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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

DJAVAN EMBARCA RUMO AO PASSADO

Ária é o primeiro disco que ele grava como intérprete, sem música autoral, e traz canções que lembram a juventude

Por José Teles

Quando estava com 17 anos, Djavan fugiu de casa. A família queria que ele se submetesse a um concurso da Academia das Agulhas Negras, no Rio. Ele não pretendia seguir carreira militar. Queria ser músico (embora tenha passado um tempo dividido entre o futebol e a música). Veio morar no Recife, na casa de um primo em Casa Amarela. Foi um período de “carência e sofrimento”, recorda, longe de casa. Passou um ano e meio vivendo na Zona Norte recifense. Apesar do astral não estar alto, esta estadia na capital pernambucana foi decisiva para a carreira musical de Djavan. “Não cheguei a trabalhar com música no Recife, era adolescente. Ficava em casa tocando violão, estava começando a tocar. Foi nesse período que desenvolvi meu aprendizado no instrumento”, conta o cantor, em conversa por telefone.

Esta passagem pelo Recife está refletida no seu novo disco, Ária, o primeiro que grava como intérprete, sem música autoral (parceria entre seu selo Luanda e a Biscoito Fino). A música que o faz lembrar dos meses passados em Casa Amarela chama-se Nada a nos separar, de Wayne Shanklin, em versão assinada por Romeo Nunes, gravada em 1963 pelo Trio Esperança e Reinaldo Rayol: “Eu ouvia muito no Recife e quem cantava era Evinha, a principal voz do trio”.

Ária em si é um trabalho com toques proustianos. Uma viagem ao passado, a trilha sonora das reminiscências do cantor, que passeia pelas várias fases de sua existência. Sabes mentir (Othon Russo), por exemplo, é uma canção que o faz lembrar da infância: “Eu deveria ter cinco, seis anos, e minha mãe gostava muito desta música, que foi gravada por Ângela Maria”, explica Djavan.

Assim como Milton Nascimento, no álbum, Crooner (1999), o cantor alagoano, também quis relembrar seus tempos de cantor da noite, com uma passagem, aos 18 anos, pela banda, de Maceió, LSD (Luz, Som, Dimensão): “Quando vim para o Rio fui crooner de boate durante quatro anos, passei por casas conhecidas como a Number One”, continua Djavan. Com as amizades feitas na noite carioca, chegou à Som Livre, onde gravou canções de compositores como Tom Jobim, Marcos Valle, Vinicius de Moraes para trilhas de novelas, até que conseguiu fazer o disco de estreia autoral, A voz, o violão, a música de Djavan (1976).

Ária é a sequência de Matizes, CD de 2007: “Foi o período mais longo que já passei sem lançar um álbum. Normalmente, passo no máximo dois anos. Nos últimos tempos me dei um tempo, de estúdio, palco. Quis dar uma respirada”, explica Djavan.

A respirada para curtir crescimento dos filhos Inácio e Sophia, do segundo casamento com Rafaella Brunini: “Parei para cuidar dos filhos. Na época Sophia estava com três anos (Inácio tem um). Queria me aproximar mais dela nesta fase, tão efêmera, que passa tão rápido. Parei até de viajar, a não ser viagem de lazer com a família. Viajo quando estou com um trabalho novo e aí, normalmente, passo, praticamente, um ano inteiro mundo afora”.

Ária tem 12 faixas, uma eclética coleção de canções de várias épocas, com as quais Djavan comunga sua memória afetiva. Os gêneros também são bem diversos, vai da filosófica Oração ao tempo, de Caetano Veloso, a Fly me to the moon (Bart Howard), e 13 de dezembro, um instrumental assinado por Zé Dantas e Luiz Gonzaga: “Uma música estranha, porque dois grandes letristas fizeram juntos um instrumental?”, indaga-se o cantor, que aproveitou o tempo de ócio criativo para pesquisar o repertório.

“Desde que dei esta parada que comecei a pensar no que gravaria. Reouvi meus discos, busquei sugestões de amigos, lembrei de músicas, que de alguma forma me marcaram”, diz. Entre as que o marcaram está algumas até óbvias, caso de Palco, de Gilberto Gil: “Regravei alguns clássicos, porque quis correr um certo risco, cantando músicas que receberam muitas gravações”.

A única faixa de Ária que não faz parte deste conceito de viagem no tempo de Djavan é La noche, um flamenco dos espanhóis Henrique Heredia Carbonell e Juan Jose Soares Escobar: “Foi uma música que descobri há algum tempo na internet, gostei muito e fiquei pensando que um dia iria gravá-la, até que a oportunidade surgiu”.

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