No ano seguinte, sua composição "Na rua, na chuva, na fazenda" interpretada pela dupla Cristian e Ralf entrou na trilha sonora da novela Amor e Ódio do SBT. Neste mesmo ano produziu e lançou o CD "Pra todo mundo cantar junto", disco no qual incluiu sucessos seus e de outros autores da MPB.

Em 2003, refez o disco "Deus, a natureza e a música". O LP que havia sido feito em 1976 como último disco de contrato com a gravadora, apesar de ter contado com músicos importantes na época: Oberdan Magalhães e Robson Jorge (ambos já falecidos) e ainda Banda Black Rio, Azymuth, Ed Maciel,
Jorginho da Flauta, Chacal, Tony Bizarro e cordas do Teatro Municipal regidas por Waltel Branco, o LP ficou um pouco aquém na qualidade técnica, agora refeita, (a mixagem e nova voz do cantor), além de serem incluídas três faixas-bônus: "Táxi pra Bahia", "Palavras de amor ao vento" e "Pelas ruas de Los Angeles", contando com músicos de renome como Zé Canuto e Paulinho Trompete.

Mesmo não tendo hoje o mesmo espaço na mídia como tinha na década de 70, o cantor e compositor baiano completa 60 anos continuando na ativa. Hyldon continua a se apresentar pelo Brasil afora e está mais vivo do que nunca no coração daqueles que se nutrem das mais belas letras e melodias de um gênero musical no qual ele foi um dos precursores (juntamente com Tim Maia e Cassiano).

Hoje, os três são, por muitos, considerados a santíssima trindade do soul no Brasil.

Parabéns Hyldon! Que Deus o cubra desaúde, felicidades, sucesso e inspiração para que nós possamos ouvir lindas letras e melodias.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

30 ANOS SEM VICTOR ASSIS BRASIL

Amanhã, dia 14 de abril completa-se 30 anos que faleceu o grande músico Vitor Assis Brasil.

"Victor Assis Brasil foi sem dúvida um dos nossos maiores músicos. Brilhou intensamente como instrumentista extraindo do saxofone sons e fraseados inesquecíveis. Como compositor foi um espanto. De sua formação jazzística, escreveu um jazz original entrando no meandro da música brasileira. Trilhou um caminho originalíssimo até os domínios da música erudita, que ele amava de coração. Como irmão e músico, eu tive o privilégio de acompanhar seu processo criativo. As frases e as melodias vinham rápidas, líricas e intensas, assim como um pintor em meia dúzia de traços expressa todo um quadro" (João Carlos Assis Brasil)


Victor Assis Brasil nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 28 de agosto de 1945.

Oriundo de uma família de classe média, desde cedo teve um ambiente musical propício, menos pela existência de especialistas entre os seus, e muito mais pelo incentivo e boa acolhida que recebeu dos pais e parentes em relação ao interesse pela música. Ainda criança ganhou uma gaita-de-boca e uma bateria, exercitando em ambas e definitiva predileção pelo Jazz. Aos dezessete anos recebeu de presente um saxofone alto, ofertado por uma tia.

Aproximação decisiva para a formação de seu vocabulário, estilo e caminho musical. Sem receber nenhuma educação musical formal, começou a apresentar-se publicamente ainda na Juventude, percorrendo festas de amigos e pátios escolares, em particular o do colégio Andrews, onde estava matriculado. Em 1963 grava casualmente seu primeiro registro musical em casa de um amigo. Por volta de 1964 e já sob impacto da Bossa Nova, freqüenta o circuito de bares e boates da zona sul carioca, realizando inúmeras jam sessions, o que certamente lhe ofereceu vasta bagagem musical e bastante conhecimento do instrumento, a ponto de no ano seguinte já circular pelo meio como um profissional. Sua estréia oficial se deu neste momento no antigo Clube de Jazz e bossa em Copacabana. A súbita consciência de seu valor como artista o leva a atitudes extremamente ousada para época. Grava em 1966 seu primeiro LP, Desenhos, entusiasticamente saudado pela crítica especializada como o primeiro grande disco de Jazz gravado no Brasil.

Lança-se em concertos públicos tocando sua música ou repertório de sua estrita escolha, fato praticamente inédito em termos de música instrumental entre nós.

O sucesso não o desvia da necessidade de um crescente aperfeiçoamento. Toma aulas com o maestro e saxofonista Paulo Moura por algum tempo. Toca no místico Beco das Garrafas. Em uma apresentação conhece o pianista Friedrich Gulda, que o incentiva a participar do Concurso Interna
cional de Jazz em Viena. Obtém o terceiro prêmio na categoria saxofone e a oportunidade de permanecer por quase um ano na Áustria, aperfeiçoando sua arte. Participa na mesma época do Festival de Jazz de Berlim, sendo considerado o melhor solista do evento, o que lhe vale uma bolsa de estudos para prestigiosa Berklee School of Music, localizada em Boston. Antes de seguir para os Estados Unidos retorna ao Brasil, gravando seu segundo LP, Trajeto, excursionando pelo país, sob o patrocínio da USIS, com o espetáculo Calmalmas, e desenvolvendo intensa agenda em teatros, universidades e shows para televisão.



A permanência na Berklee representa o período de maturidade em termos de domínio do instrumento, agora incorporando o registro soprano, e especialmente de criação musical. Evoluindo como compositor, usa com grande maestria elementos da Música Popular Brasileira, do Jazz e da Música Erudita, fundindo-os com resultados admiráveis em termos de harmonia e melodia. Boa parte de suas mais de quatrocentas composições surge nos quase cinco anos que passou na América, onde também se apresentou diversas vezes e lecionou improvisação na J. D. School of Music.

Sua obra gravada prosseguiu nesse meio tempo, com o lançamento de Victor Assis Brasil toca Antônio Carlos Jobim, em 1970, e Esperanto, em 1974, sempre com a mesma receptividade positiva. Neste mesmo ano retorna em definitivo ao Brasil, retomando a agenda de shows e concertos. Seu talento como músico, arranjador e compositor está plenamente consolidados e o leva a atuar como solista em apresentações eruditas, a assinar trilhas para a televisão (novela O Grito) e o cinema (filme Marília e Marina) e a participar de eventos especiais como os Domingos da criação do Museu de Arte Moderna do Rio de janeiro (a apresentação com o pianista Luiz Carlos Eça seria postumamente lançada em CD). Faz longas temporadas no circuito de bares da noite carioca, como o Chico´s Bar e o People.

Os três últimos anos de vida marcam o ápice de seu prestígio público e também a manifestação mais intensa dos problemas de saúde que o levariam a morte. Destacam-se particularmente suas performances no Festival Internacional de Jazz de São Paulo e no Monterey Jazz Festival, nos quais liderando formações internacionais exibe sua técnica e talento como compositor obtendo sinceros elogios a sua arte. Grava em 1979 seus últimos discos, intitulado Victor Assis Brasil Quinteto e Pedrinho, raros LPs instrumentais da época a contar com grande produção musical, técnica e artística, representando um reconhecimento a sua estatura como um dos grandes nomes do meio naquele momento.

Victor Assis Brasil faleceu no Rio de Janeiro em 14 de abril de 1981.Morreu muito jovem, aos trinta e cinco anos, devida a uma doença circulatória rara e grave, a poliarterite nodosa.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

SALVE,SALVE DONA IVONE LARA! 90 ANOS DE SAMBA!

No próximo dia 13 de abril Dona Ivone Lara completa 90 anos de idade; destes, 70 foram dedicados à música. Segundo Beth Carvalho, uma das intérpretes que mais cantou Dona Ivone, a sambista do Império é uma senhora melodista: — Se tivesse estudado mais, seria maestrina. Os “laiás-laiás” dela são verdadeiros arranjos. Mas foi Maria Bethânia, ao gravar “Sonho meu” e “Alguém me avisou”, na década de 1980, que consagrou, fora do mundo do samba, a parceria de Dona Ivone e Décio Carvalho.

Por João Máximo, Bruno Negromonte e Sara Paixão

O nome de Yvonne Lara da Costa dispensa qualquer tipo de apresentação. Grande sambista e como compositora, além de sambas belíssimos, foi também a primeira mulher a integrar uma ala de compositores de escolas de samba. Em sua biografia passou por diversas dificuldades superando a todas elas e galgando o seu espaço dentro da música popular brasileira como um dos nomes mais reverenciados do samba. Depois de aposentada, se dedicou inteiramente ao samba e a composição tendo suas canções gravadas por grandes nomes de nossa música e criando clássicos para nossa MPB.

Bisneta de escravos, Ivone Lara nasceu em Botafogo, no Rio de Janeiro. O pai, João da Silva Lara, era um conceituado músico do lugar com seu violão de sete cordas, além de desfilar no bloco dos africanos e outros ranchos. A mãe, Emerentina Bento da Silva, levava uma vida dura como lavadeira e costureira e para dar vazão a alegria transformava-se em pastora do rancho Flor do Abacate e uma cantora amadora de prestígio.

Precocemente, Ivone perdeu o pai em um acidente com o caminhão no qual trabalhava como ajudante. João só tinha 27 anos. Emerentina ficou grávida e seis meses após sua viuvez deu a luz a uma menina. Emerentina caso novamente e foi morar na Tijuca com Ivone e por lá viveu oito anos no internato do Colégio Municipal Orsina da Fonseca. Lá estudou música com Lucíla, mulher de Heitor Villa-lobos e chegou a cantar sob a regência do maestro. Ivone tinha 17 anos quando sua mãe mãe faleceu também de maneira precoce aos 33 anos.



Já maior de idade, Ivone sai do colégio e vai morar em Inhaúma com o tio Dionísio, com quem aprende a tocar cavaquinho. É notória a dura vida de Ivone, o sofrimento em sua vida foi uma constante em sua juventude a fazendo, desde muito cedo, uma mulher autônoma e uma compositora de mão cheia que não pretende parar nem tão cedo. Tem perto de 15 sambas recém-feitos com o parceiro Délcio Carvalho e continua aceitando convites para shows, como o de duas semanas atrás, no Rival. Tudo isso apesar das limitações impostas pela recuperação de uma fratura no fêmur e da vista direita perdida em razão da necrose decorrente de um glaucoma.

- Da esquerda, enxergo perfeitamente - diz ela, deixando claro que os óculos são apenas para não modificar a imagem que todos conhecem.

O aniversário será comemorado em família, com direito a bolo, feijão branco e roda de choro, esta um presente do músico Abel e de seu grupo. Dona Ivone vive hoje com o filho Alfredinho, a nora Eliana, netos e bisneto, numa acolhedora casa de Osvaldo Cruz. O ambiente é tipicamente suburbano, com o mesmo espírito de vizinhança que Dona Ivone conheceu no Rio de antigamente.

- Esta era uma rua sem saída - conta Eliana. - Desde que viemos morar nesta casa, pensamos em fechar a entrada para transformar o local num condomínio, mas fazia 20 anos que um dos vizinhos era contra. Até que o convidamos para uma roda de samba aqui em frente, e ele mudou de ideia.

Samba de Dona Ivone Lara realmente tem força. É o que explica ela ter passado a vida a superar barreiras que pareciam separá-la do prazer de viver a música. Em
menina, morando na Tijuca, fugia de casa para dançar e cantar nos terreiros do Salgueiro. Quando voltava, apanhava da mãe, que, apesar de cantora do Rancho Flor do Abacate, queria outra vida para a filha. O pai, sete cordas do Bloco dos Africanos, morreu quando Dona Ivone tinha apenas 3 anos. Aos 10, perdeu a mãe.

Por esses dados, acredita-se que tenha sido pouca a influência dos pais sobre Dona Ivone. Da mesma forma, o curto tempo em que estudou com Lucília Villa-Lobos, mulher do maestro famoso, não antecipou o que seria a compositora (foi por essa época que, aluna de Orsina da Fonseca, cantou "A lavadeira" no coro regido pelo próprio Villa-Lobos).

- Fui criada por uma tia, tia Cota, que também não gostava de samba - lembra ela, já se referindo aos tempos de Serrinha, quando trocou, para sempre, o Salgueiro pelo Império Serrano. - Tia Cota gostava de jongo, mas não de samba, que ela achava coisa para homem. Achava que eu, moça que pretendia fazer curso superior, não devia me misturar com a gente da escola.

O curso foi feito: enfermagem. Do qual ela muito se orgulha. - Graça a isso pude me aposentar aos 58 anos.

Enfermeira e, depois, assistente social, funções que dividiria, sem problemas, com a de baiana a desfilar pelo Império.

Já a resistência de tia Cota começou a ser vencida com a cumplicidade do primo, Mestre Fuleiro, que começou a levar para a escola as primeiras tentativas da compositora. Naturalmente, sem citar-lhe o nome (Dona Ivone não diz, mas alguns sambas que, assinados por outros, fizeram sucesso, dentro e fora do Império, tinham o dedo dela).

- Até que me convidaram para ser a madrinha da ala dos compositores. Fui a primeira mulher a conseguir isso.

O convite não veio logo após as primeiras amostras l
evadas por Fuleiro. Dona Ivone tinha 16 anos quando compôs "Tiê", e já havia feito com $de Oliveira e Bacalhau um dos maiores sambas-enredos já ouvidos num desfile: "Cinco bailes da história do Rio", em 1965, quando a cidade completou 400 anos. Consta que ela entrou na parceria exatamente como, ainda hoje, atua no Império: acabando a música que os parceiros (no caso, bêbados) não conseguiam. Dona Ivone conta:

- Volta e meia eles me chamam: "Madrinha, vem dar um ajudinha." Vou com prazer.

É sinal de que ela continua firme e fiel ao Império Serrano.

- O Império? Está fraco, quase morrendo. Se tivesse mais uma escola esse ano, tínhamos perdido o sexto lugar (no Grupo de Acesso A).



Seus próprios sambas são trabalhados de outra maneira. Inspiradíssima ("Você percebe que o talento dela não é comum, não é usual", assevera Paulão Sete Cordas, o violão que a conhece muito de perto), Dona Ivone vai criando seus temas e, muitas ve$, passando-os por telefone a Délcio ou a outro parceiro. Suas melodias sempre têm a precedência.

Dona Ivone, o mesmo sorriso, o mesmo rosto sem rugas, a mesma elegância nos gestos e na fala, chega aos 90 acreditando (sem trocadilho com "Acreditar", grande samba dela e Délcio). No dia do aniversário, lança seu site. A cantora mineira Márcia Lima vai gravar disco só de sambas seus que não fizeram muito sucesso. Título: "Lado B". A mineira Aline Calisto inclui três inéditos em seu próximo CD. Fatos aparentemente triviais, mas recebidos com o mesmo contentamento dos triunfos que Dona Ivone vem multiplicando em tantos anos: apresentações em França, Alemanha, Suíça, Dinamarca, Gana, Angola, Nova York. Seu disco "Nasci para sonhar e cantar", com título definidor, foi lançado em 2001 (o mesmo ano em que o pianista Leandro Braga lhe dedicou um CD instrumental e um songbook). Ganhou prêmio, $muito no Brasil, na França, Alemanha, Austrália e até no Paquistão.

No meio de todas essas vitórias, só uma queixa:

- Das gravadoras. Não me divulgam, não me pagam, não me dão satisfação, só se apropriam do que é meu.

Uma informação: pelo DVD que a Universal produziu com ela, "todo ele praticamente vendido", recebeu menos de R$ 2 mil. De direitos autorais, R$ 74. Isso mesmo: setenta e quatro reais.

Apesar da queixa, momento raro em Dona Ivone, ela não perde o jeito sereno e simples. De tal modo que, às vezes, somos levados a crer que, no fundo, a artista não tem exata consciência de seu papel, de sua importância. No máximo, ao falar sobre si mesma, ela se permite uma explicação de por que é quem é. Como no depoimento que deu ao Museu da Imagem e do Som (MIS) em 2008: "Eu me faço respeitar." Em seu caso, respeitar é pouco. Dona Ivone Lara nasceu para sonhar, cantar e ser cultuada.

E o amor para que ela continue a cantar vem de todas as partes.

— É nossa rainha, firme na preservação do samba. Vida ainda mais longa a Dona Ivone — deseja Zeca Pagodinho.

Autor de inúmeros sambas para a musa dos sambistas, o cantor e compositorArlindo Cruz engrossa a torcida por uma duradoura comemoração: — Dona Ivone merece todas as homenagens, que seja um ano inteiro de festa. A minha geração de sambistas, do Cacique de Ramos, é toda apaixonada por ela.

DISCOGRAFIA

  • O Botequim da Pesada - Sargentelli e o Sambão (1970)


  • 1974 - Quem samba fica? Fica. (com vários)

    1974 - Samba Minha Verdade, Samba Minha Raiz

  • 1979 - Sorriso de criança

  • 1981 - Sorriso negro

  • 1982 - Alegria minha gente (Serra dos Meus Sonhos Dourados)

  • 1985 - Ivone Lara

  • 1986 - Arte do encontro (com Jovelina Pérola Negra)

  • 1993 - Mestres da MPB (coletânea)

  • 1998 - Bodas de ouro

  • 1999 - Um natal de samba (com vários)

  • 1999 - Raízes Do Samba (coletânea)

  • 1999 - Pirajá - Esquina do Samba (com vários)

  • 2000 - Casa de Samba 4 (com vários)

  • 2001 - Nasci para sonhar e cantar

  • 2001 - Para Sempre (coletânea)

  • 2001 - Meninos do Rio (com vários)

  • 2002 - A Música Popular Brasileira por Seus Autores e Intérpretes (coletânea)

  • 2003 - Aquarela do Samba (com vários)

  • 2004 - Sempre a cantar (com Toque de Prima)

  • 2006 - Warner 30 Anos: Dona Yvonne Lara (coletânea)

  • 2006 - Aquarela do Samba (com vários)

  • 2009 - Canto de Rainha

  • 2010 - Nas escritas da vida (com Bruno Castro)